quarta-feira, 16 de agosto de 2023

O sermão do balneário (localizado fora da área técnica)

 

O local do advento

O jornal “O Jogo” revelou, em primeira mão, os detalhes da palestra do nosso míster, no intervalo da partida em Moreira de Cónegos. Nessa altura, o resultado cifrava-se num frustrante zerazero e era necessário mudar o estado das coisas. Como é que o balneário fica fora da zona interdita a um treinador castigado, é um pormenor que agora não interessa nada, pelo que foquemos na praticamente divina intervenção do líder que resultou na nossa vitória. 

Provavelmente por pudor ou por impedimento derivado do Código Deontológico a que estão obrigados os seus redatores, o jornal em questão informou apenas acerca de uma pequena parte do sucedido. A Tasca fornece assim, e em verdadeiro exclusivo, o relato de todos os acontecimentos, para deleite da sua vasta audiência, composta por vocês os quatro. Enjoy.

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O silêncio é entrecortado apenas pelo som do gorgolejo da água nas gargantas sedentas. Sim, um tipo pode não jogar nadinha, não quer dizer que não desidrate. O aviso fora dado logo após o apito: o mister vai ao balneário! Ninguém se atreveu sequer a descalçar, quanto mais a tomar um duchinho rápido, mudar de camisola ou meter a tocar a Perra. Mas o homem entrou calmo, passeou o olhar pelas cabeças baixas, olhou em volta como quem procura e, num ápice, alguém lhe empurrou uma geleira e ele tomou assento. Falou: 

- Tu, o grandalhão que não sabe saltar, vais fazer que jogas mais 10 minutinhos, para enganar os lorpas. Martins, aquece que vais entrar. Entretanto, e mais importante, vamos lá à mudança estratégica e à definição dos momentos que nos levarão à vitória. – As cabeças levantaram-se, salvo seja, e todos os olhos se fixaram no profeta. – Então, entra o Martins para o lugar daquele amigo que estava apto, mas era para os paralímpicos, e passamos ao nosso querido sistema de 442 x 424 / 3124 + YZK x Bola Parada, estamos entendidos? – Todos se apressaram a acenar que sim. – Muito bem! – Concluiu.

Levantou-se, tirou uma água da geleira e voltou a ocupar o seu lugar. Continuou: 

- Vamoláver, se isto lá prós 10 minutos estiver na mesma, deixamos os gajos marcarem, tiramos o matulão e metemos um gajo que faça ideia do que é uma bola. Nem precisa de jogar mais de um quarto de hora, caramba. – A sala encheu-se de murmúrios, de espantos, mas nunca de contestação. – É isso mesmo. Arranja-se um golito estúpido para eles começarem a defender ainda mais e a gente partir imparáveis para uma vitória épica, mais uma remontada que nasce aqui, no balneário, à conta do gajo do costume. – Palmas. Inicialmente tímidas, depois mais convictas, a terminarem em ovação, com alguns de pé. O líder faz-lhes sinal que se acalmem, que se sentem, há mais. – Para isto resultar, é preciso que estejam muito atentos. Ora bem, o Eutávio… - Interrompem-no: 

- É Eustáquio, míster.

- Quem? Epá, fica Estevão. O Estevão… - Outra interrupção: 

- É Stephen, mister, desculpe. – Já muito corado.

- Isso é em estrangeiro, em português é Estevão e o estrangeiro fica à porta do Olival. Aqui somos todos um, todos iguais, imortais e tal, por isso, és Estevão! – Irrompe de novo a sala em aplausos e vivas e gritos de guerra. Alguém começa a assobiar o Amor Eterno. Ele grita:

- Caluda, foda-se! E tu, oh índio, põe-te na alheta que ninguém te vai comprar cds. Continuando, o Estevão vai recuar para a posição do pinheiro, mas, ao mesmo tempo, vai adiantar-se uns 15 metros. Tás com o braço no ar, Estevão. Diz lá. – Um tanto impaciente. 

- Oh mister, se eles estão lá todos atrás, se eu me adianto 15 metros vou estar praí dentro da área ou assim. Para além de que não estou a ver como é que recuo, adiantando-me. 

- Por isso é que eu é que sou o mister, percebes Estevão? O que é mais importante é que sejas incisivo, tájaver? Ali pá, tau – faz um golpe de karaté na palma da mão – incisivo, muitíssimo incisivo, muito forte naquilo que é ser incisivo.

- Mas isso é o quê, mister? Devo dar pau? Correr mais? É fazer o quê? 

- Oh Deus me valha, que tristeza. – Vira-se para o staff – Alguém aqui sabe canadiano? Precisamos de um interprete para este gajo. Não apanha uma, foda-se. Incisaive, aincisive, como é que queres que te explique melhor? Há aí alguém de O Jogo? 

- Ah, sim, já percebi! – Bate as palmas. – Incisivo, sim, estou a ver, perfeitamente claro, pois é evidente, desculpe mister, está esclarecido. Muito bem, brilhante. 

- Ora até que enfim. Mas isso não chega. Como vamos tirar o aleijadinho, vai para lá o Pepe. – Surpresa geral. Alguém diz, a medo, “o Pepe está na bancada”. Baixinho, um aventura-se:

- É Pêpê, professô.

- Outro que não fala português – exaspera-se – Bem, não interessa, és tu mesmo. E o que tu vais fazer é jogar a lateral direito. Mas vais surpreender toda a gente porque vais fazer cenas que só um lateral direito faria. Exceto defender bem, a ver se eles marcam, ok? 

- Qué djizê qui preciso djivi sempri pra dentro não? Pro meio da confusão e posso até - benze-se e beija a tatuagem do santo padroeiro dos laterais direitos da seleção do Brasil - i na linha e cruzá? – O rosto iluminado de alegria e esperança. 

- Pá, por mim tá tudo, desde que não te esqueças de meter uma bola a ressaltar num defesa, de maneira a que chegue ali ao moço do Uber para ele marcar, ok? 

- Eu vou marcá, professô? – Incrédulo. 

- Pois claro que vais, se te estou a dizer. E ali o lampião vai fazer uma assistência que até ficas parvo das vistas. Tá tudo controlado, amigo. Aliás, até marcares, podes tirar o cavalinho da chuva que não sais. 

- Mais…mais…tô pegando no duro lá no Ubé ais… - Um gesto de mão do comandante cala-o: 

- Já disse! Depois de marcares, podes ir à tua vida. Vá, agora vou andando, antes que vocês comecem aí aos berros e a bater no peito e o cuaralho que já não tenho pachorra para essas merdas. Andor lá pra dentro dar a volta a isto. 

- Mas está zerazero, Sérgio. 

- Ainda, Vitor, ainda… - E deixa um rasto de luz enquanto se encaminha para o camarote que lhe esteve destinado. 

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Agora vão dizer que eu inventei isto tudo, mas eu e o O Jogo sabemos bem que foi exatamente assim que se passou.

...tell me what you see

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Mensagem


Perdida numa mesa por limpar, uma folha rabiscada frente e verso. Tanto quanto podemos saber, pode ser uma carta de amor, uma lista de compras do senhor Monteiro da Silva, o rascunho do tratado de paz dos eslavos, as instruções de montagem de balões meteorológicos, o esboço do Nobel, um poema de Fernando ou de Álvaro ou de Alberto ou de Al ou de Alexandre, Eugénio, Luiz, sei eu agora quem foi o último que por cá passou. Ah, talvez não devêssemos, é um perdido privado, quem somos nós para o profanar?

E suportar esta curiosidade que nos mata, gatos todos? E se for um rato? Dane-se, leia-se:

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Caro Rui,

Completaste na CNN o teu milionésimo centésimo décimo quinto solo de veneno contra o FCP e mesmo assim continuas a encher a boca com a verdade desportiva. E não só, mas o resto não é para aqui chamado.


Achas que continuas a ter tempo de antena porque a audiência é composta por mentecaptos; ou porque dá jeito manter a soldo um cabotino como tu, sempre pronto a ajoelhar perante a nota mais alta? 


O teu comportamento público só é possível de sustentar porque isto em Portugal é uma palhaçada. Pessoas que se cansam se pensarem, media tomados de assalto por múltiplos interesses, adeptos conformados nas suas manadas, quando não em matilhas, um autêntico paraíso para invertebrados de risinho trocista.


Podes dizer, Rui, que a vida está difícil para todos e que apenas aproveitas o baixo nível de instrução das hordas. Talvez. Mas não te queixes do sistema, porque ele tem sido o teu ganha pão. Sabes qual é a maior prova disso? O facto de andares de nenúfar em nenúfar, qual elefante zonzo numa loja de porcelanas, e em nenhuma ocasião seres melhor do que bastante medíocre. E não me venhas dizer que não notas, porque todos os dias deves dar graças a Deus por viveres num país de tapados. Isto aqui, como sabes também, está tudo contaminado e bloqueado.


Imagino as gargalhadas que dás em frente ao espelho, apesar da dor de seres mais baixo do que o Rui Barros e mais redondo do que o Walter, cada vez que acabas um programa. Compreendo, tu tens muitas razões parar te rires disto, nem que seja por te lembrares que um dia, por mera conveniência, a própria comunicação da tua Nemesis te citou.


Mas digo-te, deixa-te de ilusões, Rui. A estupidez não dura para sempre. Nunca serás um profissional de primeira, mas faz um favor a ti próprio e a quem gosta de futebol pelo futebol: dedica-te à pesca do ananás panado em gravilha e…olha, diverte-te com ele.