A Bolha é asséptica. Vista de um ângulo limitado, e sempre repetido, parece segura, confortável, familiar. Um porto de abrigo, para onde se foge das agruras da realidade. Por isso, nada melhor do que expandir a Bolha, deixá-la envolver-nos a existência toda, limpando o lixo que nos atrapalha, nos contraria, criando dúvida e ansiedade, quantas vezes obrigando-nos a gastar a energia que não sentimos ter, só para concluirmos que afinal existe Outro. O Outro. Esse que, tão diferente de nós, nos conspurca as certezas, nos atiça os medos, nos parte a Bolha. Salvos sejamos.
Eu uso uma, nestes tempos em exclusividade, rede social para fins de recreio. Só que minto. Como todos vós, aliás. Porque as queremos, às redes, para validar a nossa própria linha de pensamento, emitir opinião, vingarmo-nos de uma existência anónima, hiperbolizar - mesmo que sob um manto de modéstia - qualquer fugaz centelha de fama. Fogueira que seja, vá, porque a fama é efémera e contém o seu fim. Como a Vida. Enfim, para sermos finalmente aquilo que acreditamos que eles querem que sejamos. E não somos. Muitas vezes, nem queremos verdadeiramente ser, mas não há remédio.
Olhando assim cinicamente, vejo-os escolherem meticulosamente o seu Real de faz de conta. Estenderem com paciência a membrana da Bolha, limpando cada centímetro quadrado com a atenção de um relojoeiro, sempre com o cuidado de não sobrar alguma fresta, alguma réstia de circulação de ar contaminado, de pensamento diverso, de incómodo da mente. A Bolha é asséptica e a sua moeda corrente é aquilo que eu acredito que é verdade, ainda que não possa ter a certeza. Porque aqui, tudo e todos se validam mutuamente, dado que sou quem os escolhe. A one track mind.
Chega então o momento em que, por qualquer distração, nos enfrenta o Outro. Esse diferente, que - o topete! - pensa de outra forma, caminha por outra via, partilha de diversa tara e sofre de distinta doença.
Como assim, existe? Se Todos pensam como eu, se tão cuidadosamente nos rodeámos destas paredes transparentes, porque nos havemos de confrontar com o que nos é exterior? Expulsa-se já da Bolha essa ameaça, esse vírus, essa força estranha, seguramente maléfica, alienígena, porque Humana não será, provado que está que todos os Humanos que contam têm a exata mesma opinião que eu. Sei bem disso, porque interajo com eles todos os dias, cada vez mais tempo em cada dia e aplico agora a tudo na Vida o mesmo método cibernético: bloqueio o Diferente e preservo a minha razão. A Bolha expande-se.
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Alegremente protegidos, nunca erramos. Até porque, errando, logo virão os nossos cobolheiros - que lindo nome, pá! - sossegar-nos, assegurar que estivemos bem, deixa lá isso que alguns dizem em contrário, não são dos nossos, ainda que se disfarcem sob a mesma bandeira, são espectros de outras terríveis dimensões, abutres Universais, boçais taberneiros dos confins imundos da Galáxia.
Olha, meu menino, repara bem que nem sequer aqui estão, na nossa Bolha. Estarás naturalmente certo, pergunta a quem quiseres, anda. Se algum achar o contrário, aponta-mo. Mesmo que seja feio apontar, fá-lo, sem remorso, sem pudor, e ele que se livre de responder. Não temas, nós iremos em teu resgate e bloquearemos qualquer hipótese de comprometimento da Bolha. Que se expande.
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Sou a dizer que vi diferidamente o último jogo do FCP. Estou muito convencido que o treinador se enganou na substituição aos 41 minutos. Não vem daí mal ao Mundo, porque passámos de 1-1 para 4-1, mas, apesar disso, continuo convicto de que foi um erro. Teríamos ganho 4-1 na mesma.
Na verdade, toda essa enorme distância, expressa pelo próprio, entre o que foi primeiro e o que veio a seguir, eu cá não a vi. Entraram mais golos, lá isso entraram, pelo que estou basto alegre. Mas pode ser que tenha ficado claro para mais alguém o lado por onde o adversário criou todo o perigo; da mesma forma que pareceu evidente que o meio campo estava em dificuldade mais pela fraca prestação de quem ficou, do que pelas falhas de quem saiu.
E se no fim tudo correu bem, porque haveríamos agora de perder este nosso tempo? Para que não se repita, apenas? Naaaa, é só porque eu gosto de picar a Bolha. Para que entre ar e não se corra o risco de a consaguinidade dar cabo da espécie.
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Fui a um concerto. Fiquei entre um e maijujamigos que “epá, metal, eu sou metal, ganza e cerveja e encontrões, metal, pois claro, nem conheço música nenhuma destes, mas diz que é metal, \m/, vamolá então, pensei eu, tájabêr?”; e outro que não deu pio durante as três horas de festa, totalmente absorvido na tarefa de ver o espetáculo através do ecrã do seu dispositivo móvel, muito embora tudo se estivesse a passar mesmo diante dos olhos dele.
O primeiro, e a sua trupe, desapareceu por volta do meio da atuação. Atribuo este sucesso a dois encontrões a destempo que o desequilibraram - sempre com um sorriso e um cumprimento fraternal - e, sobretudo, à altíssima qualidade dos meus gases. O segundo...o segundo não foi a lado nenhum. Achará, mais tarde, que aquilo foi esquisito, mais tremido do que supunha, para além de que lhe ficaram a doer os braços. Não admira, três horas de braço ao alto, a pressionar a rodinha vermelha no ecrã, chiça. Já as nódoas negras no antebraço, terão sido das cachaporradas que lhe caíram de cada vez que o cotovelo se aproximou demasiado do primeiro fio de cabelo da gaja bem boa que lá estava com o anormal das barbas. Careca dum cabrão.
Quando saía, contente como um catraio, dei de caras com um tipo que ia de abóbora. Sim, vestido de abóbora.
Aos primeiros, ao segundo e ao terceiro, fica aqui o meu sincero agradecimento. Obrigado, brodas, por não me terem deixado construir uma Bolha. Não é suposto que a experiência seja essa, para além de que tende a expandir-se. Detesto-vos all the same.
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