- Ainda ás voltas com isto, velhote? - Digo para a pilha de papéis na mesa.
- Cada vez mais interessante. Ora veja lá esta. - Estica o braço com a folha amarelada na mão, não levanta a cabeça, não me olha.
"Nomes - C.C.
Agora é de noite menos tempo, nos dias em que me deixas ir embora. Mas os meus olhos, as mãos, a parte da perna que liga ao peito do pé, permanecem imersas no escuro do Cruzeiro.
Existo num quarto cavado na terra, pontilhado pela luz azul do desumidificador, pelo led vermelho do ecrã na parede, e povoado pelo nosso cheiro. Depois do corpo, o peito e a mente mergulham gratos nesse breu em que somos tudo, sós, inteiros. Oh sim, eu sei que é apenas um marco no meu pensamento, um lugar arquétipo que decido guardar. Houveram lágrimas a denunciar a distância da redenção. Ainda assim, os dias crescem e eu permaneço, tétrico, nesse túmulo perfeito.
Foge-me um sentido, creio que o olfato, para a alegria que nos saltita pelas escadas e para o orgulho que nos ameaça voar pelos céus do Mundo. Com elas toda a obra, grande e inacabada, que somos e queremos ser. E penitencio-me. Sorrio para todos os que sorrimos à luz cada vez mais cedo, mais tempo. Desculpo-me, desculpo-nos.
Nos olhos, nas mãos, em pleno dia já, sei que me deixaste ir embora e vejo e toco o breu do Cruzeiro. A vida resume-se num solavanco do comboio, mas não me rouba da metade que me guardas nessa casa eterna. Guardas?"