terça-feira, 30 de setembro de 2014

Guia Prático do Futebol Tuga para Tótós e Espanhóis Ingénuos




Dedicatória (manuscrita no original, 1ª página)

Estimado J,

Espero que te seja útil.
Saludos.

(assinatura ilegível)


1. Perceber Siglas

a) FCP - És tu e os moços, pá. Mas ainda mais, sou eu! Nós! Como ninguém nos paga por isso, cobramos-te a ti e aos moços. Muito e sempre!

b) 5LB - São os outros, os feios, porcos e maus. O 5 fica lá para que nunca esqueçam a tareia que levaram. Até que a devolvam. Aí teremos que arranjar outra maneira de os achincalhar. Serve para designar toda a espécie de malvados que possas encontrar na vida, no futebol e fora dele. Se não presta, deve ser destes. Aka Lampiões.

c) SCP - Sociedade dos Calimeros de Portugal - Importam menos, por isso ás vezes até simpatizamos com eles. Mas só se não levantarem a crista. Incubaram o Moutinho e o Quaresma, já é qualquer coisa. Lixam-nos a vida com frequência, porque lhes ligamos pouco. Se não fossem as injustiças do Universo, eram campeões todos os anos, em todas as modalidades, em todos os países. Sim, no Burkina Faso também. Aka Lagartos.

2. Saber onde estás pelo ruído do público

a) Ovação estrondosa e hino do clube cantado a plenos pulmões, depois de a equipa da casa ter perdido sem espinhas um jogo importante - Provavelmente estás em frente ao Centro Comercial Colombo. Já viram muito pior do que perder por 2 e é preciso que os jornais tenham alguma coisa em que pegar. Não havia de ser na derrota deles, não achas?

b) Público abafado pelos toques de smart phones e pela frase "Olááááá Bernardo, como vai?!"; bandeiras escondidas atrás das ondas das franjas do cabelo dos adeptos; ruído constante de palmas a esfregarem-se umas nas outras - Terra de Viscondes, não tem nada que saber. É natural que sejas abusado como uma virgem entregue a 70 bombistas suicidas e que a tua equipa acabe com menos gente do que a que começou. Não ligues, no fim não conta para o totobola. 

c) Aos 30 segundos de jogo o Maicon passa para o Indi que toca para o Danilo, rebenta um coro de assobios misturado com o barulho de pipocas a serem mastigadas - Aaaaah, home sweet home! É bom estar cá, não é? Chamam-lhe "cultura de exigência", porque fica bonito. Na verdade, é só um bando de atrasados mentais que levaram as namoradas à bola para comerem pipocas e Coca-Colas a preços de hotel de 5 estrelas; e ouviram dizer a Sul de Coimbra que passamos os jogos nisto e não valemos mais que um poio ressequido. Um cinema tão jeitoso ali à frente pá...

3. Conceito de conduta violenta, com direito a expulsão

a) Apertar o pescoço a um dos teus - Conduta imprópria, cartão amarelo (nem sempre, mas ás vezes). Na imprensa, o caso será discutido nos seguintes termos: então e ao tripeiro que lá pôs o pescoço, capaz de aleijar o homem, não lhe acontece nada? É isto que temos, 
vergonha! Ainda por cima é preto!

b)  Um dos teus entra de carrinho num campo encharcado, a meio campo, e acerta no pé do adversário - Conduta violenta, expulso!




c) Um dos outros enfia uma patada no peito do adversário, no chão molhado - O futebol não é para meninas! Tá a levantar, fiteiro de um cabrão! Além disso, o chão está molhado.





4. Penalty por mão na bola

a) A bola vai para a baliza do adversário e é desviada pela mão de um defesa - Bola na mão. Se o jogador tiver a cabeça ligada, é bola no peito. Sabe-se que de Coimbra para baixo, quando se parte a cabeça o peito desce para a zona antes ocupada pelas mãos. Eduquem-se, tripeiros ignorantes!





b) A bola vai à mão, ou a mão à bola, de um dos teus, FORA DA ÁREA, chutada a 50 cm do jogador - Penalty! Sobretudo se for na Costa de Lisboa. Dada a densidade do ar, por via da proximidade de uma baía, o conceito de "fora da área" fica ao critério do árbitro... E a meia lua é área, chama-se meia lua da área!!




c) Um tipo estende o braço para desviar a bola, dentro da área - Se estiver equipado de vermelho e o nome começar por M e incluir as letras A,X e I, deve considerar-se que jogou com o peito, dada a morfologia especifica deste género de individuo. O futebol é para todos e não discrimina.








5. Lei do fora-de-jogo

Um jogador considera-se em fora-de jogo quando se encontra mais perto da linha de baliza do adversário que o penúltimo elemento da equipa que defende. Com as seguintes exceções:

a) Vai ser golo dos outros contra os tripeiros.













b) Vai ser golo dos tripeiros contra os outros.











c) É golo dos lampiões ou golo contra os lampiões.









Nestes casos, aplica-se o critério "o que for melhor para a Pátria e pior para a Galiza, que começa maijomenos a Norte de Torres Vedras".

Nota Final (manuscrita no original, última página)

Naturalmente, qualquer um conseguirá, com bastante paciência, compilar um Guia destes completamente ao contrário. A diferença J., é que o deles é mentira! Fanáticos pá!! 

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Obrigado Bruno!



Fica-te bem o verde. Esse verde meio desmaiado, como se estivesses eternamente enjoado, com a bílis a escorrer-te para o estômago vazio, a azia a destilar, o vómito a encher-te o esófago, a subir até te ser impossivel manter a boca fechada. Fica-te tão bem esse verde inveja. Quero que mantenhas o tom por todos os dias da tua vida. Não será dificil. E piora com a indiferença a que te votam. Oh sim, compraste os teus próprios microfones e tens os palhaços do costume a encherem-te o circo, a darem-te pancadinhas nas costas. Vê bem que trazem os bolsos cheios: são facas. Para ti!

Mas não me faças de parvo. Guarda isso para os teus. São eles que preguiçam ao Sol, à espera que as caudas voltem a crescer. Eu lembro-me Bruno. Eu vi. Eu vi um dos teus a oferecer o rabo a um colombiano negro grandalhão. Que linda a camisola que vestia o sul americano, não é? Eu sei que concordas, que também lhe admiras a beleza, o sentido estético apurado das listas verticais, azuis e brancas como se fossem uma só cor. E são! A mais bonita das cores. 

Eu vi um dos anões do teu circo em fora-de-jogo antes do golo que te deu a vitória. Uma vitória, ainda assim. E vi a tua alegria com tudo isso. Percebo-te, és apenas humano, certo? Errado Bruno! És abaixo da média humana. Desculpa a frontalidade, mas acalma-me este pensamento de não pertencer exatamente à mesma espécie que tu. Não quero. Tu és um pré-humanoide, eu sou sapiens sapiens.

Não vale a pena, está aqui! O advento da tecnologia não é apenas áudio, não é apenas para escutar a qualquer custo aqueles de quem não gostamos. É também imagem. E é legal.

Bruno, meu pequeno bagaceiro com ar de menino privilegiado, visconde rebelde, eu vi! Eu vi-te aparecer rodeado de promessas de dinheiro russo, indignado pela desconfiança com que os teus retribuiram a tua disponibilidade. Sim, esses mesmo que agora chafurdam na sua endógena estupidez e se masturbam com as palavras que vomitas a despropósito. Eu ouvi-te defender o investimento externo como a salvação da agremiação do Campo Grande. E oiço-te agora bradar contra tudo isso, porque descobriste depressa que ninguém investe em ti se puder investir em outros melhores. Chama-se "Mercado", estúpido. Assisti em lágrimas de riso enquanto rasgavas, com pompa e circunstância, os contratos que livremente foram assinados. A memória é curta. Menos a das pessoas como eu, que vivem sob o estigma do Alzheimer. Nós mimamos a memória, fazemos-lhe festinhas, despedimo-nos dela com frequência e, por isso, lembramo-nos. Lembro-me do João Vale e Azevedo a rasgar contratos. Lembro-me de quantas vitórias festejou e onde acabou, depois de ter dito que o Diabo do Norte devia ser preso ASAP. Olho para a frente e vejo-te nos mesmos sítios que ele. E gosto Bruno, gosto tanto. Oxalá não me decepciones.

Repara que te escrevo antes do jogo de mais logo. Porque tenho barba mas sou mais bonito que tu, e mais alto, e mais sexy, e aposto que a tua mulher preferia passar 10 minutos na minha cama do que o resto da vida contigo, e, sobretudo Bruno, porque quero que tenhas a oportunidade de me dizer: incha porco, chupa, és excremento por entre nádegas. É justo que tenhas essa prerrogativa. Um dia explico-te o conceito de justiça. Devagar, para tu entenderes um pedacinho. 

Ah, sejamos honestos! Não é SÓ por isso. É ainda mais pela esperança de que aconteça. Sim, quero que alimentes essa esperança, quero que passes o dia à espera do momento em que me farás engolir os insultos. Quero que visualizes esse triunfo, que antecipes o sabor que terá. É isso que eu quero Bruno. Quero que passes o resto do dia semi-erecto (consegues?) pela possibilidade de me humilhar ao fim da noite. Porque nesse momento a minha vitória será retumbante? Também! Mas antes de tudo, porque a tua derrota será inesquecivel! E eu preciso que aprendas a não esquecer as derrotas que te inflingimos. Serão muitas, Bruno. Muitas!

E não, não és bem-vindo à Tasca. Cuspirei em toda a comida que encomendares e mijarei em qualquer liquido que tenha que te servir. Sim, sou um nojo de pessoa para tipos como tu. Obrigado por existires, alivia-me...


terça-feira, 23 de setembro de 2014

1971 / 82 = 2003 / 14


- Um dia eu tinha 11 anos e juro que o Mundo era mais pequeno e mais longe. A mim parecia-me que os lugares de que gostava, as pessoas que, mesmo sem saber, amava, seriam eternos. Não me preocupava muito a mudança, porque tudo parecia mais ou menos imutável, seguro, permanente. Depois descobre-se que não é tanto assim, mas que isso também está bem. Demorou muito tempo até ter que enfrentar perdas verdadeiras. É a primeira coisa que tenho para te dizer: não temas a morte nem a mudança. O mais provável é que continues rodeada por todos os que amas, mesmo que não saibas, por muito tempo. O tempo suficiente para que sejas capaz de o entender.

Pressinto o plim da Néné, depois o da Rita Rita, a seguir possivelmente o da Cata, no bolso das tuas calças. Neles recordo os assobios na rua, os avisos: está cá alguém, bora malta, hora de sair.  São intemporais os chamamentos para a brincadeira, seja ela qual for. O toque a reunir dos amigos. Oh sim, eu sei que sou pré-histórico e que vocês têm coisas importantíssimas para tratar. Nós nem tanto, visto a esta distância. Nós éramos o Zico e o Falcão, jogávamos hóquei sem patins, de sticks improvisados em madeiras, de sarjeta a sarjeta. E eu era o Xana. Sim, o! Porque havia um que era o Xana e era o melhor de todos e Portugal era o Campeão do Mundo. E tu tens agendas cheias de marcações de consultas na tua clínica, viagens pelo Mundo na tua agência de viagens, pedidos de comida do teu restaurante. Como eu tinha uma biblioteca escolar no quarto da Pinky e mandávamos calar os meninos que falavam alto. Bonecos, como os teus clientes. É a segunda coisa que tenho para te dizer: adoro ter 11 anos contigo. Mesmo que sejam outros tão diferentes dos que eu já tive. Mas contigo posso e prometo que, a espaços, terei sempre a idade que tu tiveres. Partilharemos isso, como partilhamos os dois vincos na testa.

Acho que te vou deixar ir agora. Sei lá porquê mas comovo-me feito um parvo. Como há sempre três depois de duas, a última coisa que tenho para te dizer é que te adoro. Só.

- Mesmo quando eu me porto mal?

- Claro. Sempre.

- Mesmo naquelas alturas em que é meeeeeeeeeeesmo muuuuuuuiiiiito mal?

- Sim, claro. Em todas as alturas. Não quer dizer que não te vou bater...

- Raios!

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Gajas escocesas todas nuas!


- Ontem ouvi na rádio uma portuguesa radicada na Escócia a falar sobre o referendo. A senhora dizia maijomenos isto: Eu cá sou contra a independência. Há tantas coisas boas neste PAÍS (?!), à pala de ser uma província de Inglaterra. E trocava-se isso tudo por causa do orgulho de ser Escocês?! (vá que eu nem sou escocesa, pensava ela). Um sistema de saúde catita e isso tudo que dá tanto jeito. Parece-me que desata tudo a implodir se não houver uma alminha em Downing Street a pôr mão nos tarados dos kilts. Mas acredito que são os mais velhos que andam por aí com estes disparates de serem uma Nação e de serem diferentes. E são! São piores! (isto a senhora não disse, mas eu aposto o alvará de venda de álcool em como pensou). Se o Sim! ganhar, pondero por-me rapidamente na alheta. Acho que vou para Gales, ou para o Allgarve. Um sitio qualquer em que o sotaque seja compreensível...

Percebe-se, não? A senhora está emigrada e corre-lhe bem a vida, porque é que um bando de malucos lhe havia de mudar as coisas, se mudar? O que me fez confusão, foi ela ter enumerado EXATAMENTE os motivos mais fortes do "Sim!". Uma Nação, o Orgulho, a Diferença, o Hail FROM England das terras altas, como se fossem os melhores argumentos para votar..."Não!" Esta senhora portuguesa era a melhor propaganda dos independentistas, se lhe ligassem alguma...

Mas sabe, como tudo tem a ver com tudo, acho que a Escócia independente seria um sorriso na face da Alemanha. Uma lança da União e do Euro em plena Grã-Bretanha. Oh sim, por direito seriam parte da União e, quanto mais não fosse, por despeito, teriam a nossa moeda. Ou então esse seria o preço para que a Velha Albion não se zangasse em demasia...

- Mas você quer que eles sejam independentes, Silva?

- Eu? Eu quero lá saber! Até acho que o meu puro malte é de fabrico holandês, ou assim... 

- Pois, a ocupar tempo e a desancar a senhora emigrada, já percebi. Epaaaaaa, e as escocesas todas nuas? Onde é que está isso??

- Na Escócia acho que há umas. Aqui... é só um pequeno teste. Depois conto-lhe, prometo.

sábado, 13 de setembro de 2014

Sean Connery reforça o Barcelona! ou maneiras de ocupar a mente enquanto se toma banho.



A Escócia está em campanha, porque está à porta um Referendo sobre a Independência. Na Catalunha parece inevitável que, tarde ou cedo, aconteça o mesmo.

Se nos dois territórios o resultado for a Independência, de Reino Unido e Espanha, assistiremos a uma vitória retumbante do Homem sobre as Armas? Tudo aponta nesse sentido. Em ambos os Estados não existe, na modernidade, uma tradição de luta armada, de bombas e mortes na rua, de opressão de um exército regular sobre a população nativa.

Os vizinhos Irlandeses e Bascos olharão ressentidos para esse eventual sucesso. Anos e anos de sofrimento, de guerra, acabaram por, em ambos os casos, cansar e destruir aqueles que, no fim das contas, seriam a razão, o combustível e o sentido daquelas guerras: o Povo. Não duvido, porém, que o anseio pela autodeterminação, por razões de orgulho, sim, mas sobretudo por motivos históricos, culturais e religiosos, se mantenha vivo para Bascos e Norte Irlandeses. É tempo da força das palavras?

E mesmo no meio deste tão raro brilho da nossa espécie, um sinal de esperança? is there really hope for mankind?, escondido nos escombros todos os dias mais fumegantes de uma Terceira Grande Guerra, mas agora por etapas (Médio Oriente, Golfo, Ucrânia, eternamente África...), mesmo assim, levanta-se o cínico: quanto desta coisa é resultado das mortes na Irlanda do Norte e no País Basco? 

Ainda que seja, teremos aprendido com erros passados (?). There is hope! Ou amanhã tudo isto não passa de fogo de vista, se os resultados finais não forem os mais convenientes? Nesse caso, aposto o stock de "3 Marias" que teremos rebentamentos no centro de Barcelona, em pouco tempo...

Caramba, são horas de abrir a porta da Tasca e deixar-me de lérias sem puto de interesse...

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Judeus nazis e um assassinato no alfa pendular, ou a estupenda capacidade humana de odiar



- Ena, até que enfim acabaram as férias hein? Nota-se logo pelo ar desolado. - Rio-me. - Deixe lá, quer dizer que foram boas e apeteciam mais. Desligou-se completamente ou foi acompanhando os dias do Mundo? Que guardou este ano?

- Isto. - E caem sobre o balcão os dois volumes do "MAUS".

- Leu o "MAUS", pois fez muito bem. Mas isso é leitura para meio dia, digo eu.

- Não, já tinha lido antes e relido amiúde. Mas houve uma noticia que me ficou destas semanas, de facto. Veja bem que casaram um muçulmano e uma judia em Israel.

- Sim, vi qualquer coisa. Não foi pacifico.

- Nada! O que me marcou mesmo, foi a noticia de que um partido de extrema direita judeu ortodoxo, o Lehava, defende a criação de legislação anti assimilação. No fundo, querem proibir desde logo os casamentos mistos. 
Silva, é Nuremberga outra vez. Não a dos julgamentos, mas a dos congressos nazis. Esta lei chamava-se "Lei da Proteção do Sangue e Honra Alemães"!  Tremi. Tremo. O ódio é-nos intrínseco, tem que ser...

Engole um trago da cerveja gelada que acabo de pousar à sua frente. Prossegue:

- E então hoje entro no Alfa pendular, de novo. Ainda sinto o cheiro do protetor solar na minha pele, tenho saudades de ontem. Mas é a viagem de regresso, menos mal. E ao meu lado está um sujeito qualquer, de óculos e olhos postos num tablet, a ver um filme. Não, não era um filme, era uma série, o "Under the Dome".

- Stephen King. Os livros são engraçados. - Interrompi.

- Isso mesmo! Eu abri o meu livro e pouco depois comecei a fechar os olhos, o normal. Ia gozar a minha hora de sono embalado pela velocidade pendular. E reparo que o tipo rói desesperadamente as unhas. Eu roía desesperadamente as unha há pouco tempo, agora já não. Mas aquilo faz barulho. Ele revirava as mãos para poder trincar melhor os cotos que lhe restavam. E salivava e mordia e eu ouvia. É insuportável! 
Poucos minutos disto e apetecia-me bater no desgraçado. Ele, claro, perfeitamente indiferente, devorava o que podia das suas próprias unhas. Nesse instante o passageiro do banco atrás do meu decidiu fazer uma chamada telefónica. Falava alto, com um sotaque nortenho carregado. Aquilo irritava-me para lá do aceitável. Depois abriu a mesinha nas costas do meu assento. Com força, com barulho, à bruta. Pelo menos pareceu. O outro comia alegremente as mãos e fazia barulho, este gritava "cerbejas carago, bámos buer uns finos e frãncesinhas cum caralhoeee" e esmurrava a mesinha. 
E eu juro-lhe Silva, sempre que fechava os olhos via-me a agarrar o braço do tipo ao meu lado e a enfiá-lo na sua própria boca até ao cotovelo. Via as veias rebentarem no branco dos olhos dele, arregalados, o ar de enorme surpresa misturado com a aflição de não poder respirar. O de trás levantava-se para perguntar "mas o que bem a ser isto carago" e a cabeça explodia-lhe, enquanto todos os outros passageiros, TODOS, entravam em autocombustão. 

Mais um trago de cerveja. Longo. 

- Finalmente chegou a minha estação. O meu autofágico colega de viagem saiu também. Estava uma rapariga bonita à espera dele. Beijaram-se, ele sorria. Tinha ar de estar feliz e de ser boa pessoa. Mesmo boa pessoa. Ainda bem que não o matei...

- Terrível, o fim das férias... E a nossa tendência para o ódio...- Resumo.

- Pois... Parece que a vida se volta a desbotar. Que se vai um brilho qualquer que o Sol e o tempo livre traz ás coisas todas. São 9 horas da noite, Silva. E é mesmo de noite! Lá nas Férias ainda está de dia...