segunda-feira, 16 de maio de 2016

O Tempo da janela



Deve ter passado muito tempo desde o último cigarro nesta janela. Não que estranhe o local, nem a sua paisagem imutável. Tudo permanece familiar, mesmo o facto de saber o cenário muito menos bonito do que o vejo. É quase certo que uso um sentido diferente da visão, neste lugar. Ainda que mantenha uma sensação de prolongada ausência.. 

A verdade é que está escuro e os esparsos candeeiros públicos não iluminam mais que a rua estreita. Nem tenho a certeza que se veja sequer o tanque, embora eu repare nele. Porque sei onde está, como está. Improvavelmente estando, tantas Luas refletidas nas suas águas paradas depois. Ou terá sido ontem?

Uma parte de mim, fora deste casulo - eu, a janela, o brilho do cigarro a queimar - sabe quanto tempo foi: A volta completa de um planeta imperfeito à estrela que o consumirá. É apenas uma questão de contar os dias. Em centenas para estas fugazes criaturinhas, em milhares de milhões para os astros imponentes. 

Ai mas passou tanta vida neste curto ano. Tanta que não a consigo dizer toda. Falta ajustar contas: Sei que esmurrei um velho instantâneo no espelho; abracei-o para que nos pudéssemos confortar, assim abandonados à sorte um do outro. E os braços não caíram e as gargalhadas não se calaram. Contigo ou por ti. Sem quereres, por mera natureza de seres mais que apenas humana. Sem saberes ou acreditares.

Fecho as portadas da janela, encerro o ano. Prometo-me que amanhã, tu ainda a dormir, voltarei a abri-la e o tanque e o mato alto e a roupa a corar me darão os bons dias. Estará Sol e eu terei os óculos postos. Passou tanta vida pelos meus olhos que se gastaram.

Por cada degrau da escada íngreme, descido de olhos fechados, uma promessa de Eternidade: Na tua mão, pode passar a vida que for pelos meus anos. Tudo o que me for roubado me será devolvido em dobro. Obrigado.


...

Soundtrack to a night at the window: Therapy.

10 comentários:

  1. Venha mais uma volta completa, sem que a estrela nos consuma!

    Abraço

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  2. @ G.+Silva

    "muitos parabéns!" por mais uma temporada em comunhão total de sentimentos ;)

    abr@ços a «ambos os dois»
    Miguel | Tomo III

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  3. Parabéns minha gente. Muitos, muitos, muitos mais.

    Abraços

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  4. A mim já se passaram uns curtos 8 anos em que deixei de fumar.
    E também fumava á janela, por decreto-lei de sua excelência, a minha mulher.
    E quando o cigarro chegava ao fim, ou pelo menos á parte em que já queimamos os dedos que se tornaram amarelos de tanto terem sido queimados (curiosamente o amarelo desapareceu!), dá um gosto tremendo atirar a pirisca (ou a barona?) com um gesto de dedos á sameirinha, pela janela fora. Qual fogo-de-artificio do mais barato que nem em loja de chinês!
    O pior é quando essa pirisca (ou barona?), aterra, indecente, escandalosa, estupida e provocantemente no cabelo da vizinha do rés-do-chão que veio á janela sacudir o pano da louça!!!!
    Haverá alguém mais azarado que eu?

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    Respostas
    1. Não, Felisberto, não há!! :) Mas olhe, obrigado pela prosa. Mesmo!

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