segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A Bolha

A Bolha é asséptica. Vista de um ângulo limitado, e sempre repetido,  parece segura, confortável, familiar. Um porto de abrigo, para onde se foge das agruras da realidade. Por isso, nada melhor do que expandir a Bolha, deixá-la envolver-nos a existência toda, limpando o lixo que nos atrapalha, nos contraria, criando dúvida e ansiedade, quantas vezes obrigando-nos a gastar a energia que não sentimos ter, só para concluirmos que afinal existe Outro. O Outro. Esse que, tão diferente de nós, nos conspurca as certezas, nos atiça os medos, nos parte a Bolha. Salvos sejamos.


Eu uso uma, nestes tempos em exclusividade, rede social para fins de recreio. Só que minto. Como todos vós, aliás. Porque as queremos, às redes, para validar a nossa própria linha de pensamento, emitir opinião, vingarmo-nos de uma existência anónima, hiperbolizar - mesmo que sob um manto de modéstia - qualquer fugaz centelha de fama. Fogueira que seja, vá, porque a fama é efémera e contém o seu fim. Como a Vida. Enfim, para sermos finalmente aquilo que acreditamos que eles querem que sejamos. E não somos. Muitas vezes, nem queremos verdadeiramente ser, mas não há remédio.


Olhando assim cinicamente, vejo-os escolherem meticulosamente o seu Real de faz de conta. Estenderem com paciência a membrana da Bolha, limpando cada centímetro quadrado com a atenção de um relojoeiro, sempre com o cuidado de não sobrar alguma fresta, alguma réstia de circulação de ar contaminado, de pensamento diverso, de incómodo da mente. A Bolha é asséptica e a sua moeda corrente é aquilo que eu acredito que é verdade, ainda que não possa ter a certeza. Porque aqui, tudo e todos se validam mutuamente, dado que sou quem os escolhe. A one track mind.


Chega então o momento em que, por qualquer distração, nos enfrenta o Outro. Esse diferente, que - o topete! - pensa de outra forma, caminha por outra via, partilha de diversa tara e sofre de distinta doença. 


Como assim, existe? Se Todos pensam como eu, se tão cuidadosamente nos rodeámos destas paredes transparentes, porque nos havemos de confrontar com o que nos é exterior? Expulsa-se já da Bolha essa ameaça, esse vírus, essa força estranha, seguramente maléfica, alienígena, porque Humana não será, provado que está que todos os Humanos que contam têm a exata mesma opinião que eu. Sei bem disso, porque interajo com eles todos os dias, cada vez mais tempo em cada dia e aplico agora a tudo na Vida o mesmo método cibernético: bloqueio o Diferente e preservo a minha razão. A Bolha expande-se.


...


Alegremente protegidos, nunca erramos. Até porque, errando, logo virão os nossos cobolheiros - que lindo nome, pá! - sossegar-nos, assegurar que estivemos bem, deixa lá isso que alguns dizem em contrário, não são dos nossos, ainda que se disfarcem sob a mesma bandeira, são espectros de outras terríveis dimensões, abutres Universais, boçais taberneiros dos confins imundos da Galáxia.  


Olha, meu menino, repara bem que nem sequer aqui estão, na nossa Bolha. Estarás naturalmente certo, pergunta a quem quiseres, anda. Se algum achar o contrário, aponta-mo. Mesmo que seja feio apontar, fá-lo, sem remorso, sem pudor, e ele que se livre de responder. Não temas, nós iremos em teu resgate e bloquearemos qualquer hipótese de comprometimento da Bolha. Que se expande.


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Sou a dizer que vi diferidamente o último jogo do FCP. Estou muito convencido que o treinador se enganou na substituição aos 41 minutos. Não vem daí mal ao Mundo, porque passámos de 1-1 para 4-1, mas, apesar disso, continuo convicto de que foi um erro. Teríamos ganho 4-1 na mesma.


Na verdade, toda essa enorme distância, expressa pelo próprio, entre o que foi primeiro e o que veio a seguir, eu cá não a vi. Entraram mais golos, lá isso entraram, pelo que estou basto alegre. Mas pode ser que tenha ficado claro para mais alguém o lado por onde o adversário criou todo o perigo; da mesma forma que pareceu evidente que o meio campo estava em dificuldade mais pela fraca prestação de quem ficou, do que pelas falhas de quem saiu.


E se no fim tudo correu bem, porque haveríamos agora de perder este nosso tempo? Para que não se repita, apenas? Naaaa, é só porque eu gosto de picar a Bolha. Para que entre ar e não se corra o risco de a consaguinidade dar cabo da espécie.


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Fui a um concerto. Fiquei entre um e maijujamigos que “epá, metal, eu sou metal, ganza e cerveja e encontrões, metal, pois claro, nem conheço música nenhuma destes, mas diz que é metal, \m/, vamolá então, pensei eu, tájabêr?”; e outro que não deu pio durante as três horas de festa, totalmente absorvido na tarefa de ver o espetáculo através do ecrã do seu dispositivo móvel, muito embora tudo se estivesse a passar mesmo diante dos olhos dele.


O primeiro, e a sua trupe, desapareceu por volta do meio da atuação. Atribuo este sucesso a dois encontrões a destempo que o desequilibraram - sempre com um sorriso e um cumprimento fraternal - e, sobretudo, à altíssima qualidade dos meus gases. O segundo...o segundo não foi a lado nenhum. Achará, mais tarde, que aquilo foi esquisito, mais tremido do que supunha, para além de que lhe ficaram a doer os braços. Não admira, três horas de braço ao alto, a pressionar a rodinha vermelha no ecrã, chiça. Já as nódoas negras no antebraço, terão sido das cachaporradas que lhe caíram de cada vez que o cotovelo se aproximou demasiado do primeiro fio de cabelo da gaja bem boa que lá estava com o anormal das barbas. Careca dum cabrão.


Quando saía, contente como um catraio, dei de caras com um tipo que ia de abóbora. Sim, vestido de abóbora. 


Aos primeiros, ao segundo e ao terceiro, fica aqui o meu sincero agradecimento. Obrigado, brodas, por não me terem deixado construir uma Bolha. Não é suposto que a experiência seja essa, para além de que tende a expandir-se. Detesto-vos all the same.


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...when will he breakout of his solitary shell?...

terça-feira, 27 de novembro de 2018

The Twilight Zone: The Mist



Esta noite choveu. Bastante.

Ainda faltam umas horas para serem horas de gente, pelo que, por agora, o Mundo está entregue às esparsas luzes dos automóveis que se cruzam, como se se cumprimentassem, fantasmas ao volante talvez. E a um nevoeiro denso que embacia a iluminação pública e deturpa todas as cores.

Se fosse possível explicar-vos, assim adormecidos, diria uma imensa catarata que caiu sobre o Universo. Uma degenerescência macular do Infinito, pudesse determinar se o Infinito é novo ou velho.

Apesar do som dos rodados no asfalto o prender a este detalhe de existir, há no nevoeiro uma promessa de fim. Fim das fronteiras entre verdade e mentira, longe e perto, vivo e morto. Porque resta apenas um fumo esbranquiçado que o envolve, impedindo que se perceba se são árvores nas bermas ou construções maléficas do final das coisas, montras mal iluminadas de cafés fechados ou velas espalhadas pelo Calvário dos malditos, cacimbo a acionar as escovas limpa-vidros ou lágrimas de Deus, de alívio, alegria ou profunda tristeza pela queda da Obra.

Que diz? Resta? Não, mente. Não resta. Velou-se, apagou-se e enterrou-se. Com as mãos coladas ao volante, segurando com tanta força que dói nas palmas, como quem se agarra a uma pedra coberta de musgo no passo derradeiro da última milha. Do abismo. O momento em que em vez de porquê se pergunta o quê. Quem? Eu?

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Sempre que se entrega, por obrigação que seja, ao nevoeiro, o cérebro devolve-lhe a reminiscência do final de The Mist. Se podem os monstros usá-lo para se ocultarem, ficando ainda mais monstruosos e apavorantes, porque desconhecidos e apenas imaginados - e bem sabemos que a imaginação tende a dar-nos o que de facto merecemos: aberrações inenarráveis - também podem os Salvadores tê-lo invocado para, a coberto desse manto Divino, chacinarem todas as ameaças e devolverem a paz aos Homens. A este homem, ao menos.

É como se estivessem guardadas no que não se pode distinguir todas as possibilidades. Imagine-se uma corrida por um prado, pelo caminho vai ficando a roupa, 

                                                                                                 ( detém-se um pouco nesta imagem e nós, meros espectros a escorrer das janelas, não temos remédio senão acompanhá-lo. O prado é verde, de capim alto, e desce. A roupa é uma jardineira de ganga gasta e não parece haver roupa interior, o que não é de espantar. Tirando o detalhe parvo, é a "Casa na Pradaria". O fim do Mundo quem o traz é o Bonanza. In your face, Trinitá! Ou então é apenas o início da loucura...)

                                                                                                    até ao salto no vazio, no penhasco, os olhos fechados, todas as hipóteses em aberto, incluindo asas a crescerem nas costas ou os cornos num pedregulho.

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O que não se detém é o Tempo. Mesmo assim, baço como as cores, pastoso como a língua numa manhã de ressaca, é certo que avança. Isso e os quilómetros desbravados sem se dar por eles, qual Sebastião desorientado. Ali à frente, uma luz: o Fogo Eterno, um Halo Abençoado, uma mão estendida a que se agarrar, o reflexo de uma gigantesca adaga que lhe sossegará o coração. Não a Alma. Provavelmente, uma estação de comboios. Um sinal de que a vida prosseguiu, ainda que a vontade seja voltar para trás.

Sim, definitivamente, baça contra o cenário baço, ali à frente uma luz. E ele lembra-se do tempo em que foi armado Master of the Light, responsável por ligar e desligar todas as luzes do Mundo. 

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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

La Grande Maladie: De homens e insetos

Eventualmente serão fundamentais para a sobrevivência de várias espécies de pássaros, cujos ovos e carne servem, por sua vez, para garantir que prosperam uma série de mamíferos e ovíparos e outras bichezas e depois vem o homo estupidus e come tudo e caga tudo e queima tudo e assim por diante.

Apesar disso, e talvez por nunca ter desenvolvido convenientemente a tendência ecologista - esqueço-me basto de separar os resíduos e adoro posta mirandesa, quase em sangue - não consigo levar-me a detestar menos a trampa das melgas e dos mosquitos. Está claro que eles me retribuem a preferência, tratando de me sugar o sangue amiúde, sem contemplações. Mesmo que possam escolher entre toda a população chinesa, será seguramente a mim que vão picar, os acabados filhos da puta. E filhas. E eu nem sequer sou chinês!

Em resultado deste conflito de espécies - sugado e sugadores - nutro um carinho muito especial por outros animais. Não que tenha em tempo algum achado boa ideia munir-me de um machado, tatuar um facho no peito, e criar um movimento de caráter militarista. Digamos que procuro antes ter atitudes simpáticas e fofinhas para com animais que, comprovadamente, fazem a vida negra aos chupadores de sangue. Que tradicionalmente sejam espécies pouco queridas, como aracnídeos e batráquios diversos, pouco me importa.

E deixemos, por agora ao menos, de lado o significado de estar a pessoa a demorar-se alguns minutos mais no banho - a água desperdiçada a acelerar o fim do Mundo, a energia desnecessariamente gasta a espezinhar Continentes - à conta destas derivações da mente. Um tolinho todo nu, diríamos.

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É aceitável que seja a intuição de uma certa segurança que leva a aranha a atravessar impávida o teto da casa de banho. Patas negras a contrastar na alvura do teto falso, em movimentos determinados e rápidos, ainda que não em linha reta. Seja como for, mais curva, menos curva, já desde lá do outro lado da assoalhada que era claro que viria nesta direção.

Acontece que pode ser uma viúva negra, ou lá como se chama, daqueles aranhiços de partes incertas do globo, que parecem inofensivos e depois nos matam em menos de um fósforo. Aranha assassina do género Aracnofobia é que não é, uma vez que não guincha. Mas lá que pode aproveitar a calada da noite para me entrar por um ouvido e plantar milhares - ou milhões! - de ovos que me detonarão o cérebro que me resta, lá isso pode.

O facto de se dirigir tão resolutamente a este lado é, ao mesmo tempo, fofinho e um tanto assustador. Caramba, afinal há aqui movimento e vapor e coisas, o que deveria - sei lá, digo eu - fazer com que um animal desta dimensão, francamente mais pequeno do que a besta que coze debaixo do chuveiro, sentisse disparar os sensores de perigo. Tão mal contada que está, essa história do Homem Aranha.

Enfim, impõem-se decisões.  É provável que o mais seguro seja espetar-lhe com uma esguichada de água assim que esteja ao alcance. Cairá na base do chuveiro e bastará empurrá-la para o ralo. Adeusinho ovos comedores de miolos e picadas assassinas.

Por outro lado, um só mosquito que caísse na sua teia e passasse a almoço, representaria uma vitória retumbante da clemência, da tolerância, quiçá a alvorada de um modo de vida outro, simbiótico, de harmonia entre Homem e Aranha. Que grandes feitos daqui adviriam, caro Stan?

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O inseto parece hesitar, precisamente sobre a cabeça pelada do humano. Depois prossegue resoluto, em direção ao canto do teto. Aninha-se, encolhe-se, predispõe-se a esperar que todo o movimento cesse. Então, será uma bela altura para começar a fiar uma teia, construir um lar, caçar o almoço.

Perfeitamente sossegada no vértice, é apenas um ponto escuro, invisível. Ele sai do banho, seca-se, é possível que se vista e vá tratar da sua vida.

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- Vem cá, pá, depressa. Não podes perder isto. - Impaciente, ansioso, excitado, um catraio prestes a explodir uma bombinha de carnaval.

- O quê, Senhor? Que se passa?

- Ah, perdi a paciência, por fim! É tudo demasiado estupido, vou exterminá-los de vez. Não foi uma decisão fácil, que a Divindade se afeiçoa aos bichos e depois custa um pedaço, mas é pelo melhor. Puf - faz “puf” com as mãos - bye bye parvalhões dos polegares oponíveis.

- Eish, vai explodi-los, Senhor? Afogá-los? Não, isso não, que aparece sempre um Noé da vida que estraga tudo. Já sei! - bate as palmas - Matam-se os primogénitos todos, até que não restem senão primogénitos, que serão, consequentemente, mortos eles também. Que bela batota, Senhor!

- La Grande Maladie! - Anuncia.

- Hã?

- É francês, oh pescador. És mesmo rústico.

- Porquê francês, Senhor? - Perplexo.

- Sei lá, apeteceu-me. Soa sofisticado e, ao mesmo tempo, tem aquele tom creepy. Não achas? Oh escuta lá: La Grande Maladie! - Com voz grave e dramática, abrindo os braços.

- Pois, talvez... E é o quê, isso? 

- Anda cá. - Passa-lhe um braço pelos ombros e aproxima-o da Grande Janela. - Tájavêr ali o debilóide a tomar banho? Agora repara no teto. Aquela pequena aranha vai pôr-se mesmo a jeito e o anormalóide vai mandar-lhe uma chuveirada que a fode.

- Senhor! - Chocado.

- Oh, tu percebeste! Ora, quando o bicharoco cair na banheira, vai desprender-se dele um vírus fatal que, por sua vez, vai meter-se no estupido... - Interrompido.

- Meter-se? Como assim meter-se?

- Olha, pelo cu acima! Se é para me vingar destes milénios de disparate, ao menos gozo o prato todo. Mas isso agora é de somenos, o que importa é que é este vírus que vai espalhar-se e exterminar a espécie. Xaram! - Abre os braços.

- Bem, está um bocadinho visto isso, não?

- Pois claro que está, Pedro. É essa a ironia. Ainda por cima a começar com o parvo. É Divina!

- Errrr, Senhor... - Chama-Lhe a atenção. - Parece que a besta está a ir-se embora. Já estará infetado? Eish, e vai nu, ca noijo...

- Hã?

...




sexta-feira, 9 de novembro de 2018

The Twilight Zone: Afterlife (por Maria Alves)



Foto: Victor Vaz


Esta madrugada choveu. Bastante.

Saiu de casa e a primeira coisa que lhe veio à cabeça foi que os condutores iam andar todos como baratas tontas, a asneirar a torto e a direito e a bulir-lhe com os nervos.

É sempre assim quando chove, mesmo que sejam só meia dúzia de pingos. Até nesta Vila pequenina - às vezes (tantas!) espectral - classificada de Cidade, na qual os atrasos matinais se resumem a uma dezena de viaturas encalacradas no acesso à Rotunda das Pedras

(…)

(assim designada carinhosamente pela população, por força das cinco… coisas ao alto… com que orgulhosamente presenteia os seus visitantes. Calhau de considerável envergadura sobre calhau de considerável envergadura, resultando em conjuntos escultórios representativos de oito freguesias - como é que isso dá cinco conjuntos de esculturas, nunca percebeu. Mas a Matemática também nunca foi o seu forte. Agora que se fala nisso e pensando melhor, isto foi muitos anos antes da Reforma Administrativa do Território ter reduzido oito a cinco Freguesias… querem ver que afinal eram todos grandes visionários?! Vem-lhe à cabeça a mais nova, assim pequenina, no assento de trás do carro, a dizer que as pedras estavam sujas e que a mãe tinha de as lavar. Esse era o tempo em que o pai era o Master of the Light, responsável por ligar e desligar todas as luzes do Mundo. Já foi tão pequenina, a mais nova.)

(…)

O outro motivo que pode gerar atrasos inconvenientes, é o semáforo do centro calhar estar vermelho. Feitas as contas, num dia mau, pode atrasar-se 5 minutos todos inteiros numa manhã. Incómodos de se viver nesta Vila disfarçada de Cidade, pois então.

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Este tom azul do céu sempre foi assim? Não o reconhece.

Se lhe retirar as nuvens, as de algodão e as que prenunciam tempestades, ele está ali, num azul completamente novo. Nem mais bonito, nem mais feio. Diferente. E é nesse instante que se apercebe que todas as cores do Mundo apresentam também tons que não lhes conheceu antes.
Raisparta, Oftalmologista outra vez? Shit!

Afinal não são 10 carros encalacrados na Rotunda. São 8. Dá-lhe algum tempo para absorver e dissecar toda esta nova paleta. Coisa de gaja - dizem! As mulheres não veem somente as cores primárias e as compostas, na sua simplicidade; veem o seu leque infinito de tons. E dão-lhes nomes. Tornam-nos concretos!

O céu tem um inédito tom de azul, sólido, sem qualquer transparência. O verde das árvores é áspero, arranha os olhos e deixa um gosto estranho na boca. Pela estrada demoram os restos das folhas que o temporal roubou aos pinhais, num ocre cortante. O piso cinzento brilha, ofuscando o tracejado branco esbatido das marcas rodoviárias. Os carros passam. Todos iguais nas suas cores, indiferentes aos nomes e às diferenças convencionadas.

Sente o sangue a correr nas veias. Não o vê, mas sabe que o seu vermelho é mais intenso. Chegou aqui fruto de tantas experiências, tantos sentimentos e emoções, tantas gargalhadas e tantas lágrimas. O suor parece mais frio, mais espesso, demora nos poros. As lágrimas têm um gosto diferente de sal, como se o tempo se tivesse encarregado de o ir refinando. A pele está mais densa e as marcas que a vida lhe imprimiu são um mapa que apetece percorrer. Um daqueles mapas dos Parques de Atrações: “Esta mete-me medo. Aquela parece divertida e a que se lhe segue é bonita. A esta vim ao engano e não regresso. Aqui poderia permanecer… ”

Vem-lhe à cabeça que, à saída de casa, talvez tenha entrado numa outra dimensão. Uma Twillight Zone contemporânea, a fugir para Black Mirror, a que não reconhece assim tanto mérito. Aqui tudo é igual à Vida, mas de uma forma diferente. Concreta também, confusa pela novidade. Requer habituação.

Será que é ela? Foram as cores que mudaram ou a sua íris que as capta de outra forma? Ou o cérebro que as processa de forma distinta?

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Ocorre-lhe: e se isto é um sonho? Se não acordei ainda?

Talvez ainda esteja perdida no calor dos lençóis e no conforto da pele familiar e desejada que repousa encostada a si e que busca constantemente. Com a mão. Com o pé, se não a sente, se não sabe se já dali saiu a horas a que ninguém merece sair.

Hoje os sonos são diferentes. Quentes. Difíceis. Curtos. Entrecortados. Muitas das vezes superficiais. E por isso os sonhos são mais palpáveis, mais vívidos.

Pode ser isso, deve estar a dormir. Quando acordar as cores voltaram aos seus tons familiares. Aqueles que partiram estarão ainda entre nós e as saudades não terão mais sentido. Passarão as mãos pelo seu cabelo, sentirá na pele o calor dos seus hálitos quentes nos beijos trocados. Ouvirá as suas gargalhadas interrompidas pela tosse dos vícios. Haverão saudades, mas matam-se à distância de uma qualquer tecnologia imediata. «Dallas» all ove again! e ri-se das referências que a atraiçoam quando quer acreditar que os anos não foram estes todos.

Será ainda o tempo dos poemas. Tantos. Guiões para a sua Vida.

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Ou será o Afterlife? A Fénix renascida. O recomeço depois do fim. A última chance, depois de todas se terem esgotado. A resiliência do ser. A dimensão dos sentimentos. A etapa que antecede o vazio, o vácuo, o nada.

Afterlife. A palavra ecoa na sua cabeça, porque alguém lha sussurrou ao ouvido, recentemente. Tem a certeza. Afterlife.

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Fugiu ao semáforo do centro (espertinha, cheia de truques!). Olha para o relógio do carro no momento em que desliga a ignição: 1 minuto de atraso em relação ao que tinha definido. Está satisfeita, mas ainda assim preferia que fosse 1 minuto antes do deadline. Sai do carro, estacionado o mais perto que consegue do emprego. Mesmo ao lado, hoje. Outro motivo de satisfação.

Pega na mala e em 2 sacos. Não chove. «Porque raio ando sempre cheia de sacos? Porque raio carrego e acumulo tralha que provavelmente nunca mais me servirá para nada? Porque é que tenho tanta dificuldade em me libertar? Em pôr fora, em deixar para trás?»

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Não repara, mas as cores já voltaram todas aos seus tons habituais.

Percorre os poucos metros até à entrada do edifício. Já com a mente em tudo o que há para fazer, sem se aperceber, compartimenta os medos, a esperança, os sentimentos, as saudades e tudo o resto que lhe faz valer a Vida.

Logo, logo, voltará ali.

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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Quebra-se o encanto



Quando as nuvens ainda se espreguiçam pela estrada, as lâmpadas de iluminação pública pairam uns metros acima da cabeça, emitindo uma luz baça pelo meio do nevoeiro, os faróis que se cruzam parecem cumprimentar-se efusivos - ena, por aqui também a estas desoras? Vens ou vais, chegas ou sais? - e a voz do Senhor Kilmister soa doce como o décimo primeiro shot de tequilla, esse que te traz a clarividência de todas as coisas do Universo e, por isso, te leva as forças das pernas e te tomba, derrotado, amassado pela Verdade de seres incapaz de mudar o Mundo e assim cais, enquanto os outros te rodeiam em gargalhadas entarameladas, ignorantes, oh pobres!, da imensa dor da nossa insignificância: sixteen years old when i went to the war.

Dizia, quando são quatro e meia e estás a levantar-te da cama onde queres dormir, sabes que o dia será longo. E que às seis da tarde, tudo terá o aspeto gasto das segundas-feiras às dez da noite.

Por isso, não se pode dizer que deixar cair a carcaça no comboio das dezoito, apenas doze horas depois de teres percorrido os mesmos carris, só que no sentido mau, seja uma má recompensa. Até porque há toda uma ciência da escolha de lugares que pudeste desenvolver em anos de tentativa e erro: isolado de preferência, o mais perto possível do isolado, quase sempre. A lógica é tão simples que faz impressão: se não podes ir sozinho, pelo menos elimina uma possibilidade - um individuo - de te apoquentarem os nervos, dada a ausência de parceiro do passageiro que viaja refastelado e isolado.

Eu sei de cor onde ficam os lugares, portanto nem olho para o número quando peço licença ao senhor abancado do lado do corredor, para que possa morrer por duas horas no assento do lado da janela. Ele levanta-se, com certeza, e noto que emparelha com o casal nos dois lugares da outra margem do corredor. Este espírito alcoviteiro, que reputo de interesse sociológico para me enganar, prende-me imediatamente ao trio. Eles acima dos 65, ou mesmo a rasparem-lhe, ela um cisquinho mais nova. Um pouco mais adiante - mas fica já dito, não vá esquecer-me - virei a saber que partilham o mesmo nome próprio ambos os rapazes. Um de pólo verde, Lacoste, outro de pólo azul, Boss. Ela tem dois óculos escuros dependurados da rede nas costas do banco da frente e

                                       (Ray Bon, no quiosque do monhé, em frente da Sagrada Família, quarenta graus, nós de turistas, os teus pés ainda fresquinhos de não terem percorrido toda a Rambla de salto alto. Se sairmos nesta podemos fazer La Rambla inteira. Que tal, Amor? E tu ingénua que sim, que pode ser, sem saberes que eu nunca a tinha caminhado completa, não sóbrio pelo menos, não fazia ideia da distância. A única coisa que sim, sabias, é que não sei que seja andar em cima de saltos. Depois o arroz negro do Caracoles, bastante menos interessante do que o Caracoles em si, as mãos dadas de sermos namorados outra vez, o quarto à espera, Barceloneta amanhã, quero cá saber que seja mesmo de turista, enchem-me a Alma e o filhadaputa do bar que te quero mostrar não aparece. Sabes, metade, é em Madrid, acabo de me lembrar. Estamos, aqui ou onde for, e damos as mãos e os meus óculos são Ray Bon e o monhé riu-se connosco da marca e cobrou apenas cinco exagerados euros, ou terão sido dez, e sim, somos sempre felizes calcorreantes sem vontade de voltar. Um.)

                                                          uma mala branca, de mão, pousada na mesa retrátil. Não tenho como ter a certeza, mas está decidido que o verde é Lacroste e o azul é Hugo Doss, certificado de garantia da Feira de Espinho ou do Mercado de Ovar. Proeminentes nos seus pólos de marca, valentes panças arredondadas. Ela menos exuberante de abdominal, mas provavelmente de igual calibragem se fosse possível derreter-lhes as gorduras para recipientes medidores.

O Lacroste é o marido. Sei-o porque o trata um pouco pior e lhe arremessa a mãe e a irmã, as dele, à penugem grisalha do rosto, à conta de não saber dobrar o casaco que ela quer que ponha na prateleira acima dos bancos. O Doss é que trata da situação, embora, igualmente baixote, nenhum deles se ajeite a chegar ao lugar altaneiro onde é suposto repousar a veste. Quem são estes meus companheiros de viagem?

É-me inevitável, não consigo escapar a isto. A mais que tudo está sempre a dizer-me, em cafés e restaurantes, para eu não me sentar, de olhos e ouvidos, na mesa de desconhecidos. Mas eu quero saber do que conversam, que histórias têm para contar, raisparta, de que clube são. Não quero sequer que falem comigo, quero só assistir à sua conversa, partir dela para inferir a sua história, teorizar a relação, perspetivar o que acontecerá a seguir. Se isto não é um voyeur, não sei o que seja, Mr. Chance.

Corrijo, O que são Lacroste, Doss e Ela?

...

Doss é irmão dela! Ou terei adormecido entre tentar ouvi-los e fazer uma piada idiota a alguém remoto. É o irmão encalhado, preguiçoso, que saltou de trabalho em trabalho, que nenhuma mulher aturou por muito tempo. Definitivamente, não é o irmão padreco, introvertido, abusado, que ficou até ao fim a cuidar da mãe e a masturbar-se às escondidas, usando as cuecas da irmã. Demasiado extrovertido para isso, está claro. Portanto, resta-nos a primeira hipótese.

Ela, evidentemente, tem uma relação maternal com ele, daí apaparicá-lo enquanto procede a desancar o outro. Apesar de mais nova, foi Ela quem aprendeu a cuidar do irmão, a fazer-lhe a comida e tratar-lhe da roupa, enquanto a mãe dava horas a dias para que ele pudesse estudar. Do pai não sabemos nada. Talvez o álcool, talvez as mulheres, talvez o jogo. Quem sabe são bastardos de um senhor importante e endinheirado. Irmãos, claramente. 

Ela cuidou da mãe quando o corpo lhe morreu, anos antes do cérebro e do coração; cuidou dele desde de que se lembra; e arranjou maneira de cuidar de mais um - e filhos? haverá filhos e sobrinhos? - não fosse a vizinhança pensar que era menos mulher do que as outras. Apesar dos passeios a Lisboa e da língua despachada, é isso que Ela faz: cuida.

Que Lacroste pareça tolerá-lo tão bem é que é estranho. Vai-se a ver, os anos derrotaram-lhe as irritações e decidiu, secretamente, não se aborrecer mais. Por outro lado, à medida que envelheceu, foi-lhe dando cada vez mais jeito um parceiro de copo e sueca, de duas de treta e olhar cúmplice para as mamas das cachopas. Ou torcem pelo mesmo clube ou não ligam nenhuma à bola, isso é certo. Já não são cão e gato, como antes, mas dois amigalhaços que partilham o amor de uma só mulher que o divide em fatias generosas

                                           - ATÃO, ESTAIS A PREPARAR A CALDEIRADA? JÁ SÃO HORAS, EHEHEH. - Grita Doss a poucos centímetros de mim, acordando-me em sobressalto. Está a olhar para o ecrã do seu telefone, no qual decorre uma video chamada, para as fuças de outro qualquer, congeladas na rede instável do Alfa Pendular. Olho para as horas, ainda não se vê Coimbra nos ponteiros.

...

                                                       que depois oferece a um e a outro, consoante a ocasião. Sim, são um trio. Um casal e o seu amigo de anos e anos. "Amigo", assim é que é. 

Que tem? Lacroste agradece a ajuda que lhe tirou, desde cedo, uma série de preocupações tipicamente masculinas de cima. Isto a dois, não há tarefa que não se faça. Ela não tem dúvidas de onde está a sua lealdade e, mesmo que com o tempo acabasse por dividir o coração, é sempre com Lacroste que dorme. O que não impede, hoje ainda, uma ou outra visita ao quartinho de hóspedes. Ou os serões a três, sem televisão, na sala, quando a Ela lhe apetece e a eles não sobrevém nenhuma maleita impeditiva. Se até os vizinhos se habituaram, havia de ser um tão temporário companheiro de carruagem a ter opinião? 

Que tem, como em relação a tudo, raios o partam, mas não importa nada para o caso.

Doss acabou por se resignar a não ter mulher que chamasse de sua. Mas também, tanto tempo investido nestes dois, mais o trabalho e um anexo minúsculo na periferia, como lhe sobraria dia para a corte, o galanteio, uma ida ao cinema à tarde, à danceteria à noite? Não que o não tenha feito, que fez. Mas com Ela, durante um tempo às escondidas, durante o resto com o parceiro do outro lado do corredor deste comboio, sentado do outro lado dela, cada um a segurar-lhe numa mão, enquanto pela cabeça lhes passa

           - BEM, NEM SABES O QUE ME ACONTECEU, MULHER! - Grita Ela para toda a carruagem, telefone colado ao ouvido. Estremunhado, afino o tímpano, porque Ela baixa o tom. É agora que se vai, de alguma maneira, confirmar o que aqui se passa, nesta coincidência de barrigas e pólos de marca coloridos. Sem pôr a mão à frente da boca, como agora fazem os jogadores de futebol, prossegue dois piquinhos de volume abaixo:

- Estive a tomar antibiótico estes dias, por causa de um ouvido, vê lá tu. Deu-me uma diarreia... que maçada. Quando uma pessoa está em casa, ainda vá... - E eu procedi a discutir a etimologia da punheta numa rede social, com pessoal especializado. Bem feito, para não andar a sonhar com a vida dos outros.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Um devaneio medieval a despropósito

- Oh Alarico, encontrei a tua lente de contacto!

A neblina da madrugada vagueia por entre as tendas supostamente brancas, eleva-se e contorna as esparsas fogueiras ainda acesas. Ou já acesas, dependendo do grau de embriaguez dos seus utentes. De longe a longe, um cavalo inquieta-se e enche o acampamento com um relincho angustiado, largando uma bosta no chão enlameado de sangue e mijo, adicionando ao fedor dos corpos dos soldados e das bestas de carga.

A bigorna e o torno do armeiro ecoam continuamente, metal no metal, lâmina sobre lâmina, sem pausa, como se os demónios do Inferno se organizassem em turnos: martelo atrás de martelo, ferro a escorrer derretido na forja, na pele, na carne, no intestino dependurado da pança aberta.

Na Tenda Grande, ponto central da caótica circunferência de farrapos armados, tremeluzem as tochas suspensas sobre a mesa dos mapas. As chamas dançam quando o Segundo em Comando Adjuntenssen entra. Curva a cabeça em reverência, enquanto o Grande Comandante Misteraf lhe faz um sinal com a mão, para que se aproxime, sem nunca tirar os olhos do grande mapa aberto. Os homens olham-se, tocam os ombros, saudando-se, quem sabe despedindo-se, porque todos os dias podem ser o último. O cumprimento é breve, um lacaio enche os copos, das peles sobre as costas do Grande Homem solta-se um enxame de pulgas, uma nuvem de pó, um forte cheiro a podre, quando ele as deixa cair ao chão com um abrir imponente de braços. Não há tempo para subtilezas, só para a guerra, eterna condição, batalha após batalha, ontem e hoje e sempre, que a Paz nunca aproveitou a nenhum povo bárbaro.

...

- Vejamos, o que sabemos destes Germanos dum cabrão? 
- Bom, segundo os batedores, estamos iguais em número... - O Magnífico interrompe, entusiasmado.
- Ótimo, ótimo, isso são excelentes notícias. Vamos empalá-los! - Cerra o punho, em volta do qual se aperta uma pulseira de dentes dos chefes caídos a seus pés. Nenhum merecedor da sua clemência.
- Pois, isso, e as saudades que já temos de empalar... - Sem pensar.
- Hã? - Desconcertado.
- Dizia que são maiores e mais pesados, como que couraçados, assim gigantones, com grandes patachorras e enormes manápulas.
- Ora, levaremos armaduras, a nossa Alma e a nossa Raça! Isso não se mede em centímetros, Adjuntex.
- Tenssen.
- Hã? Isso é o quê, algum artefacto demoníaco dos Germanos? Reduzi-lo-ei a pó, seja o que for. - Passa o braço pelos ombros do outro. - Não temas, Adjuntif, seremos o vento da perdição, correndo selvagens, demolindo todas as infernais máquinas de guerra desses infelizes sob os nossos pés. Iremos descalços, se tiver de ser. - Os olhos faiscam-lhe de convicção, ardor, delírio.
- Se pudéssemos evitar isso do descalço, é que os homens agradeciam, digo eu. De qualquer maneira, os nossos são mais ágeis, mais rápidos no campo de batalha, manejam melhor a espada e o arco... - Interrompido por um murro em cheio nas beiças. A custo, cospe o penúltimo dos seus dentes e limpa o sangue da boca com as costas da mão. Levanta-se, os olhos baixos.
- Mais ágeis? - Berra. - Mais rápidos? - Reberra. - Mas vamos fugir, é? Vamos correr à frente do inimigo? Vamos desviar-nos, é isso que defendes, Adjuntov? - Apenas silêncio. Prossegue. - Pois claro que não vamos! Vamos é esbarrar com eles de frente. E serão eles a cair, pela força da nossa Fé, do nosso Querer, entendes?
- Da nofa Faça, da nofa Auma, fim, fim, então não hafia de entender.
- Credo, não se percebe nada do que tu dizes, rapaz. Nhanhanha o manejo da espada, aiaiai o arco, mas o que é isto? Somos algumas donzelas ocupadas nos seus jogos florais?
- Mas flanquear... - A Estupenda mão levantada é suficiente para o calar. O Grande Comandante fala agora em tom mais baixo, o lábio superior trémulo da emoção e da raiva.
- Não, Adjuntócoiso. Não flanquearemos, não simularemos, não pensaremos sequer. Carregaremos com toda a força dos nossos corações. Levaremos os nossos maiores e mais fortes e encararemos o embate. Olha, vão os Núbios, isso nem se discute, o Azteca também não é nenhum fracote, o Lusitano balofo dá peso e há que não esquecer o pigmeu furioso do Amazonas. Com esse não fazem eles farinha. Depois do primeiro impacto se verá quem resta de pé. Nada de panasquices. Reúne os homens, quero falar-lhes.

...

A pé, ao nível de todos os que se dispõem a morrer, como ele próprio, posta-se diante das filas do seu exército. Sem bandeiras, sem trombetas, um homem simples, de palavras simples, um irmão, um soldado!
- E o xeito que dafa um Xenerau... - Já se calava, o Segundo em Comando. Não tem por que se meter nas falas do Narrador. Depois admira-se de apanhar nas trombas. Silêncio! O Magnífico ergue agora a voz:

- Juntos! Não importa se vivos ou mortos. Sempre juntos! No meu coração há lugar para todos os que entreguem a Vida pela Causa. Só para esses. Só eles serão dignos de se banhar na luz da Eternidade, no mel da Vitória. Vencer é o nosso Destino! - A maralha urra em concordância, erguendo as armas aos Céus. - Aqueles que desejem acompanhar-me em mais uma batalha, aqueles que estão prontos para a Glória, os que apenas deixarão este dia em Vitória ou Morte, dêem um passo em frente.

Sem exceção, os soldados avançam um passo. Um convicto, firme, irrefletido passo. Um sorriso aflora-lhe os lábios, uma lágrima de orgulho contorna-lhe as bochechas. Aqueles os seus, a sua Alma, a Raça, a Atitude, a Força  Bruta. Olha melhor. Acrescenta:
- Hey, tu aí, o Ibero enfezado, lá pra trás, ohfaxabôr. Isto é só pra homens.

Com um sinal de cabeça, indica a Adjuntenssen que o acompanhe, enquanto volta à Tenda Grande e aos mapas da batalha. Os lacaios abrem os alforges de vinho e trazem os grandes caldeirões de comida. Cada homem se refastelará até não poder mais, na esperança de que esta não venha a ser a última refeição.

...

terça-feira, 11 de setembro de 2018

A TascaTV entrevista o senhor Presidente da Câmara



Opá, oh Silva, isto era suposto vir cá só para uns canecos. Bebíamos uma garrafinha de 3 Marias fresquinha e tal e pronto, eu ia à minha vidinha e você ficava praí a discutir a bola com ujôtros bêbados. Ficava toda a gente feliz e já escusava eu de ter de botar este pó-de arroz. Isto é para quê, Silva? É só prágente ficar envergonhado na televisão, poijé?

- Na. É por causa do brilho da penca e assim.

Tem mesmo de ser, não é? Eu havia de aprender a ficar caladinho, a mãezinha sempre me disse.

- Isso é que era serviço!

Desculpe, como disse?

- Olhe, já está a dar.

...

- Viva, muito boa noite a quem sabe as moradas fiscais dos munícipes todos. E então, on fire?

- Está tudo bem, obrigadinho. Sempre ao serviço da população de Pedrogão.

- É capaz. Olhe lá, oh Valdemar, então diz que essa história dos fundos de reconstrução foi cá uma cóboiada e pêras. 

- Completamente falso. Não foi reconstruída nenhuma casa que não tivesse sido afetada pelo fogo.

- Nem a do cunhado do presidente de uma junta, o Manel Jaquim? Segundo consta, o único fogo que por lá se viu foi no fogareiro, até pegarem as brasas para uma sardinhada. Sardinha de Peniche, contam-nos.

- E kéjbêr que isso não é fogo. Você aqui deve assar tiras da barriga com um isqueiro. Ou então mete-as no congelador. Isso é que hão de ficar tostadinhas, com o couro todo ele em torresmo, sim senhor. E depois, eu até fui contra o casamento da irmã do senhor presidente de junta com esse trolha. Logo por aí se vê que sou inocente. A sério, Silva, estava um dótôr enrabichadinho por ela e vai a besta e pumbas, com o Manel Jaquim, Deus me valha. Agora, se o fogo impiedoso lhes deu cabo da morada fiscal, não há outro remédio senão libertar o respetivo dólar. Parece-me evidente.

- É tudo inventado, certo?

- Naturalmente. Pode haver um ou outro caso de dúvida, se quisermos ser muito picuinhas. Mas para não me sarnarem mais a moleirinha, já mandei tudo para averiguações. Um assunto que não interessa para nada, arre. 

- Porque só o fez depois de a comunicação social ter levantado a lebre?

- Oh Silva, essa pergunta é tão parva que tinha mesmo que vir de si. Então se não aparece nos jornais e nas televisões, ajassério, não é esta vergonha, como é que a pessoa há de saber? Irra que é burro. Mas para sua informação, até já assinei uma petição e tudo.

- Verdade. Uma petição contra as alegadas fraudes.

- Ai ele é isso? Então não era para acabar com as touradas em Barrancos? Ora foda-se, agora é que você me está a dar uma bela novidade. Eu a pensar que era para proteger os bois e vai-se a ver... Bem, mas o que importa é que está assinada e é de certeza uma bela causa, porque é promovida pelos dissidentes da oposição. Tudo gente de gabarito.

- Oposição atual que o senhor liderou no mandato passado. É curioso que concorra sempre pelo partido que está no poder em Lisboa, não?

- Epá, mas isso tem algum interesse para o caso? Foque-se mazé em coisas importantes, deixe-se de ninharias.

- Por exemplo?

- O apito dourado! - Bate as palmas. - Disso ninguém fala, tudo abafadinho. Frutinha, hein? Cafézinho com leite, hein? Isso não analisam vocês. Agora fogos, ui, vamos já perguntar coisas ao Valdemar. Tragam cá o Valdemar que a gente saca-lhe tudo. E o Pinto da Costa? Esse nunca tem a culpa de nada, poi'não?

- Hã?

- Agora desconverse.

- ... - A babar.

Entra o genérico.

...

- Que tal, Silva? Eu acho que correu muito bem, não lhe parece?

- Estou sem palavras. - Afundado na cadeira.

- Pois claro, sou muitíssimo eloquente. Estou aqui a reparar, você havia era de fazer uma marquise. Uma coisa assim estilo avançado, toda ela em caixilharia de alumínio, com um vidrinho martelado aí até um metro. Olhe que ficava bem catita e tinha esplanada o ano todo. Por acaso, e sorte sua, conheço o sobrinho de um presidente de junta que tem uma serralharia. Posso dar-lhe uma palavrinha.

- Pois, não sei, acho que não. E depois há o dinheiro para a obra, as licenças e essa trapalhada... - Interrompe:

- Estou a ver, seu malandreco. Sempre me saiu cá um vivaço maijómenos, você. - Dá-me uma cotovelada cúmplice.

- Hã?

- Quer que lhe chegue fogo a uma mesinha das de lá de fora, poijé?

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domingo, 9 de setembro de 2018

Crónica futurística: a despromoção do Benfica e o país em 2022

Cruzes, canhoto!

Oito de setembro de 2022. Cumpre-se hoje a 4ª jornada do Campeonato de Portugal e o Benfica joga em Pinhal Novo. São esperados os habituais 500 adeptos organizados, pelo que todo o concelho de Palmela vive um clima mais próximo do estado de guerra do que da festa do futebol. O comércio local está encerrado, as montras entaipadas. Aprenderam rapidamente que o aumento do fluxo de potenciais clientes é insuficiente para pagar o prejuízo dos estragos causados pela inexistente claque dos de Lisboa. As forças de segurança patrulham as ruas e espera-se que no final da operação não se registe nenhuma vítima mortal. Cruzam-se os dedos. O presidente da FPF encolhe os ombros, resignado, perante a acusação de não ter impedido a inscrição, no já distante verão de 2019, do Benfica no Campeonato de Portugal. Estão definitivamente goradas as expetativas quanto ao prometido impacto positivo na competição. Ainda há duas semanas, quando na 2ª jornada foi o Benfica jogar ao campo do Moura, nem os mais de 220 quilómetros que distam entre Lisboa e a pacata cidade alentejana impediram que, uma vez mais, crianças e mulheres fossem agredidas em plena Praça Sacadura Cabral. Isto apesar da expressiva vitória dos encarnados e do regresso de Jonas, sustentado na ausência de controlo anti-doping nos jogos deste escalão.

"O Benfica trará maiores benefícios ao Campeonato de Portugal do que aqueles que o Mónaco empresta ao campeonato francês ou mesmo dos que os clubes de Israel emprestam às competições organizadas pela UEFA", disse na altura o presidente da FPF. Toda a gente o levou a sério, num coro de ganância mal contida. Mas logo na primeira época que o Benfica jogou no campeonato tendencialmente amador, as suspeitas sobre as estranhas arbitragens e os desempenhos de alguns emblemas contra os de Carnide fizeram disparar alarmes. Os estádios cobriram-se de vermelho, como as ruas à passagem dos GOA. A CMTV disparou as audiências, com cobertura em direto e ao minuto dos inúmeros desacatos. É certo que a cotação dos jogadores do Benfica é muito superior à dos seus adversários, algo inatingível na Liga profissional sem a intervenção de Mendes.

A economia portuguesa é que tem sofrido um bocado com este estado de coisas. A cada segunda-feira, mais uma vila ou pequena cidade do interior se vê em processo de reconstrução, enquanto os velhos multiplicam apoplexias nos tascos, debatendo os consecutivos roubos aos clubes das suas terras. O impacto desta situação nos escalões acima já é um caso sociológico: a competição é renhida, mas saudável. Os estádios aumentaram a sua lotação média, porque as famílias passaram a gostar de apoiar os clubes do lugar; as televisões passaram a transmitir nas suas noites uma programação variada, na qual o futebol continua a ocupar lugar privilegiado, mas agora sem os palhaços amestrados de outros tempos. A imprensa adaptou-se: os jornais "A Bola" e "Record", dedicam as suas primeiras páginas ao emocionante campeonato nacional de sub-23, ao passo que "O Jogo" publica fascículos especiais acerca da vida e obra de Otávio e Sérgio Oliveira, para ocupar as páginas antes dedicadas ao clube da Luz. A águia Vitória foi libertada do seu cativeiro e consta que já contribuiu com duas ninhadas para a perpetuação da espécie. Hoje, no Seixal, joga o filho da Madonna e a estrela da pop é visita assídua dos relvados da Academia, onde desponta uma geração que, espera-se, terá aprendido que não vale tudo para ganhar. Muito mais do que um clube, o Benfica foi um cancro social. Incha.

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De nada, Leonor.

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sábado, 1 de setembro de 2018

hiperligação | 92º shooter: opus XII - fuck it!



¬ Pai, vais ao Dragão, não vais?
¬ vou, Pi.
¬ eu acho que o FC Porto, desta vez, não vai ganhar. o adversário é muito forte. acho até que vai perder. acho até que vai perder o jogo! – reforçou convictamente no alto dos seus seis anitos (quase sete) e de quem nunca tinha ouvido falar do Vitória SC, até àquela Sexta-feira à noite, no seguimento de uma notícia sobre a partida de ontem, no Dragão.

a garganta secou. fiquei gélido. as palmas das mãos incompreensivelmente começaram a suar. o coração passou a bater descompassadamente. e, como é óbvio nestas situações, neguei tal possibilidade. mas, desde aquele momento, desde aquele veredicto, que efectivamente aconteceu (porque há mais quem a tenha ouvido e possa aferir da sua veracidade), desde aquela sentença que ficou cravada no meu ser, não mais a esqueci. e foi ela que dissipou a Alegria que, até então, tinha por (finalmente!) ir regressar a casa, num jogo oficial do clube do nosso coração.

não sou muito dado a superstições mas, por exemplo, gosto sempre de entrar com o pé direito. e, sim!, tenho o meu cachecol da Sorte – entre outras igualmente tolas e que V. Exas. considerarão fruto de um qualquer devaneio meu, porque nenhum adepto se comporta dessa forma em dias de jogo. assim e pelo exposto (que ainda não esqueci), até a “simples” escolha da pele que deveria vestir revelou-se uma tarefa hercúlea. quando soube que ia ao nosso teatro de sonhos azuis-e-brancos e que a nossa equipa de ciclismo iria ser devidamente homenageada pelos seus feitos na última Volta a Portugal, ponderei levar o terceiro equipamento da época 2016/2016, com o cachecol dobrado a azul e a amarelo a fazer ‘pendant’. contudo, aquele juízo final veio alterar t-u-d-o. e, no momento da escolha e mesmo em cima da hora para sair de casa com a devida antecedência que um jogo de casa cheia impõe, hesitei:
¬ talvez seja melhor levar o da constelação [daquela mesma época]. ou o habitual. mas quero que o primeiro jogo seja especial, porra! ir sempre com a mesma pele… carago para isto! FUCK IT! vou ‘mazé’ levar o amarelo que foi o que decidi primeiro!

e assim foi. e assim aconteceu. e assim se pode explicar, em parte, o descalabro do passado Domingo, já devidamente dissecado por quem de direito – na Bluegosfera, inclusive a twitteira e a dos Cavanis – mas cujo resultado final ainda me custa a digerir e ainda me causa perturbações no sono.
obviamente que não estou a assacar quaisquer responsabilidades pela nossa derrota ao prognóstico certeiro do meu pikachu – era o mais que faltava! nesta estória e como a Fama já vem de longe, tal como o Constantino, o «pé frio» sou eu e mais ninguém. acima de tudo, não deveria ter vacilado àquele ponto de não saber que pele levar vestida. isso é que é algo inadmissível!
[também conviria à Equipa jogar um pouco mais do que fez e não desperdiçar, pela segunda vez consecutiva, uma vantagem de dois golos face a um adversário que já se sabia que “viria com tudo” porque nada teria a perder, somente a ganhar – nem que fosse um empate… mas isso, agora, não interessa para nhaga, porque são contas de um rosário que já não vale para este totobola.]


em suma:
Domingo lá estarei, no nosso teatro de sonhos azuis-e-brancos, se Deus quiser (e a esposa deixar – porque, à data e hora destas linhas, ainda não sabe de nada).
e o “manto sagrado” já está escolhido e será o tradicional. porque há “peles” que convém não mexer muito, para não azarar…

post scriptum:
prosa que começou a ser redigida ao início da tarde de Domingo (26-08) e só conseguiu ser concluída às 19h de Quarta-feira (29-08), tamanha é a dificuldade em digerir um resultado onde foram quebrados vários recordes.

“disse!“

Miguel Lima | 92º minuto


(este espaço é sempre escrito de acordo com a antiga ortografia. limices.)

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A Mesa do Canto: O seu a seu dono, contra a discriminação (com O Fafe do AB6)





Um gajo quando é apanhado tem sempre múltiplas hipóteses de lidar com a situação. Pode sempre optar pelo mui batido "epááááá, 'tava a brincar, era uma piada, atão não se via logo, parece que não me conheces"; simular um ataque cardíaco e deixar quem o desmascarou cheio de remorsos, ainda por cima; e mais uma infinita miríade de possibilidades que seria fastidioso aqui enumerar, pelo que saltemos já para a minha favorita que é "Eu não tenho a culpa!" Hã?

Claro que depois há os tipos geniais. Por exemplo, o xôr Louis CK que à conta de ser tantas vezes apanhado a puxar lustro ao golfinho, achou melhor transformar isso numa série de piadas antológicas e ser um dos melhores comediantes do seu tempo.

Isto a propósito de me ter posto aqui há atrasado a louvar o camurso do Évora - fulano de quem tenho um centímetro bem medido de inveja, no máximo!! - pela sua vitória no Campeonato da Europa. Pumbas, nem bem tinha acabado de dizer a boçalidade, já a um até então pacato freguês desta casa de pasto lhe saltava a tampa. Com toda a razão, diga-se.

Agarrado assim desprevenido, com as calças na mão como o bom do Louis, não tive sequer presença de espírito para um "aaaahhhhh, não, não era bem isso que eu estava a dizer, era mais uma graçola, vá, aiiii que parece que sinto uma picada aqui no peito que estou a ficar todo apanhadinho duma perna, para além de que não tenho culpa nenhuma." Nada, nem piei. Limitei-me a sentir as bochechas a ficarem muito vermelhuscas, a baixar os olhos e a pensar ora fuoda-se, que ganda calinada, credo! 

Como não há ninguém melhor do que quem sabe para corrigir um erro, hoje senta-se na Mesa do Canto, com direito a garrafa especial e tudo, o O Fafe do AB6, que fez o favor de aceitar o meu pedido para esclarecer quem é O Melhor Atleta da História de Portugal. Até hoje, uma vez que eu ainda não decidi se enveredo ou não pelo desporto profissional. Depois aviso.

...  

É inacreditável e indesculpável como o País político, o País mediático e o FC Porto nunca reconheceram, devidamente – com a justiça e mérito inatacáveis – o invejável e inigualável currículo desportivo de FERNANDA RIBEIRO, que é, sem sombra de dúvida, o maior “monstro” do desporto português e que não tem qualquer paralelo na história lusitana.

Ela é O maior atleta português de todos os tempos e de todos os desportos.

Porquê, a ela, nunca foi dada a devida fama nem atribuído o devido proveito?

É a rosinha da foz, “menina do regime” e ”menina do polvo vermelho” – não porque tenha sido – ou não – sua atleta, mas porque a este sempre interessa diminuir e rebaixar tudo o que possa engrandecer o nome do FC Porto – que goza da fama e do proveito, convidada para todas as cerimónias desportivas e público-políticas e cantada como referência da juventude, com direito a substituir, com seu nome, o quase septuagenário Palácio Cristal.

Não interessa saber se a “ rosinha, menina do regime” é portista pelo coração, ou não. É um “carisma” pré-fabricado, levado pela “onda” do regime e usurpado pelos nossos raivosos detractores, que não suportam a aura vitoriosa da família “azul-e-branca”.

São assim, no meu país, as mordomias e os “altares públicos” para os “meninos do regime” e para os anti FC Porto. O “polvo vermelho” é muito mais do que abrangente, é o poder absoluto corruptor – se moral ou material, compete às respectivas instâncias determinar – em todas as áreas desportivas e políticas.

A “menina do regime” nunca passou de uma mediana atleta de pista, quase sempre superiorizada pela nossa Aurora Cunha, nas provas de 10000, 5000, 10 kms Estrada e Corta-mato.

A “rosinha, menina do regime” apenas foi grande na Maratona, quando a Maratona ainda não era uma prova para especialistas, mas apenas para os reformados da pista.

Para quem tem memória curta ou “fingido alzheimer” – com muito respeito pelos verdadeiros doentes – a seguir relembro o palmarés da enormíssima Fernanda Ribeiro. Leiam e interpretem com atenção, pois, até, muitos portistas há que não têm em devida conta a magnificência do seu sucesso global:

MEDALHAS de OURO

Jogos Olímpicos 1996 (10000 mts) - Atlanta
Campeonato do Mundo 1995 (10000 mts) - Gotemburgo
Campeonato da Europa 1994 (10000 mts) - Helsínquia
Europeus de Pista Coberta 1994 (3000 mts) - Paris
Europeus de Pista Coberta 1996 (3000 mts) - Estocolmo
Europeus de Juniores 1987 (3000 mts) - Birmingham
Campeonatos Ibero-americanos 2000 (5000 mts) - Rio de Janeiro
Campeonatos Ibero-americanos 2004 (5000 mts) - Huelva

RECORDE OLÍMPICO

1996 - 10000 mts em 31:01.63 - Atlanta

MEDALHAS de PRATA

Campeonato do Mundo 1995 (5000 mts) - Gotemburgo
Campeonato do Mundo 1997 (10000 mts) - Atenas
Campeonato da Europa 1998 (10000 mts) - Budapeste
Europeus de Pista Coberta 1998 (3000 mts) - Valência
Mundiais de Juniores 1988 (3000 mts) - Sudbury

MEDALHAS de BRONZE

Jogos Olímpicos 2000 (10000 mts) - Sydney
Campeonato do Mundo 1997 (5000 mts) - Atenas
Europeus de Pista Coberta 1997 (3000 mts) - Paris
Campeonatos Ibero-americanos 1990 -) 3000 metros - Manaus

CAMPEONATOS de PORTUGAL

5 x Campeã Nacional 1500 mts (1989, 1990, 1995, 1998, 1999)
4 x Campeã Nacional 5000 mts (2000, 2002, 2004)
3 x Campeã Nacional 10000 mts (1992, 1996, 2008)
Campeã Nacional Maratona (2009)
Campeã Nacional Corta-mato (2003)

Note-se que nos Mundiais de Gotemburgo, em 1995, conquistou as medalhas de Prata e Ouro, nos 5000 e 10000 mts, respectivamente e que, nos Mundiais de Atenas,em 1997, conquistou as medalhas de Bronze e Prata, nos 5000 e 10000 mts, respectivamente.

Fernanda Ribeiro foi medalhada com Ouro, Prata e Bronze, em Jogos Olímpicos, Mundiais, Europeus e Europeus de Pinta Coberta, em 3 disciplinas diferentes: 10000, 5000 e 3000 metros.

O MAIOR ATLETA PORTUGUÊS de TODOS os TEMPOS e de TODAS AS MODALIDADES.

O seu invejável e inigualável currículo desportivo nunca deveria permitir que a “rosinha, menina do regime” e outros “meninos do regime, que tais”, lhe usurpassem o mais alto “trono público” e os correspondentes proveitos, que são seus por direito e por grande mérito.

Enquanto atleta da universalidade lusitana, sem dúvida que Fernanda Ribeiro deveria ser sempre a embaixatriz oficial em toda e qualquer cerimónia desportiva e em qualquer cerimónia público-política-desportiva – ela é o maior ícone da vitória, em representação da esfera-armilar e das quinas.

Enquanto portista e expoente máximo em representação do emblema azul-e-branco, merece uma festa azul-e-branca universal e, não uma estátua, não uma estrela no passeio da fama, mas um grande mural em azulejo, junto ao símbolo do Dragão, no nosso estádio, com a Fernanda Ribeiro a cortar a meta em Atlanta, ladeado por placas em latão com a totalidade do seu currículo desportivo.


Por O Fafe do AB6 | @O_Fafe_do_AB6
Este Fafe opta por escrever na ortografia antiga,. Fafeiro!

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