domingo, 11 de maio de 2014

Domingo e dores nos pés.



Nos dias do Senhor, só os velhos se deixam ficar até mais tarde. Sentam-se rentes ás paredes e confundem-se com a mobília.

Como aquele ali junto à porta. Consta que ninguém o conheceu novo, nem a mãe. Caminha em passos muito pequenos e muito cautelosos, como uma gueixa. Diz que é por causa dos sapatos. 

Um dia encontrou o par de sapatos que calça sempre. Gostou tanto deles que decidiu usá-los, mesmo que o único par disponível na loja fosse dois números abaixo do seu. 

Dobrou os dedos dos pés, entortou os tornozelos, por artes praticamente mágicas conseguiu encolher o peito do pé e, num milagre contorcionista, viu-se literalmente encaixado nos seus chanatos de sonho. Nunca mais os pôde tirar. Dorme desde então com os pés fora da cama, para não sujar os lençóis. 

- Então avôzinho, isso vai?

- Vai como sempre foi e não parece que esteja para deixar de ir, oh Silva. 
Doem-me é os pés. Mas pronto, é provável que já não soubesse viver sem esta dorzinha. Sabe-se lá que outras lhe tomariam o lugar. Maiores, menores, todas diferentes. Um susto.

Hoje, surja a oportunidade, piso-o!

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