quarta-feira, 28 de março de 2018

hiperligação | 92º shooter: opus VIII - pausa




é complicado escrever quando não há assunto “do bom”. diz que até a prima Vera entrou por aí, mas eu não a vi e ao contrário do meu nariz, que a (pres)sente todos os dias – e não, “nariz” não é um eufemismo para qualquer outra parte proeminente do meu corpo… adiante.
não pretendo maçar o leitor com uma qualquer dissertação sobre os benefícios desta pausa para compromissos dos jogadores afectos a um certo e determinado empresário (com alguns dos seus negócios de “mendilhões” a serem alvo de investigação por parte dos sistemas fiscais de «ambos os dois» lados da Península…), para o tão necessário retemperar de energias da nossa equipa do coração – inclusive para essa tão desejada recuperação de quatro jogadores fulcrais para o futebol por ela praticado, esta época e que há muito se encontram no “estaleiro”. deixo essa tarefa para as bancadas dos Universos Porto do canal do Clube e para as culpas dos Cavanis dos podcasts da moda – assim eles se resolvam a gravar mais um episódio do programa, tão prometido e tantas vezes adiado. mais um pouco e igualam uma célebre entrevista de um ilustre presidente, reservada (para calendas) ao canal de televisão do Estado e subsidiado com verbas de todos os contribuintes portugueses independentemente da sua cor clubista…
também não me apetece discorrer sobre as mais recentes revelações dos e-mails que envolvem aquela agremiação que ao início os negou com quantos pintelhos tem o seu presidente ao cimo da sua boca e que, agora, se diverte a ameaçar cidadãos com processos na mesma Justiça que vai negando recursos hierárquicos a um dos seus principais arguidos. delego essa função para as toupeiras habituais nestas alturas – vulgo pés-de-microfone, sabujos, cartilheiros e avençados habituados a difundir a Propaganda do Estado Lampiânico que lhes impingem, nos costumeiros “Órgãos de Comunicação” tão afectos a essa gloriosa causa e que, em tempos, se deliciavam com tudo o que eram escutas divulgadas no YouTubiu por um qualquer tripula e agora clamam por «Paz» no nosso comezinho futebolzinho tuga, enterrando a cabeça na areia mais fundo do que aquele outro órgão que lhes penetra “a alma” diariamente, sem aviso prévio, sem dó nem piedade, e que eles, pelos vistos, tanto gostam e ainda imploram por mais.
muito menos quero abordar a paupérrima prestação das modalidades (ditas) “amadoras” que envergam o Brasão Abençoado ao peito e que, este final-de-semana, nos envergonharam. mais do que querer passar a ideia de que pretendo seguir em frente e ignorar um problema sério, não pretendo repetir o que o Paulo Miguel Castro afirmou aqui, a partir dos 50’ do programa e que eu subscrevo. na íntegra.
acima de tudo, mais do que chegar rapidamente esse 02 de Abril que tanto tarda, quero e desejo que esta espécie de “mini-férias” não tenha consequências nefastas para as sete finais que faltam para o que resta do Campeonato, a que se acrescenta a meia-final de acesso a esse jogo que anualmente se pratica no Estádio Municipal de Oeiras. assim Sérgio Conceição tenha presente a importância dessas “batalhas” e que a mensagem esteja a passar para todo o grupo de trabalho. quem alimenta o vasto #MarAzul que acontece desde a primeira jornada e que, mais uma vez, se prevê que venha a encher mais um estádio – desta feita, o de um dividido Belenenses –, merece-o. e mais do que ninguém!

“disse!“


Miguel Lima | 92º minuto

(este espaço será sempre escrito de acordo com a antiga ortografia. limices.)


quarta-feira, 21 de março de 2018

Do Amor e da Derrota


Escuta, uma noite destas separámo-nos. Não te sei dizer se de papel passado e tudo, mas deixámos de nos conceder esta prerrogativa da vida em comum. Como se algum dia a nossa vida tivesse sido comum. O mais estranho é que passámos todo o tempo da negociação que isto sempre envolve numa espécie de limbo. Posso garantir-te que eu e tu olhámos para o tempo a passar, para os requerimentos a decorrerem os seus prazos e, muito provavelmente, para o ar de espanto e secreta revanche mesquinha de muitos dos que terão, eventualmente, falado connosco acerca, como se tudo fosse apenas provisório. Como se soubéssemos de fonte muito segura que no fim não haveria desenlace, não este.

Víamos os acontecimentos como se estivessem dentro da vida de outros, a acontecerem-nos perante os olhos, sem que os parássemos porque aquilo não ia passar-se. Como não ia, nenhum de nós precisou de sair da sua fortaleza de razão, de dar um pequenino passinho na direção do outro que nos teria posto a correr aos dois. Para quê? Era tão evidente que este nó no estômago desapareceria de súbito, tão estupidamente claro que nunca - mas nunca, percebes? - iríamos deixar que um dia alguém chegasse a uma folha deserta e escrevesse: Escuta, uma noite destas separámo-nos.

É pois sem perceber bem como, que me vi sentado a uma mesa redonda, branca, de cadeiras brancas, tudo a fazer lembrar aquele mobiliário lacado de antigamente, de lado para ti, como é costume sentarmo-nos em mesas redondas só os dois, de forma a que não fiquemos muito longe, fora do alcance da mão. Mas super-design, está claro. Ou não, não tenho a certeza. Só sei que ninguém, em nenhuma esfera do saber ou sentir, alguma vez achou de mau gosto as tuas mesas e as tuas cadeiras. Sim, porque eram tuas, na tua casa. Assim, tua. Não nossa. Eu continuava com o estômago às voltas e a pensar: Mas quando raio é que acaba o disparate e volta tudo ao normal?

Sei hoje que tu pensavas pouco mais ou menos o mesmo, acrescido de um azedume sem razão aparente. Afinal, eu estava certo de que tinhas percebido que a razão era minha e que não poderia, jamais, fazer de conta que não a tinha. Enquanto tu te limitavas a não querer dar o braço a torcer, mais nada. Mesmo agora, aqui chegados. Como te podes atrever?

Do que falámos não sei. Sei que a tua amargura tinha tudo a ver com uma namorada muito jeitosa que eu devia manter à época. Ainda tenho muita pena de nunca a ter visto. Mas pronto, era do conhecimento geral, e teu muito em particular, que ela existia e as fotos - penso que haveriam fotos ou redes sociais ou alguma prova mais credível que estas linhas - comprovariam que era muito apresentável. Oh, que digo? Sabíamos todos que era um espanto, pronto. E só mesmo essa parte do teu fel por mim é que não conseguias disfarçar tão bem. Tudo o resto em nós era urbanidade e familiaridade e uma certa cumplicidade que sobrevivera. Tanto que sei que me aprestava a subir ao andar de cima, como se isso fosse vulgar, para desancar a mais nova por não se ter despedido do pai, antes de ir dormir.

Eu o mesmo. Mas tu, ai tu, tão outra. Engordaste a olhos vistos e ficaste tão menos bonita. Com o cabelo armado, à professora primária de antanho. Já se vê que o saia-casaco castanho, naquele tecido estranho que parece cheio de borbotos, com saia abaixo do joelho e os sapatos pretos, de salto baixo, à balzaquiana, não ajudavam nada a compor-te. E eu pensava: Caramba, mas porque é que se me rebola desta maneira o estômago, à conta desta senhora? Porque estarei tão angustiado por não se acabar já de repente esta situação inusitada e tudo voltar atrás? E, sobretudo, porque é que tenho tanta certeza que quando tudo estiver de novo no seu lugar, também tu serás tão bonita como te recordo?

...

Escuta, uma noite destas o Porto perdeu com o Paços de Ferreira. Tu já dormias quando cheguei, porque acrescentei tertúlia à derrota: um bando de tipos a carpirem-se diante de cervejas geladas e molho de francesinha. E eu vinha acabado, moído de rever as bolas que deviam ter entrado, chateado da chuva e dos quilómetros e de toda a gente a dormir. Por nada. Perdemos, foda-se.

Devo ter adormecido relativamente depressa. Tu sabes que quanto maior a chatice, mais depressa e mais profundamente durmo. Fujo. E foi então que o meu inconsciente se decidiu a colocar-me perante uma verdadeira derrota. Não sem ter o cuidado de me apaparicar e te deixar claro o que te faria perderes-me. Como de repente serias uma pessoa amarga e feia e gorda e com as gengivas todas arrepanhadas e os dentes cariados. Lembrei-me agora mesmo disto da boca, não estou nada a inventar! Ninguém te pegava, pelo que permanecerias minha. Acho que era esse o objetivo do extreme make-over.

Confesso que acordei zangado contigo. Porque a razão era mesmo - repara, eu sei isto! - minha, independentemente de qual fosse o problema. A esse, desconheço-o. E tu esperaste que eu relevasse esse facto em beneficio do teu orgulho e deixaste-nos cair. Deixámos. Na certeza de que o outro acabaria por evitá-lo. Perdemos, como o porto em Paços. E em nenhum pedacinho do meu sonho eu quis saber do futebol. Aí tens.  

...

quarta-feira, 14 de março de 2018

hiperligação | 92º shooter: opus VII - xadrez



"na Vida, ao contrário do que acontece no xadrez, o jogo continua após o xeque-mate."

correu muito mal, não foi? pois foi. e deu razão ao postulado #6 das Leis de Murphy: «se se perceber que uma coisa pode dar errado de quatro maneiras e, mesmo assim, conseguirmos ‘driblá-las’, uma quinta surgirá do Nada».
e foi precisamente isso que aconteceu, na cidade destes senhores do Rock aqui, ante o time local que equipa com uma cor demasiado rubra para o meu gosto: não deu para marcar seis golos e “virar” a eliminatória, tal como eu esperava. ao menos ganharam-se dois novos valores para a equipa principal: Bruno Costa e Diogo Dalot – sendo que este último é que é a “quinta” cena do sr. Murphy, porquanto que, com o valor da sua cláusula de rescisão fixado em meros 20 M€, tal são «peaners» para os tubaralhos da Europa, tanto é o seu potencial. esperemos que ainda seja possível a renegociação do seu contrato…

quanto ao que aconteceu em Paços de Ferreira, ainda estou doente (literalmente).
na partida disputada em terras do Vale do Sousa aconteceu o disposto no nr. #9 das malfadadas leis, e que refere que «acontecimentos infelizes sempre ocorrem em série». ele foi a meteorologia (com uma intempérie que ninguém contava em pleno Inverno); ele foi o vento forte (com um sorriso particular do jeBus, neste capítulo); ele foi o estado do ervado da Mata Real (sem ironias, exceptuando os recintos dos três grandes, considero que mais nenhum estádio reúne condições de excelência para intempéries como a do passado Domingo – e não me refiram o Alvaláxia sff…); ele foi o anti-jogo elevado ao Absurdo de toda a equipa do Paços; ele foi a basta Paixão aliada a um complexo Xistrema; ele foi tudo isso que Sérgio Conceição referiu na Conferência de Imprensa, mais um maletim ‘Louis Vuitton‘, repleto de muita Boaventura, #alegadamente expedido por via dos Césares desta vidinha. em suma: ele foi o diabo a sete, mais t-u-d-o o que já se contava que poderia acontecer e um saco de tremoços, e tendo em linha de conta o que as E-Toupeiras vinham escavando ao longo da semana.
agora, para mim, depois de um jogo desgastante para a Champions, acho que não se consideraram as “outras” incidências que antecedam a partida e pertinentemente expostas aqui, via shôr Bala – a saber:
« também convém recordar que, esta época, perdemos pontos em 4 jogos. para além dos dois Clássicos, empatámos com o Aves (que na altura ia em 16º) e com o Moreirense (que ia em 15º). não podemos perder mais pontos nestes jogos. é absolutamente imperial não dar oxigénio ao mais directo perseguidor.»

sem pretender ser maçudo e contestar, na praça pública, decisões e/ou escolhas que competem ao Treinador, só não compreendo a aposta num Corona letárgico e que comprovadamente ainda não ultrapassou o drama familiar (Jesús, que jogo horrível! mais um…); as entradas tardias do Gonçalo e do Otávio na partida; o Paulinho não calça porque?…; que mal é que fez o Óliver para ir para a bancada?… são só dúvidas e sem qualquer maledicência na sua exposição.
por outro lado, deu para perceber que o Waris não é reforço para esta equipa, porque voltou a desaproveitar uma oportunidade e logo num jogo em que tinha que marcar a diferença – assim como o Hernâni; que a lesão que o Victorio Páez sofreu em Anfield Road veio na pior altura (cucaralhinho, ó Murphy!); que os “patinhos feios” Herrera e Marega são pedras basilares, quase autênticos “cisnes”, no estilo de jogo que Sérgio Conceição implementou; que o Sérgio Oliveira deixou os ‘huevos’ algures, de Janeiro de 2015 à presente data (e #alegadamente com muita pena para a sua companheira).

concluindo (e baralhando):
E-Fodido perder assim, sobretudo porque fica esse E-Amargo de boca de que não se fez tudo o que estava ao nosso E-Alcance. agora, E-Lidar com a amargura, esquecer (se for possível) a E-Azia e começar a preparar convenientemente o ‘derby’ já do próximo Domingo. E-Isto mesmo, pura e simplesmente e sem E-Esquemas.
muito do xadrez deste campeonato passa pelos embates do próximo final-de-semana – e assim se justificam a imagem acima, bem como a citação que supostamente pertence a um escritor e bioquímico americano, mas nascido na Rússia, no início do século transacto, de seu nome Isaac Asimov (investiguem…). se teremos pela frente um adversário que, contra nós, é sempre aguerrido e bravo, tentando ultrapassar o “remendado” complexo que fica próximo da rotunda que lhe empresta o nome – alguém se lembra do que aconteceu em 2003/2004? eu não me esqueço… – já o 5lb terá uma fogaça complicada para digerir, lá pelas terras do taberneiro desta casa, assim como o sportém receberá um sempre afoito Rio Ave (e por mais “invenções” que o Spaletti dos Arcos teça).
acima de tudo, é importantíssimo vencer a nossa partida, onde estará presente o #MarAzul que acompanha esta Equipa desde o início da época. é esta a minha última palavra num texto que já está longo: o reconhecimento público e o apreço por tod@s que têm emprestado muito do seu tempo para apoiar incondicionalmente o nosso Amor comum. indubitavelmente muita da sua Força passa por vós e como bem têm reconhecido os nossos artistas.
[já sobre as obras de remodelação do balcão que o proprietário deste espaço está a encetar, ficarão para outra oportunidade.]

“disse!“


Miguel Lima | 92º minuto

(este espaço será sempre escrito de acordo com a antiga ortografia. limices.)

sexta-feira, 9 de março de 2018

hiperligação | 92º shooter: opus VI - Dia Internacional da Mulher




"we'd rather starve quick than starve slow."

Fevereiro de 1909.
os relatos da época dão conta de uma marcha, no frio de uma gélida Nova Iorque em início de século, de cerca de 30 mil manifestantes, na sua maioria mulheres. lutaram por direitos que actualmente damos por garantidos, à nossa nascença, como sejam melhores condições de vida (a Fome era um dos flagelos sociais), de trabalho (com uma necessária redução do número de horas de labuta), ou até o direito ao voto (nos EUA, só aconteceria em 1919; em Portugal e sem qualquer discriminação e/ou restrição, somente em 1968). a citação acima refere-se ao slogan proferido na marcha reivindicativa, no último Domingo daquele mês.
mais de cem anos depois, os propósitos do 08 de março e da persistente luta contra as desigualdades de género, não só a nível salarial como no acesso ao trabalho mantêm-se válidos. em Portugal, aqueles são ainda mais apropriados graças aos dislates diários das #inCapazes… adiante.


transportando esta efeméride para o Futebol e naquele que deveria ser um momento recordado diariamente por qualquer bom chefe de família que se preze, mesmo pelos que entretanto terão sido constituídos arguidos, e não num singelo dia de Inverno, a cada ano que passa, e assim que chega a casa e antes de alapar o traseiro no sofá para ver a bola (excepção para o Felisberto, graças às ‘herreras’ de um certo Hector…), neste texto quero homenagear as adeptas portistas naquela que, para mim, é a figura maior do nosso Clube, no Feminino e sem qualquer menosprezo para as demais.
trata-se de alguém que invoco a cada ida ao estádio e antes que a ‘chichinha’ comece a rolar; de alguém que me provoca arrepios na pele e até lágrimas de comoção e de uma esfusiante Alegria; de alguém que me faz gritar o nome do Clube a plenos pulmões; de alguém que faz parte integrante dos símbolos do FC Porto e que, por isso mesmo, será Imortal; de alguém que é muito nossa, não só do Clube, mas também da cidade Invicta.
refiro-me a quem empresta a voz ao hino (e à marcha) do FC Porto, Maria Amélia Canossa de seu nome de baptismo.

sinceramente acho que mais palavras minhas serão desnecessárias, neste momento, porque a pessoa da D. Maria Amélia é sempre superior a qualquer tratado que possa elaborar. e porque só a lembrança do hino do Clube, enquanto redijo estas linhas, faz com que não tenha o tão necessário discernimento para continuar a escrever. assim sendo, espero estar na plenitude das minhas forças já ao final da noite deste Domingo, naquela que será certamente mais uma dura Batalha rumo ao objectivo que tod@s nós ambicionamos e deixámos bem expresso em Liverpool. assim seja!

“disse!“

Miguel Lima | 92º minuto

(este espaço será sempre escrito de acordo com a antiga ortografia. limices.)



quarta-feira, 7 de março de 2018

Uma carta ao Dragão Vila Pouca

"Pois claro que a culpa é minha."

Grande Dragão Vila Pouca,

Espero que estas linhas o encontrem de saúdinha e com a genica do costume. Nós por cá, todos como manda o Senhor. Quer dizer, talvez não propriamente. Tem dias que de tanto pecar chegamos cansados à noite. Nós por cá, todos como gostaria de estar o Senhor, é melhor assim. Normais, portanto. Às vezes alegres, outras macambúzios, alturas que cantamos, alturas que choramos, alturas que fugimos. Bem vivos, acho que é isso.

Cá me entregaram o seu abraço. Apesar de contente por se ter lembrado, está claro que fiquei triste por não nos termos cruzado para o deixar em dia com as contas do vilarejo. Por outro lado, não é como se perdesse grande espingarda com isso, embora eu bem saiba que a distância traz a saudade e a saudade é uma cabra que aumenta a importância de tudo e torna as coisas estranhamente bonitas. Menos a Tina Mamalhuda. Essa, não há saudade que a embeleze. Parece que o vejo a sorrir dos olhos por trás das lentes de sempre, a pensar que com aquele par de mamas pode muito bem dar-se ao luxo de ter a cara que lhe apetecer. O tempo passa, Grande Vila Pouca, e a gravidade faz-se pagar. Até quase aos joelhos que já vai a conta.

O nosso pobre clube é que parece não ter remédio. Ele foi a fruta - lembra-se com certeza, ainda o meu amigo por cá parava basto, à época - ele foram apitos para todos os gostos, ele foi trinta por uma linha. Telefónica, está claro. Os jornais e as televisões e as rádios e essas coisas modernas que estão dentro dos computadores, até hoje nos lembram dessas embrulhadas. Olhe, cá para mim era bom sinal. Queria dizer que nada de novo e mais grave se passava, graças ao Senhor, que aposto que também acompanha a bola.

Há uns tempinhos, comecei a ouvir uns zunzuns, um rumorejar de situações, coisas soltas e de pouco destaque, escondidas em obscuridades irrelevantes. A pessoa, em procurando com afinco, indo a casa de amigos de posses, com canais muitos de televisão e isso tudo, lá se ia inteirando de uma ponta solta ou outra. Pelos jornais e as televisões e as rádios e até as coisas dos computadores - quase todas - enfim, pelos meios do Povo e pelo Povo, não se apanhava nadinha. Ruminando sobre a palavra, veja bem como é parecido Povo e octópode.

O amigo Vila Pouca já me conhece e já se vê que fiquei logo com a pulga atrás da orelha. Por vezes, depois de algumas retumbantes vitórias sobretudo, punha-me a pensar de mim para comigo: Oh Silva, tu não me arreganhes assim a taxa que isto há aqui qualquer coisa que cheira a esturro. Põe-te fino que, vai-se a ver, já anda a máfia do costume a conspurcar o Brasão Abençoado e tu todo feliz a ganhar, mas é só porque compraram tudo e todos e mais os colhões do mudo.

Pois bem, o que tenho de novo para lhe contar é velho. Foi isso mesmo que aconteceu. Veio agora a saber-se que andámos a receptar a correspondência alheia, uma espécie de cartas pueris que pessoas bem intencionadas enviavam umas às outras, acerca de assuntos que apenas a elas concerniam. Estou a escrever-lhe estas linhas e sinto-me enrubescer de vergonha. Mas por Alma de quem, por qual estranha razão ou inconfessável fetiche, é que esta gente decidiu meter-se na vida dos outros?

Confesso-lhe que não tenho o alcance mental para compreender. No fundo, sou um taberneiro, o que sei melhor é servir copos de três e tirar finos e, mesmo assim, foi com os anos que aprimorei. Como posso então entender estas coisas das modernidades? O que importa, caro amigo, é que, como seria de esperar, andámos a ganhar por vias travessas e sem respeitar o próximo e a verdade e essas coisas todas. Mas não creia na minha palavra, tire-se do seu descanso, em não lhe faltando o tempo, e consulte os arquivos dos jornais e das televisões e das rádios e os discos rígidos - parece que é assim que se chama o sitio dos computadores onde se guardam as memórias e os futuros - e verá que não lhe minto.

É certo que fui equilibrando o desgosto com a união que regressou aos nossos, bancada e equipa a comungarem. Pudera, os resultados vão ajudando, se pudermos ignorar a forma ignóbil como aparentemente os estamos a obter. E disfarçamos, Vila Pouca, dissimulamos, como se não soubéssemos à partida que íamos ganhar. Armam-se dificuldades, ensaiam-se superações, constroem-se belas jogatanas e fartas goleadas. Como dizem os verdadeiros entendidos, vê-se logo que não pode ser limpinho, limpinho, malditos tripeiros. Isto dos tripeiros, dizem eles. Está claro que eu me incluo por adopção, se não de sangue, de coração. Como diz o senhor Monteiro da Silva nas noites em que exagera na amarguinha, a escolha é sempre maior do que já nascer assim.

Grande Dragão Vila Pouca, quase nada me daria mais gosto do que terminar aqui a minha missiva, abraçando-o, pedindo-lhe que não demore a voltar, desejando-lhe longos e belos dias. Só que não posso. Devo-lhe a verdade completa, até para que não seja apanhado na curva por algum adversário menos compreensivo.

A coisa está à beira de estalar de vez. Tudo o que não aconteceu antes, está a passar-se agora. Prenderam um dos nossos! Das nossas cores desde o berço, ferrenho e fanático, metido em atividades e passividades, se entendi o que por aí se escreve e se grita, numa rede intrincada de favores e jeitinhos. Já não podemos sair à rua de cara descoberta e cabeça levantada, borrados que estamos. Prenderam-no, Vila Pouca. E agora? Como é que vamos dizer que não tem nada a ver com o clube? Quem pode acreditar que a culpa não é do Pinto da Costa? É de quem então? Do Cavani?

Espero não o ter desinquietado por demais. Se o fiz, peço-lhe perdoe o desabafo deste seu pobre correlegionário, para aqui atirado como tantos. Compenso a sua paciência enviando, no pacote junto, um belo chouriço cá das nossas terras, curado nos ares da magnífica Capital.

Aceite um grande abraço deste que o estima,

Silva

sexta-feira, 2 de março de 2018

Vinte mil léguas submarinas

...oh happy days...

Sempre gostei de me ver como um animal com tendência aquática. Pelas horas no duche, por exemplo, ou pelo facto de estar inscrito num Centro de Desenvolvimento Muscular - ginásios é para maricas - no qual me dedico de corpo e alma à modalidade de boiar na piscina. Até já tive um chefe que me disse: Oiça, à água que você mete, se lhe pintarem umas pistas na careca, mais parece o Slide & Splash. Bom tipo, o chefe. Pena o atropelamento e fuga que o deixou paralímpico do pescoço para baixo.

Não é pois de estranhar que me tenha parecido uma ideia muito catita agraciar os alunos da aula de Hidroginástica com a minha participação. Está claro que a minha intenção era ser mais um, ajudar a equipa, remar todos para o mesmo lado, o que importa é o grupo, sem os meus colegas nada disto seria possível e isso tudo, levantar a cabeça e pensar já no próximo jogo. De tal maneira que até evitei, propositadamente, vestir os meus espetaculares Speedo que, diga-se em abono da verdade, me ficam muito bem. O abono ajuda, por ser uma verdade tããããooo evidente. 

Isto era sobre o quê? Ah, exatamente! Fiz questão de comparecer com um singelo calçonete preto, basto discreto e largueirão. A minha mais que tudo que nem saiba que fui nestes preparos. Não gosta nada daqueles calções, a cachopa. Diz que fico a cheirar a chulé das virilhas. Mas eu pensei: Oh Silvas, quem é que nos vai agora cheirar as virilhas na Hidroginástica? E procedi a ligar-lhes, para perguntar se andavam no sítio tal e, em andando, se iam à Hidroginástica. Ninguém ia, um descanso. 

( Pausa para contrição: 
Era uma piada demasiado suculenta, ‘mor. Sabes que as minhas virilhas são só tuas. Mais ninguém mas snifa que eu não deixo. Siiiim, todo polvilhadinho de pó-de-talco. Não zanga, não? Não faz piada parva com Nelson Évora, não? Pueeaaaaseee? Estou tão fodido, credo.)

...

Afinal, o que vem a ser isto da Hidroginástica? É fácil de perceber, e o nome ajuda um bocado, que se trata de um grupo de fulanos e fulanas aos pinchos dentro de água. Tipo a minúscula piscina de um  aldeamento manhoso em Quarteira, com mais putos ranhosos do que cloro por metro cúbico. Só que são os bisavós dos miúdos. Um gajo pensa: Fuoda-se, só espero que esta merda tenha um sistema de aspiração central de cadáveres no fundo, ao número de velhinhos que vai quinar, fica isto mais pejado de corpos a boiar do que uma ETAR no The Walking Dead. Mesmo o cheiro há de ser parecido. Fixe para a questão das virilhas.

Já sei que estão todos indignados, a achar que sou uma besta que não respeita ninguém e que me ponho a fazer troça de toda a gente, como se eu próprio não caminhasse para velhote. É mesmo essa a questão: eu vi-os a caminhar. Dos balneários para a piscina. Todo um festival de artroses e joanetes, de costas doridas e semicorcundas, de peles caídas e dentes em falta, de ais, uis e entãos está melhorzinha. Pá, desculpem qualquer coisa, mas parecia mais que tinham vindo de jogar com o Canelas do que iam para a Hidroginástica. 

À frente deles todos, a instrutora. Uma moça fresca e viçosa, com ar de quem não se ia meter na água com aquela trupe, nem que lhe pagassem o turno a dobrar. Alto! Há que tomar, discreta e modestamente, um lugar à frente dos velhadas. O melhor aluno fica sempre na carteira da frente, já se sabe. Qual Nelson Évora da natação sincronizada. Incha!

Caso nunca se tenham apercebido, escutai com atenção o Tio Silva: os velhinhos enganam. São uma raça de gente dissimulada, levada da breca, ora agora parece que sim e, vai-se a ver, nada disso. Trôpegos até a la borde de la piscine, perros a agarrarem-se às escadas, a ranger de tudo quanto é articulação a descerem os degraus e de repente, não mais do que de repente Senhor, plumas!

Quase que oiço as trombetas do Céu, voam em círculos perfeitos pequenas fadas, são tão foooofaas! É isto o nosso elemento primordial, não haja dúvida. Aquele em que os decrépitos de ainda agora se tornam nos ágeis anfíbios do momento. Autênticos Aquamen, todos enrugados das trombas.

Ainda assim, o cenário parece muito favorável. Uma piscina cheia de anciãos, com um alto e espadaúdo mancebo - um vosso criado - à frente da turma. Raisparta se não vou ser o maior deste tanque. Andar aos pulinhos dentro de água é-me praticamente inato. A mãezinha teve muitas vezes que se amarrar a coisas pesadas, para não andar aos pinchos como uma bola de basquete, quando estava grávida de mim. Da Esperança do Mundo, portanto. Até acho que foi aí que inventaram a expressão e tudo.

Ora começa a dança, pulinhos, mexe os bracinhos sem levantar água, pulinhos, levanta a perna esquerda para a frente, pulinhos, agora a direita, pulinhos. Well, não se pode dizer que seja muito entusiasmante, lá isso não. Não fosse estar a pensar que uns 80% da turma já devia estar à beira do afogamento ou da síncope, acho que já tinha adormecido.

Agora alça da perna esquerda para trás e toca com a mão direita na ponta do pé. Hã? Esta merda agora é acro-ioga em fato de banho? Disse como? A perna...espera... Estou dentro de água, foda-se!, eu sei lá qual é a perna esquerda. Aguenta, aguenta, acho que lhe apanhei o jeito. Troca o quê? Qual ao contrário? Devagar, caralho, que já vou no segundo pirolito à conta das pernas trocadas. Como assim passa a esferovite por trás das costas e faz bicicleta com as pernas? Isso é sequer possível? Meti-me com os tarados do Kama Sutra underwater para a terceira idade, kéjbêr? Opá, já sei que é de papo para o ar, esta merda virou-se sozinha, que queres que lhe faça? Uma moça tão nova e já a gritar tanto, chiça. Estou a tentar, estou a tentar, vão-se rir da puta da vossa prima, velhos dum cabrão. Oh senhora, mas como é que eu posso levar os joelhos ao peito, dependurado num chouriço de esponja? Cá está, o melhor que se consegue: uma barata a dançar breakdance enquanto sofre um ataque epiléptico.

Viro-me para olhar para os colegas. Todos em movimento, maldita gravidade alterada. Como é que ainda estais vivos é que me espanta. E com um ar vermelhusco, cansados mas sadios. Só espero que não se tenham mijado todos pelas pernas abaixo, credo. Havia de ser obrigatório o uso de fraldas, daquelas de os bebés levarem para a água. Em tamanho xxl, já se vê, que Speedos apertados não ficam bem a toda gente. A partir de uma certa idade, os indivíduos e as indivíduas deslargam-se com alguma facilidade. Digo eu, mas sou uma pessoa muito nervosa.

Acabou! Ufa, finalmente. Eles vão saindo, as dificuldades de locomoção a fazerem-se pagar mal põem um pé em seco. Eles e os seus sorrisos trocistas, filhasdaputa. Ri-te, ri-te, quando deixares de aparecer porque faleceste, eu também me vou rir. E aproxima-se a porca Nazi que tem a mania que manda nisto tudo:

- Oiça, à quantidade de água que você bebeu, se engolisse um escorrega... - Interrompo:

- ...era o Slide & Splash, já sei. Faça cuidado a atravessar a rua, hein?! Vivemos dias complicados, cara senhora.

E fui embora, disposto a gastar tanta água quanto possível na minha merecida e retemperadora banhoca. Acho que aquilo do TRX é mais o meu género. Não sei, é malta mais nova e uma vez estava a tocar o Run to the hills e assim. Um dia destes experimento.