domingo, 19 de julho de 2015

Senha 118: Contributos para a recuperação económica, por Mr.Hyde



Quando a máquina me dá a senha número cento e dezoito e o ecrã me diz que no talho a coisa vai no sete, eu sei que o meu enemy inside começa a esfregar as mãos de contente. Uma espécie de adepto lagarto em inicio de campeonato, vá. Há um Eu antes e depois desse fatídico número e do que ele implica. Podia ignorar e ir embora, está claro. Mas depois quem é que me ia sorrir e desossar a peça do cachaço? Sou bastante fiel ao talho do meu sítio do costume, porque me fazem as vontadinhas todas, incluindo sacar a pele e partir ao meio as pernas de frango com costa em promoção.

As cento e uma pessoas antes de mim é que se estão a danar para isso. E a espera é o alimento favorito do meu Mr. Hyde. Habitualmente cordato, apesar do frequente ar Hell Angel desmotorizado, há um outro Silva que me possui - oh si cariño, pero suave, suave - e me torna num dos tipos mais desprezíveis que tenho o desprazer de conhecer. Assim uma espécie de antes e depois da senha número cento e dezoito, mudando-me a perspetiva dos outros que esperam comigo. Porém, à minha frente. Veja-se:


  • A senhora gorda com um catraio. Compra barriga para cortar em rojões.
Antes da 118 - "Pobre senhora, vem para aqui às compras e tem que carregar o catraio atrás. Não lhe deve dar jeito nenhum. Naturalmente, tem em casa um marido que é uma besta. Então não podia ter ficado com o puto? Porra pá, há gajos muito inúteis. Mas aposto que é ele que morfa 90% dos rojões, com uns 5 litros de vinho. Felizmente a senhora é bem constituída, não me admirava nada que o energúmeno fosse violento. Oxalá ela o avie um dia destes. Pobrezinha..."

Depois da 118 - "Gorda do caraças pá! Olha prakilo, pumbas, barriga de porco. Cheia de gordura, para ficares ainda maior. Foda-se, já pareces um planeta sem esse toucinho todo, imagino depois de 3 toneladas de rojões. E o puto irritante há-de ir pelo mesmo caminho. Tenho a certeza que o vi no corredor dos chocolates. Aposto que o pobre pai e marido ou morreu ou anda a monte. Pudera, com este camião e respetivo atrelado, até eu me punha ao fresco. Vai-se a ver, comeram o homem, coitado.
Este tipo de gente devia estar proibido de comprar carne de porco. aliás, qualquer carne. Nem sei se não haviam de a barrar à entrada da loja. A brincar, a brincar, ainda se poupavam uns milhões. É que isto é uma malta que deve gastar pipas de massa em remédios para o colesterol e isso tudo. Dinheiro de quem? Do contribuinte, claro! O meu dinheiro! Leitoa dum camandro, anda a comprar entremeada com o meu dinheiro... "

  •  Casal de velhinhos. Indecisos sobre peito de frango ou bifes de peru.
Antes da 118 - "Opaaaaaaaaaa, que queridos! Oxalá andem de mãos dadas. Vou estar atento o resto das compras, a ver se os apanho de mão dada pelos corredores. Deus queira que eu e a Bicicleta possamos envelhecer assim: ternurentos. Que escolheríamos nós? Huumm...peito de frango. Panado com molho de tomate e abacate. Ou marinados em lima e mel e grelhados. Aposto que estou com um sorriso estúpido..."

Depois da 118 - " Tá tudo fodido!! Agora os velhos não sabem o que querem! Paaaa, kékimporta se levas frango ou peru? Kemkersaber dessa merda? Já se deviam dar por felizes por conseguirem comer alguma coisa que não esteja liquefeita. Mas isto é o que dá andar o Estado a pagar próteses a tudo o que é velho. Depois vêm para aqui empatar a vida de quem tem pressa. Levem borrego, é a mesma trampa!
Quanto mais penso nisto, mais me parece que não é descabida aquela coisa da eutanásia compulsória. Epá, a partir do momento em que o meu amigo não se consiga decidir sobre se quer comer peitos de frango ou bifes de peru, pumbas, já foste! Era cá uma poupança em pensões e reformas e o diabo a quatro..."

  • Rabo de gaja. Pede um naco de lombo feito em bifes, grossinhos.
Antes da 118 - " Bifinhos, pois com certeza. Kakeles glúteos não ficam assim a comer gorduras de porco e hormonas de aves, não ficam não. Aposto que o carrinho deles é aquele cheio de legumes. Há-de acompanhar com um grelinho salteado - giggle giggle in my head - ou uma saladinha fresca. E ginásio, ah poijé, kakeles músculos não se enrijecem sozinhos..."

Depois da 118 - " E tirares o befe da frente da montra, não? Ai vejam bem o meu traseiro, uh! Se podem olhar para o meu rabo empinado, para que quereriam olhar para o preço do bife do vazio? Merda para estas gajas pá. Detesto estes cús cheios de si. Claaaaaaaro, lombo! Eu vi logo. Ah pois, eu compro do corte mais caro. Porque estou na indústria da prostituição! Queres apostar? Vaca do cacete! É que vi logo, não tem nada que enganar. Estas topam-se à distância. Ui, ui, grossinhos, já se vê. É trabalho, é trabalho, mas não quer dizer que uma pessoa não goste do que faz, né? Grandessíssima e alternadíssima meretriz!
Quando, mas quando senhores, é que esta malta começa a pagar impostos? Aí é que eu queria ver se andavas com calças Gucci e compravas bifes do lombo. Mas nãããããõooo, quem paga é o Silva. Olha, se ficares com chatos ou gonorreia ou lá uma dessas merdas que vocês apanham, tu vai-me logo ao hospital público, tajóbir querida? Não te incomodes, tenho todo o prazer em pagar. Eu e os outros anormais que pagam impostos. Merda para isto pá..."

  • Eu
Antes da 118 - " Bom dia meu amor. Já acordou a minha linda é? Precisas de quê? Claro docinho, fica descansada. Não esqueço, claro que não. Lá me esqueço de um pedido seu, milady... Sim, sim, volta a dormir querida. Quando eu chegar acordo-te (risinhos e palavras indecifraveis). Beijos, hmmmm..."

Depois da 118 - " Que foi? Estou na fila do talho, diz lá depressa. O quê? Sei lá o que é isso, depois vens cá e compras. Não deve ser muito urgente né? Antipático não, estou aqui desde as dez. E tu? Estás a fazer o quê exatamente? Aaaaahhhhhh poijé! 
Mas olha, aproveito já para te dizer que acho que devíamos meter uma garrafa de litro e meio nos autoclismos. Não pá, a garrafa mesmo. Cheia. É menos isso que gastas em água, porque aquilo ocupa espaço, tajaberohnão? Falamos depois nada! Não estou a ver porquê. É uma altura como qualquer outra e não vejo o que tem o assunto de descabido. Eu cá não tenho nada melhor para fazer..."

...

- Às vezes também me irrito quando alguém apanha o jornal primeiro. Parece que demoram imenso a ler...
- Pois, vê? Não é como se fosse um paranóico perigoso, não acha?
- Pois...Isso já não sei, Silva. Parece-me bastante esquizofrénico... Hey, não se ponha com esse ar que me assusta, dasss...



6 comentários:

  1. "- Tou? Bom dia, Luv. Onde andas?
    - #$&/"=#**
    - Ainda às compras? Boa!
    - &#!**
    - Não percebi, tás com pouca rede. Não tem mal, se me ouvires é suficiente.
    - ............
    - Não te percebo, não vale a pena, ouve só: tampões, preciso de tampões. Acho que o período me há-de vir por estes dias e lembrei-me que acabaram. Que estupidez, já fui às compras uma série de vezes e não me lembrei de trazer. Olha, nada de marcas brancas!!! E quero com aplicador. Normal! Atenção, nada de maxis... normal!!!
    - #$/*&%="**
    - Mor, não te ouço e isso irrita-me. Tampões, não te esqueças. Vou voltar ao meu soninho. Luv u.
    (Rais'parta o gajo, pá, acordou de mau humor! bah!)

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    1. Esperta como um alho a menina Gabriela... O que pensarão do pobre homem as senhoras das caixas? "Ainda gostava de saber o que faz este aos tampões. Com aplicador!!

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  2. Porra Silva, qual seria a probabilidade de te cruzares no mesmo supermercado com a minha mulher e filho, os meus pais e a minha secretária? A mesma do Sporting ser campeão? Há coisas do cacete...

    Já agora, o supra-sumo das senhas é a do melhor bolo rei da cidade na véspera de Natal. Este ano tinha 300 números à minha frente...

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    1. Looool! A probabilidade dos calimeros é menor!
      300 números deve dar pa ir ao dragão ver a bola e voltar a tempo...;)

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  3. Valeu a pena a espera!

    Estava muito bom!

    abraço

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