sábado, 14 de maio de 2016

O jogo das diferenças

O povo sai para a Avenida, de martelinho apitante em punho, a fazer de alho porro. Os petizes lambuzam-se na gordura das farturas acabadas de fritar. Ali mesmo, de repente, qual estágio para o Santo que se aproxima. 

Toda a gente sabe que vai aparecer aquele senhor, mais o seu carro decorado, camuflado pelas cores que engalanam a Alma: Azul e Branco, como o Sangue, a Paixão e o Céu. 

Transborda a alegria nos abanões aos automóveis que descem lentamente os Aliados. A turba sem classe social, sem profissão determinada, una no grito audaz da voz de todos nós.

A roulote das bifanas estaciona debaixo do viaduto, no local já marcado dos seus pneumáticos. Em casa. Há bandeiras e cachecóis e cachorros manhosos e até cheira a castanhas. Já quase Verão. 

Canta-se na Praça, como se fosse uma bancada. E nem jogo precisa de haver. É uma Nação que se festeja e se abraça. As estrelas acenam, de cima, das varandas que lhes abrirem. 

Mas o herói está cá em baixo. Ombro com ombro com outro soldado, heróis todos. Não se dão as mãos, talvez por pudor aos calos ganhos nas trincheiras a que os condenaram, mas dão-se os espíritos: Tu és meu irmão, hoje.

E sim, pode ser que a velha, muito velha, carteirista, tenha uma noite ainda melhor que os outros. Releva-se. O Porto é Campeão, carago!

...

O trânsito será cortado a partir da hora Charlie, roger. Nessa altura o perímetro tem que estar já seguro e as barricadas montadas, escuto. Ai de quem se esquecer de verificar que todo o possível armamento - mesmo o mais rudimentar e o menos plausível - foi retirado do local, entendido? 

São apenas cinco aberturas para se deixar escoar a multidão. Fortemente guardadas. Edifiquem-se umas torres em caso de necessidade. Toda a gente revistada antes de poder aceder ao espaço do altar. Ou da estátua. As escaramuças devem ser reprimidas pronta e vigorosamente. Todos em estado de alerta vermelho e prontidão máxima.

Comunica-se à população que o embarque só é possível após revista. Não usem mochilas. Não tragam comida ou água. O comércio, os serviços e os transportes estarão fechados, interrompidos, inefetivos, na zona de impacto. Caminhem calma e ordeiramente. Debitado em loop pela voz fanhosa nos altifalantes.

- Porra Xilva, extá outra vejafalar decha coija dojmortoch que caminham?

- Ui, houve um atentado na Capital? Caraças pá...

- Calma, pode ser só um simulacro. Vamos aguardar pela comunicação oficial. Onde ouviu isso, Silva?

- Em todo o lado.

...

Há bom e mau em todas as partes, toda a gente diz. Há melhor e pior, também. E ninguém nos explicou as percentagens, certo? Viva o FCP!

11 comentários:

  1. Pois, mas perante o país real, os arruaceiros somos nós!
    Quando é connosco é um cancro, quando é com os outros é rivalidade!!!!
    Ah! Como eu gostaria de ser português do tamanho do Liechsteinten...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Saibamos nós que as diferenças existem. E saibamos mantê-las! Diferentes, para melhor.
      Abraço.

      Eliminar

  2. #obcecados
    #cincazeroSilva

    pretendo que o nosso Clube do coração e desde Sempre, seja o melhor e não o "maior". grande observação, Silva. e, desta vez, partilho da tua opinião :)

    abr@ço forte
    Miguel | Tomo III

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Só podias. Ainda bem que as nossas vitórias não colocam a cidade em estado de sítio. Parece-me estúpido. Se calhar sou eu que sou fanático, não sei.
      Abraço

      Eliminar
  3. Quem não se lembra dos trafulhas terem vindo ao Porto escoltados por carros, ostentando armas de fora das janelas?

    É o país que temos e merecemos.
    É só ver a quantidade de gente que nasceu no Norte e consegue ser adepta de um clube de uma freguesia da capital...
    Quem nasce em Aguçadoura não é adepta do Aver-o-Mar.

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não concordo com isso. Quereria dizer que não poderíamos ter portistas em Benfica. E temos. E não são piores que os outros e, definitivamente, não sofrem menos.

      Eliminar
    2. Epá, faltou o abraço!
      Abraço :)

      Eliminar
    3. Silva, não é normal haver tantos!
      É claramente fruto de uma época, em que o povo não tinha quase nada ao que se agarrar e a propaganda fascista os intoxicava com o clube de capital.

      O Silva conhece alguém da sua terra que seja adepto ou melhor, que sinta o clube da freguesia vizinha como sendo a sua identidade?

      Para se sentir na pele que o clube é muito mais que apenas uma equipa de futebol, na minha opinião, só havendo uma ligação especial à terra/região/gentes que a compõem. E não consigo imaginar que ligação especial pode existir, por exemplo, entre as gentes de Braga e a capital... Obviamente que foram "impostas" por quem se deixou intoxicar.
      Para quem vê o clube como apenas e só uma equipa de futebol, ai sim, acredito que seja diferente...

      Abraço

      Eliminar
    4. Deixe lá ver se eu lhe consigo explicar:
      Portogal

      É isto...
      Abraço.

      Eliminar
    5. Explica e bem Silva. Aliás, já o tinha explicado.

      Nascer em Benfica e ser adepto de outro clube, pode acontecer, porque haverá sempre alguém com uma faísca ou acendalha diferente, seja ela melhor ou pior que a manada que o rodeia.
      O que não é normal é que tantos tenham sido bafejados com faíscas e acendalhas especiais...

      Abraço

      Eliminar
    6. Claro que isso é reflexo de 50 anos de ditadura e da necessidade de ter um elemento agregador, no caso, um clube. E as vitórias trazem mais gente, nós sabemos disso.
      Pá, e desculpa ter-te tratado por você :) saiu assim :)
      Abraço.

      Eliminar