quinta-feira, 30 de maio de 2019

Balanço 18/19 - II: Trial by fire



Pois claro que é um orgulho os sub-19 serem campeões europeus e nacionais; naturalmente que é maravilhoso festejar os títulos do hóquei e do andebol; raios, venha até a natação, que ganha sempre qualquer coisa e ninguém liga nenhuma. Ganhou?; ah, e o bilhar, evidentemente, porque não queremos deixar o Figo mal visto.

Maaaaas, quando se calam as redes sociais, o Porto Canal, os grupos de Whatsapp e o cansaço me empurra a testa para a almofada, a enorme testa de melão que transporto, lembro-me dos meus amigos lagartos e das festas que foram fazendo ao longo dos anos. O passado aqui é que me fode, porque é o meu presente. Raisparta!

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Isto a propósito de ter dito a pessoas várias, aqui há atrasado - no dia menos um - que SC me fazia lembrar alguém. Uma aura Jesuíta, chamei-lhe. Isto dos podcasts é giro, porque depois se pode dispensar testemunhas.

Anos passados, devo desde já esclarecer que, para meu descanso, se confirma uma diferença abissal da qual, apesar de tudo, desconfiava: SC tem muito, mas em toneladas, mais classe do que JJ. Basta assim, não preciso de esmiuçar isto. Classe, em tudo.

Fiquei ainda muito agradavelmente surpreendido com outra característica que os demarca tão claramente que parece que foi lavada com Omo: SC gosta mais do FCP do que JJ alguma vez gostará dos clubes que treinou/treinará. Todos juntos. No contexto em que chegou e em que se vai movendo, no esgoto que é a nossa Liga, esta diferença é de uma importância vital. Creio que não teríamos ganho nada se ela não existisse. Bola!

A terceira diferença é ainda melhor: Europa! O nosso Sérgio quer ganhar. Sempre. Até a Taça da Liga, quanto mais as competições europeias. Sem pestanejar ou pensar na mossa que uma goleada pode fazer na sua imagem. Ao contrário dos que abdicam à partida e apostam apenas naquilo que lhes parece menos improvável poderem ganhar. Nisto também reside a capacidade que SC teve de reanimar o espírito do Dragão. Para lá da chatice da dança de abertura de época, espada incluída.

De resto, está lá tudo. A abordagem atacante ao nosso campeonato, embora com menos experiência e mais ilusão, o que leva a que se privilegie sempre o músculo à razão; o messianismo consubstanciado naquele “como isto estava antes de eu cá chegar!”; a culpa que é sempre de outro qualquer, mesmo enquanto se está a dizer “eu é que sou o líder, a responsabilidade é toda minha!”; o esticar jogadores para lá dos limites adequados; a incapacidade de perceber que fazer diferente não é ser derrotado nem revela pouca convicção; o facto de faltarem sempre opções de qualidade, jogadores que pediu e não tem e que deveriam ficar no lugar de jogadores que tem mas nunca vai utilizar. Porque não os pediu!; a gestão minuciosa dos momentos e da forma de comunicação, muitas vezes, que não todas, sob a capa da genuinidade, do coração ao pé da boca e da frontalidade; e, claro, o número de vezes que um jogador da formação tem que nascer para caber numa sua equipa. A menos que seja à força. Viva, Diogos.

Nesta questão da formação, diga-se que entendo. Dado o modelo e a forma de jogar, comparando com o que os miúdos aprendem no FCP ao longo da formação, dificilmente poderiam ser solução para uma equipa de SC. E era urgente ganhar! Na minha opinião, a Direção sabia disso quando escolheu o treinador e lhe pediu o que terá pedido. Se não sabia, é incompetente. Oh wait...

Posto isto, num país normal, fosse também eu normal e o futebol um desporto normal, a avaliação do trabalho de SC teria que andar entre o brilhante e o muito bom, sim senhor. Duas épocas de limitações financeiras: 1 título;  1 supertaça; 1 final da taça perdida nos penalties; 1 final da taça da liga perdida nos penalties; 1 presença nos 8 melhores da Europa e outra nos 16; segundo lugar no campeonato, em luta até à última jornada. Comparem lá isto aos anos anteriores. Como diria - e disse! - SC, como isto estava antes de ele cá chegar. Está claro que se esquece que “isto” vai muito para lá dele, envolve outros que também devem ter trabalhado melhor ou então - ah poijé bebé - nem puderam estragar, tão pouco era o dinheiro que circulava. Cá está um pretérito imperfeito que me assombra.

Só que há os adversários. O estado em que uns se puseram e nós conseguimos pôr outros, do qual tratámos no post anterior, não pode ser passado a pano. Na verdade, repito, em dezembro isto estava mais ou menos resolvido. Todas as características que analisámos antes se conjugaram, aliaram-se ao que deveria ser o último estertor do fétido polvo encarnado e deram uma bosta de proporções épicas. Ou seja, sim, há culpas próprias e, para mim, boa parte delas, atendendo ao contexto, são do treinador. De todas as outras está ele ilibado E, como sabemos, não são poucas, não senhor.

Este é o homem que não aposta em Oliver, que prefere sempre Fernando Andrade ou André Pereira a Adrian, que é possuído por NES quando olha para Brahimi, que opta por jogar, no campeonato nacional!, com Militão à direita, que baseia o seu jogo no duelo e na segunda bola. Sim, porque não podemos dizer que queiramos ser uma equipa basto criativa e que protege o Felipe dos seus escorreganços. E é isto que torna Marega imprescindível.

Se repararem, tudo o que mencionei só é uma crítica do MEU ponto de vista. Porque olhando ao que são as características de SC, faz todo o sentido. Quero com isto dizer que são escolhas coerentes e que entendo perfeitamente. E sim, são as mesmas que nos deram um campeonato que tínhamos absolutamente que ganhar. De todo o modo, não gosto delas. Por isso, a azia de agora ter perdido transforma-se em fúria. Mas vá, tenho noção disso, ao contrário dos que defendem o oposto e raramente, quase nunca, conseguem falar de bola. Só de espírito e raça e intensidade e quais são dos nossos e quais são contra nós. que é todos os que se atreverem a discordar, naturalmente.

E lá voltamos à Ordem dos Jesuítas. Eu sei bem o que disse quando JJ esteve perto de ganhar tudo e tudo perdeu. Lembro-me bem do que ouvi a minha gente berrar aos ventos: Aqui? Nunca seria possível! Rua, na hora.

Pois bem, aconteceu. Foda-se! Até o discurso do “excelente época, estivemos nas decisões todas, isso é que é!”, até isso - só mais tarde corrigido - aconteceu. Não sei se por se recordarem do que JJ ganhou depois disso, se por - e é mais provável - este ser dos nossos, lágrimas na derrota incluídas, o veredicto agora parece ser muito diferente. Conviria talvez recordar COMO JJ ganhou depois de ter perdido. Aliás, como o próprio ameaçou fazer a determinado bandeirinha, quando defendia outras cores. Amigos, esse tipo de reforço não teremos. Continuaremos a chafurdar na lam...na merda! de competição e de país que temos.

Ou será que alguém pode duvidar que, fosse Sérgio Conceição treinador do 5LB - ou venha algum dia a ser - já seria - ou virá a ser - um herói nacional? Elevado a mito, ao nível do melhor Mourinho? Que digo? De um Cristiano Ronaldo! Sendo nosso, e dos nossos, é tratado como um grunho. Que está longe, mas tão longe, de ser.

Por outro lado, não enfrentaremos um período de continuidade e estabilidade. Teremos que refazer a equipa e, com ela, o projeto. Se havia e vier a haver algum. Estaríamos pois em tempo de tomar decisões estruturais acerca do tipo de líder que queremos. Estaríamos! Porque não estamos, uma vez que a decisão foi tomada antes do jogo no Dragão contra o toupeiral corrupto. Está decidido, está decidido, mais à frente falaremos do que, para mim, isso deve implicar.

Não, não fugi com o rabo à seringa neste suposto julgamento pelo fogo: eu terminaria aqui o ciclo. Fim. Obrigado. Next please.

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domingo, 26 de maio de 2019

Balanço 18/19 - I: Flashback e Contexto



Direto. Diríamos grosso, porque sabemos que curto não será quase de certeza. Mas, tirando estes, sem floreados e metáforas e segundos sentidos. A Tasca agora é exclusivamente o que me apetece, quando me apetece e para o que me apetece. Desta vez é bola. Pura. Acabou a época e eu estou a ponto de sufocar se não disser umas coisinhas. Bem, umas quantas. Bastantes. Tantas que não me chegará a jornada de A Culpa é do Cavani que, certamente, tratará destes balanços. Por outro lado, tenho saudades de partilhar estas conversas com malta que, eventualmente, nem sequer ouve o podcast. Prontos? Na verdade, quero lá saber se estão. Eu estou! É quanto basta.

Por hoje, ficam as duas primeiras partes: Flashback e Contexto. Ficarão a faltar outras duas: Trial by fire e Futuro.


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FLASHBACK

Saberão, e se não sabem fica já dito, que não sou propriamente uma groupie do nosso treinador. Aliás, não o teria escolhido sequer. Até porque nunca percebi porque o deixámos cair num dezembro, para depois o trazer num agosto. Será uma questão de mês? Ou depende da graça de quem trás pela mão os negócios que fazemos? Pois que não sei, nem agora interessa nada. Como sempre.

Dito isto, estive à vontadinha para me deixar estar fora do band wagon que logo se montou. Aquela coisa do "ai pobrezinho que não tem jogadores, é uma cambada de pedreiros e de enjeitados da vida, como pode ele arranjar rosas se nem um papo seco lhe dão?", you know the drill. Defendi na altura, e defendo hoje, que, limitados que estávamos, mantínhamos argumentos para competir e ganhar. Como bem o provou Sérgio Conceição, ganhando um dos mais importantes campeonatos da história do Futebol Clube do Porto, impedindo o desígnio nacional de oferecer um penta de títulos, sujos e falsos, ao clube do regime. Tivemos pena, só que não. 

Sendo uma vitória de todos, foi sobretudo do treinador. Havia um esforço de denúncia feito pela comunicação do clube que abalou o gorduroso e fétido status quo, deixando, momentaneamente, o viscoso polvo sem saber como reagir, de gordo e pastelão que estava. Mas nada teria produzido qualquer efeito se não trouxesse consigo o Mar Azul. E no futebol, não há mar que resista à derrota e à resignação. Imaginem a época passada com NES. 

Por isso, Sérgio Conceição foi o grande obreiro daquela conquista. Não porque tivesse conseguido produzir qualquer milagre futeboleiro, mas porque conseguiu trazer de volta o espírito do Dragão - e poucos conseguiriam - e, ainda mais importante, somou vitórias, esse combustível infalível para a nossa chama. Pelo que leram acima, sabem que não posso ser mais honesto do que isto. Tendo perdido, teria a mesma responsabilidade de qualquer treinador do FCP que perde. Tendo ganho, é apenas justo reconhecer o papel que desempenhou nessa vitória: o principal!

Do lado da bola propriamente dita, nenhuma surpresa: fraquinho. Como todos, fui no Mar, dentes cerrados. Mas de olhos abertos. Não jogámos grande merda a maior parte do tempo. Mas hey, ganhámos! Vinha lá uma época toda nova, para crescer, equipa e treinador, e voltarmos a ganhar e, agora sim, começarmos a encantar. Está feito o flashback, vamos lá ao que importa.

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CONTEXTO


Já todos lemos, ontem, a última página deste livro, portanto permitam-me apenas que, para não nos perdermos, contextualize esse epílogo:

Em dezembro eu sentia-me Campeão Nacional. Bem me disseram pessoas ponderadas que era demasiado cedo. Malta dos números recordou-me o avanço desperdiçado no ano anterior. Mas eu sentia-me campeão na mesma, porque o espírito tinha voltado e, ainda que por motivos de força maior e, sobretudo, alheios à vontade do nosso treinador, o futebol ameaçava melhorar. E tínhamos seis pontos de avanço para o segundo à 16ª jornada. Sim, seis. Para o Braga! Sete para os lampiões, que vinham em terceiro, oito para o Leça, digo, os lagartos. Com quem, aliás, jogámos a última jornada da primeira volta, em Alvalade, e logo aí deixaram claro que, por eles, empatar todos os jogos contra o FCP estava muito bem. Virámos o campeonato com 5 pontos de avanço sobre o polvo. Juro-vos, ingénuo, achei que lhe íamos dar a porrada fatal.

Olhemos agora para os adversários. Em consequência do que era a demonstração de superioridade do FCP, o Padrinho entregou o campeonato. Fez uma retirada estratégica, despedindo o sonso Vitória para agradar às massas, arrumando o orçamento ao despachar as grandes estrelas que havia contratado na pré-temporada e nomeando um treinador interino que foi buscar à equipa B. Que me tentem convencer que tudo isto era para ainda serem campeões é lá com quem come gelado com a testa, eu não. Tenho claro que o Padrinho se preparava para passar meia época a preparar o ano seguinte. As palavras do novo sonso são prova bastante: não me pediram nada. E também não lhe deram nada. Ele que se arranjasse com os putos da B. Isso que agora chamam de "aposta na formação", "os meninos de ouro do Seixal", há menos de meia dúzia de meses era a direção a desistir do campeonato. Eles sabem que sim, eu li-os nas redes sociais e ouvi-os nos cafés.

Do Sporting da Covilhã todos sabemos tudo à saciedade. Até porque eles próprios - diz que pela mão do atual Croquete Mor até - fazem questão de passar para fora o que se passa no balneário. Sejam massagens com as mãos, abertas ou fechadas em punho, sejam festinhas com fivelas de cinto, enfim, o costume. Sem plano, sem treinador, sem equipa, lá se fizeram à estrada. São estas duas as equipas que em 2018/19 tiveram troféus para comemorar em Portugal. Nós não!

Em janeiro, o treinador pediu e recebeu um avançado versátil, um médio defensivo e um lateral direito. Do nada, chegou ainda um multi-titulado defesa central que, para mim, é o segundo melhor do plantel. O que se decidiu fazer com esta gente, não é responsabilidade de mais ninguém senão do próprio Sérgio Conceição. Acredito que preferisse Mbappé, Canté e Meunier, só para ficarmos em malta que fala francês, mas isso não pode ser razão para desperdiçar avanço para adversários no estado anteriormente descrito.

Achar que isto pode acontecer exclusivamente pelo ressurgimento em força do polvo vermelho, é contribuir para perpetuar este estado de coisas. É falso! Assim como a nossa força em campo o abalou, foi a nossa incompetência na relva que acabou por torná-lo relevante novamente. Não que isso justifique a batota. Nunca! Sermos fracos não implica que nos roubem para que outros, ainda piores, possam fazer de conta que ganham. Digamos que numa terra com justiça teríamos vencido apesar de nós mesmos. O que não nos tornaria melhores.

Nada apaga a pouca vergonha a que assistimos em Braga, em Moreira, em Vila do Conde, em Freixo de Espada à Cinta se fosse preciso. Como nada apaga o facto de termos perdido tudo para as equipas descritas acima. Porque aconteceu? Porque ao roubo instituído como normalidade numa Nação completamente falhada - que somos! - juntámos o nosso futebol: fraquinho. Perfect storm.

Quem decide do nosso futebol? Sérgio Conceição. Tendo perdido desta forma, é apenas justo reconhecer o papel que desempenhou nessa derrota: o principal.

Já fora do campo se adivinhavam sinais preocupantes. A Comunicação perdeu gás e quase pareceu uma caricatura de si própria, mesmo quando não esteve mais preocupada com interesses pessoais, porque de pessoas, do que com os do clube, numa espécie de roda-livre em auto-gestão. A verdade é que não há porque acreditar que antes houvera uma estratégia do clube, ao mais alto nível, depois colocada em prática por segundas linhas executivas brilhantes. Tudo teve sempre o ar de carolice e abnegação e fervor clubista. Como que por acaso. 

Portanto, é natural que em alguma altura se esgote.  E esgotou. Esgotou tanto que nos demos ao luxo de "calar" o treinador durante boa parte da época, no que toca às arbitragens. Aquele que, cavalgando a clara injustiça com que temos que nos confrontar semana após semana, trouxera de volta o espírito do Dragão, via-se desautorizado, em direto, por um qualquer invertebrado com tempo de antena. Por alma de quem o tem, não sei, mas gostava. Até porque depois tenho que aturar as redes sociais que acham que A Culpa é do Cavani não deve transmitir aqui ou acolá, porque são vermelhos ou encarnados ou rubi. Já esta contribuição, sei lá até que ponto decisiva, do canal do clube para a bela merda que foi esta época, epá, lá acontece, merdas que já se sabe, é correr com o gajo, siga. Siga tudo na mesma, portanto...

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terça-feira, 14 de maio de 2019

Casa Velha

(Inevitável e espesso, o silêncio vai escorrendo por entre as horas, as tarefas - reais ou inventadas - as ausências e tudo o mais que teimas em acumular para que se te encham os dias. Como magma incandescente, destrói as barreiras que laboriosamente ergueste. Um rio calmo, mas inexorável, serpenteando pelo vale, encontrando caminhos pelo meio das rochas, correndo tranquilo, sabedor de que será mar.

Ei-lo, como sabias que estaria, esteve sempre, estará, virá, tarde ou cedo: o silêncio perante ti. O que resta.)

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A ver se consigo explicar:

É como um velho paço senhorial que se esboroa. Baço dos anos, ganhando o contorno da paisagem, do mato que o vai lentamente engolindo, camuflado pelo verdete nas paredes de pedras grandes. O torreão Sul já sem teto que se note, deixando entrar toda a luz do Universo, para que inunde as clarabóias e os ninhos de andorinha em pleno salão nobre.

Valham os pássaros e bichos rasteiros que se esgueiram entre cacos de mobília, agitando os fetos que comeram as tapeçarias antigas, para quebrarem o silêncio. A Vida persiste em formas outras, mesmo que as dobradiças de aço que resistem nas ombreiras chorem de saudades nossas.

Há crianças que passam as tardes do início do Verão a correr pelas colinas suaves, enchendo a charneca de gritos alegres e embarcando em expedições pelo corpo principal do edifício. Ali, onde ainda há quadros pendurados e fotografias que se rebelam contra a humidade; quartos onde ainda se sussurra a nossa história, ora alegre, ora um pranto, um minuto festa, outro tragédia, uma gargalhada só.

Do que pudemos deixar descobrem quem querem que tenhamos sido. Luzes no céu, Santos, dores reminiscentes que não podem explicar, água nos olhos dos adultos, lembranças vagas de fumo e produtos adicionais. E silêncio. O espesso silêncio que a simples repetição dos nossos nomes faz descer sobre a parte conhecida do Cosmos.

Designados proprietários da enorme chave de ferro que continua abrindo a porta desta aventura, sabem exatamente onde encontrar os esparsos sinais de vida na Casa Velha.

Ao fim do dia, correndo livres por onde é provável que tenha sido o jardim de rosas brancas, regressam à Casa Nova. Paredes meias, o mesmo território, um planeta diferente. E contam em algazarra as descobertas - um penico debaixo da cama, no quarto colado à parede Norte, aquele que ainda tem uma cómoda - puxam pela memória dos pais, detetam-lhes as incongruências e respeitam os silêncios magoados. Sempre ele, escorrendo como magma.

Aprendem-nos.

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A ver se consigo explicar:

Um velho de tez por algum motivo tisnada, seco, de rugas fundas, segura com as duas mãos o chapéu preto à frente do umbigo. Um fato de três peças negro, a camisa branca, cabelo nenhum, muito direito contra a luz que se despede de uma casa velha, a cair lentamente em grandes pedaços.

Uma revoada de putos dispara de dentro do edifício na sua direção. Diríamos um enxame de abelhas a rodear um girassol único, grande e cansado. Levam-no pela mão, falando todos ao mesmo tempo, cada um como se tivesse uma etiqueta que lhe marca a proveniência, um traço distintivo, de fábrica, que na maior parte das vezes evita que lhes pergunte: e tu, de quem és? Ouve-se ao longe, enquanto o chapéu já vai de cabeça em cabeça: sim, um penico!

Deixam-no numa poltrona e, ainda que já cá não estejamos para ver quando acontecer, virá uma velha de vestido florido sentar-se ao seu colo. Soltarão ambos um gemido de articulações gastas e joelhos abusados e os outros estarão ocupados a temperar o resto das carnes, enquanto os miúdos lavam as mãos. Partilharão um breve momento de silêncio. A Casa Velha deixará cair uma telha. Nada a dizer.

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A ver se consigo explicar:

Olá, sou eu. Como estamos hoje, meus Amores?

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