terça-feira, 28 de abril de 2015

Interlúdio: O Mundo ao contrário.





Definitivamente, tenho que abrir a Tasca mais tarde. Enquanto o Sol não nasce, as noticias são uma espécie de Twilight Zone. 

Baltimore está em estado de emergência e de sitio e isso tudo, incluindo recolher obrigatório. Mais uma vez a policia parece ter feito asneira da grossa e morreu alguém que estaria sob sua custódia. Revolta com contornos étnicos e protestos generalizados, a meter carros incendiados, montras partidas e lojas assaltadas. No Mundo ao contrário isto deve fazer todo o sentido. Nem estou a ver como é que se pode protestar contra os maus tratos da policia de uma forma que não obrigue a...policia a intervir.

Ao mesmo tempo, por cá, em jeito de comemoração do Dia da Segurança no Trabalho, ou algo que o valha, o Sindicato dos Inspetores do Trabalho declarou greve. E porquê? porque há trinta mil (T-R-I-N-T-A, como os anos que leva o 5LB sem ganhar dois campeonatos seguidos) multas à espera de serem instruídas. Vai dai, a Autoridade para as Condições no Trabalho, ou algo que o valha, botou os inspetores a instruir os autos. Pois que não pode ser. Se isto fosse uma empresa, diríamos que há trabalho atrasado que é preciso recuperar. Querida, hoje vou chegar tarde, por causa da merda das multas atrasadas. Juro que não vou pá Tasca do Silva emborcar copos de tinto e falar de bola. Podes ir lá confirmar.

Mas não é uma empresa, é o Estado. Somos nós! Vai dai, o inspetor inspeciona, não está cá para fazer trabalho administrativo, mesmo que esteja previsto na sua descrição funcional. Nem pensar. Se era para isso tinha ido para outra coisa. Detetive da Judiciária, por exemplo. Portanto, considera-se que não há condições para o inspetor trabalhar e pumbas, greve! Bonito é andar na rua a autuar, mesmo que isso não sirva para nada, porque as multas nunca serão instruídas. Ainda por cima, vai-se a ver, têm trinta mil bons motivos para fazer greve. Mas parece que os Sindicatos, mandatados para comunicarem connosco, não sabem... comunicar. Faz sentido, no Mundo ao contrário.

E pronto, é demasiado cedo e a minha mente estragada solta-se em filmes maijómenos assim:

- Hey, o que está o senhor a fazer? - Pergunta o homenzinho de óculos, no seu fato barato, mas impecavelmente passado, e gravata já meio desapertada, no meio dos estilhaços da montra partida.

O outro hesita, tosse, volta a hesitar, olha para as mãos enfiadas na caixa registadora, depois para a porta de vidro desfeita, os ouvidos a estourar com o som do alarme. Encolhe os ombros:

- Procuro a minha lente de contacto?! - Arrisca.

- Olhe que não parece nada isso. O senhor está é a assaltar este estabelecimento.

- Claro que não! - Indigna-se. - A verdade é que estou a protestar contra os maus tratos infligidos pela polícia. Desculpe a mentirinha, mas apanhou-me de surpresa... - Sorri angelical.

Ele olha-o desconfiado. Ajeita os óculos com o indicador da mão esquerda. Sente o peso da pasta cheia de formulários, pensa na sopa quente em casa. Descaiem-lhe os ombros.

- Ainda acho que está a praticar o gamanço à descarada, aproveitando-se da balbúrdia reinante. Há um recolher obrigatório, está ciente disso, não está? - Retórica. Todos estão. 

- É da polícia? - Pergunta-lhe, já de olhar endurecido pela revolta. - Está a ponto de me maltratar, posso vê-lo na sua expressão. Já nem se preocupam em andar fardados... - É interrompido:

- Digamos que o que me preocupa verdadeiramente é o senhor estar aqui a roubar sem máscara, nem uma arma que se veja. Tem seguro? Quantas vezes folga por semana?

- Aaaah, Inspetor do Trabalho! Vai multar-me? Sou um empresário independente.

- Estou muito tentado....

- Bolas! Tenho que pagar já?

- Não. Depois recebe uma notificação na sede.

- Em quanto tempo? - Olha para as poucas notas na caixa. Prossegue: - Este mês não me dá jeitinho nenhum...

- Isso não sei. Ninguém me paga para tratar de burocracias. Sou inspetor, inspeciono, nada mais. Era o que faltava!

- Podíamos resolver isto discretamente entre nós, não acha? - Pisca um olho.

- Eventualmente poderíamos, mas hoje não. Estou em greve, só cumpro serviços mínimos.

- Ah...

- O triste espetáculo de estar a roubar nestas condições, faz parte dos tais mínimos, pelo que tenho mesmo que o autuar. Já o suborno, teria que ser numa visita rotineira num dia normal. E isso era se eu fosse subornável. Nada feito meu caro, desculpe lá o mau jeito...


...

- Oh, tá bem! Mas não te ouvi dizer nadinha sobre o facto de serem precisos quatrocentos mangas para fazer aquele trabalho e estarem lá trezentos. E essa do suborno é uma baixaria pá. Generalização estúpida, porra! Andas a ficar meio facho, ai andas, andas. E se te limitasses à bola? 
Era aparecer aí um afro das américas armado em Lopetegui e dar-te una boga en el focinho e limpar-te a caixa. 
Pega lá os cêntimos do bagaço e até loguinho. Não venho aqui matar o bicho para me enervar, carago!

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