quinta-feira, 10 de julho de 2014

Pantera Cor de Rosa, Missão: Estalinegrado


Ah, a primeira neve! Por fim. 
Tenho a imensa sorte de apertar contra o peito a minha Tokarev. Acaricio a coronha, agradeço-lhe a fome que sinto. Sim, eu pertenço ao grupo de felizardos que ainda têm fome. Não sei quantos somos, sei apenas que somos muito menos que eles. Mas pela fresta da janela entaipada, onde cabe apenas o cano da minha companheira, vejo a primeira neve...

Visto uma T Shirt predominantemente vermelha, não totalmente, o que ameaça tornar o dia bastante incongruente. Para cúmulo, tenho estampada no peito uma esfinge do Guevara, logo abaixo da proclamação: Hasta la victoria siempre! O que sobra de azul e branco nisto, é uma bandeira de Cuba. Se é para ser incongruente, então que seja siempre !
É mais ou menos herdada esta T Shirt. Mas é minha e eu preservo-a (quantos anos já?), como ao resto da roupa. Coisas tuas D. Dulce, obrigado. Poucas, mas algumas, vezes por ano ela brilha. Quer dizer, visto-a. Assim como se fosse o Presidente da Junta de Esmoriz: ninguém faz ideia quem seja, até que o mar leva a primeira linha do bairro dos pescadores e ele aparece na TV. Por trás do Presidente da Câmara, naturalmente.

Será possível? Até onde vai a confiança destes rapazes? Ou é apenas irreverência da juventude? Falta de informação? Ninguém lhe explicou?
Apesar de a farda os tornar todos iguais, olhando daqui parece-me jovem. Mais que o habitual. Encosta-se displicente à carcaça de um tanque queimado. Acho que vai acender um cigarro.
Beijo a Tokarev, penso: Não fumarás! Quase agradeço a oferta. Obrigado pela oportunidade de devolver algum do nosso sangue derramado. Neva, schwachkopf. Devias entender os sinais...

Ele entra descontraído. Peço por tudo que seja este a dar-me a oportunidade. Ando há semanas a remoer isto. A tatear o argumento eficaz, em busca da explicação que dure pelo menos uma época. Este era o tipo ideal: puto, cheio de ar, vermelho... Please?

- Olá Senhor Silva. - O sorriso meio trocista enche-me de esperança. Aceno com a cabeça, apenas. - Entãããããoooo, parece que voltaram a imitar o Glorioso hein? Rosinha, Senhor Silva?!

Obrigado, obrigado, obrigado...

O cano da Tokarev é praticamente invisível a esta distância. Mas há snippers do outro lado da Praça. Como eu deste. Treinados para perceberem o mínimo reflexo, experientes em determinar de onde vem a bala. Preparo-me para o coice da semi-automática, já de cócoras, pronto para correr para o próximo buraco. Sinto o gosto do teu sangue na boca, schwachkopf. Sabe que é uma ínfima parte de todo o sangue que me deves. Vamos pintar de vermelho esse pedaço de neve, tu e eu. A bala parte, tu morres, eu sorrio...

Nem uma palavra. Lentamente puxo o PC para cima do balcão. Levanto o ecrã. Sou um snipper soviético em Estalinegrado, meu docinho. E parece que já neva. Viro a máquina para o miúdo, aponto para a noticia:

Sara Sampaio pediu e o FC Porto deu (sim, é para clicar aqui!)

Por breves segundos, mantém o sorriso trocista. Olha para a imagem do twitter que comprova a história. Lê mais umas linhas. Tenho a impressão que empalidece, mas sei que é só a minha mente hiperbólica a enganar-me. Vai cair redondo, morto! Limita-se a trocar o sorriso por um esgar que pretende ser sorriso:

- F***-se! Ops, desculpe Senhor Silva, saiu-me...

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