quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O senhor Silva duvida de Deus

Atravesso uma fase de profunda dúvida teológica. A Fé esvai-se-me a cada segundo. O que ainda não é lá muito grave, porque isto começou há uma meia hora. O facto permanece: começo a desconfiar que Deus não existe. 

Ou então não é Senhor assim tãããoo absoluto do Universo and beyond. Vai-se a ver, tem que submeter as decisões a um Parlamento de deputados angélicos, daqueles que recebem subsídios de deslocação porque mantêm residência fiscal no Quinto dos Infernos, embora morem ali mesmo ao virar da esquina. E raramente aparecem para as discussões, menos se for para aprovar novos subsídios para a manutenção das asas. A brincar, a brincar, só em penas, é para cima de um balúrdio. Já para não falar das asas haute couture, que se a pessoa não se pode apresentar mal, o anjo ainda menos. Qual o crente que ia confiar num anjo mal enjorcado, com um manto da Primark e asinhas da Megaloja Família Feliz?

A culpa deste meu estado de descrença é do comboio. Eu uso basto a ferrovia e dado o espetacular funcionamento do Wi-Fi - é gratuito, só não funciona. - e o facto de a minha viagem média demorar umas horas, passo demasiado tempo a enervar-me com a existência...dos outros passageiros. Esta manhã concluí que é muito provável que Deus não exista ou que esteja atafulhado de burocracia e não possa cuidar das coisas verdadeiramente importantes.

- Como a Paz no Mundo. Não é, minha rabanadinha? - Bebe um golo de café, sem tirar os olhos claros do tasqueiro.

- Hã? 

- Nada, nadinha, foi o que eu disse. Panasca. - Pelo meio do resto do cimbalino.

- Hã?

- Na Tasca. Não disse nadinha na Tasca. Não lavástujóbidos de manhã?

- Distraído cá com as minhas coisas. É sessenta cêntimos. - E deixa-me é ir dar a volta às bifanas, antes que isto piore.

Se Deus existisse, havia pessoas que não tinham telefone, nem computadores, nem merda nenhuma que pudesse servir propósitos lúdicos enquanto em trânsito. E nem dados móveis. 

Podiam ter pernil de porco à vontade, mesmo que fossem Venezuelanos. Agora, dispositivos que lhes permitissem falar aos berros com outros fulanos e fulanas enquanto a pessoa precisa de dormir, porque teve que alçar os glúteos da cama - opá, adoro esse rabo miúda. Não sei se já te tinha dito. - às cinquimeia da manhã, isso não tinham eles! 

Sempre que alguém está prestes a adormecer num transporte público e outro humanóide grita: Tô? Tô? Isto a rede é fraca, fala maijalto. Já cá Tô, pareçunvião, carago. Poijé, poijé. Já parou em Coimbra, agora é sempasgaçar até Lisboa. É dos novos. Se fosse o a seguir, parava em todas. Tô? Tô? Olha, numtoiço, vou desligar. Até porque me dói a garganta de estar aqui a falar aos berros.

Vejamos, pessoas, não! 
                                      ( suspiro )
                                                     A minha mãezinha não tinha telemóvel. Por isso podia achar que se eu estivesse em Londres, ela devia falar mais alto ao telefone do que se eu estivesse na rua de baixo. Isso quer dizer que se punha aos gritos, mas era dentro da sua própria casa. Não era diretamente nos tímpanos de outros cinquenta pobres desgraçados, a maioria dos quais gostava mesmo era de dormir um pedacinho. 

Ainda que fossem horas de gente decente andar fora dos lençóis, porque raio quereria eu saber da vida dojôtros? Reparem, provoca vergonha alheia nas pessoas normais, quando vocês se põem a conversar em pleno metropolitano: Alô, atão, tátudo? O filhadaputa do Martins tá fodido comigo. Hã? Não quero saber disso panada, tá fodido, caralho.

E é assim que aqui vou, os olhos raiados de vermelho sono e vermelho raiva, prestes a completar duas horas e trinta minutos de suplício. Mas - oh alegria, salve maravilha! - repimpado no meu assento, partilhando a playlist de um energúmeno, uns dez lugares à frente. Depois de ter iniciado a viagem a saber de onde vinha, para onde ia e o estranho traçado que, pelos vistos, a Rede Nacional Ferroviária tem dentro da sua cabeçorra: Tô? Tô? Sei lá ondebai. ‘Inda deve parar em Leiria. Ou no Cartaxo. O Forever Young pode soar mal, ai pode, pode.

Não resisti e levantei-me. Fui ver. A cabeçorra confirmou-se. Mas não era playlist nenhuma. Era vídeos do Youtube. Ah modernaço!

Na plena posse das suas anunciadas - ou prometidas? - capacidades, Deus restringiria de modo menos democrático o acesso a dados móveis. Dado o regular desfuncionamento da rede gratuita da CP, é forçosamente pelos seus próprios meios que os estúpidos acedem à internet em plena carruagem. Gastam a guita toda nisto e ficam sem cheta para comprar aquelas cenas altamente avançadas, chamadas auscultadores? Fones. Assim já percebem? Ou acham mesmo que é desnecessário?

Perdida a humildade, dados os meus pensamentos ímpios e segregantes, deixo-me embalar no último fio da minha insanidade. Imagino-me numa gabardina estranha. Imagino-o a dizer-me “lEmbe-mos”. Já quase a fechar os olhos, oiço o disparo. Descanso em p...
A voz anuncia a paragem terminal. Foda-se!

...

- Oh Pedro, kestamerda? Querem um subsídio de risco por andarem descalços? A sério? - Incrédulo perante o requerimento.

- Pois, Senhor. Diz que se constipam com mais facilidade...

13 comentários:

  1. Hehehe... É isso e os super irritantes sons do joguinhos! Só me apetece pegar no raio do telemóvel e espatifá-lo na cara do triste jogador! :)

    Abraço
    Bala

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    1. Siiiim! Parece um gajo que está dentro de um vídeoclipe do Michael Jackson. Zuuiimm, pof, slshhh. :)
      Abraço.

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  2. Anjos com manto da Primark (são secretários de Estado de certeza):))))...que Rei.

    Um Bom Ano para si e para os seus, Sr. Silva.

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    1. :) bom ano meu caro. Que seja o melhor de todos, só superado pelo próximo.

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  3. Noise cancelling headphones.

    Fazem maravilhas.

    Abraçom

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    1. Mas depois deixo de ter por que me queixar e fico sem saber da vida das pessoas...Oh dilema! 😁
      Abração

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  4. Já me lixou outra vez! Vai-me obrigar a comentar que é uma coisa que eu não gosto. É que depois o bacano que escreveu pensa que é o maior… lá, lá, lá e não aprimora os posts! E nós temos quelhamandar com os comments! Gosto mais de apanhá-los em contracurva. Não é o caso do meu amigo. Acerta-me sempre em cheio! Tem um tipo de escrita que eu gosto. Nunca sabemos se está a falar a sério ou a brincar. Faz-me lembrar o secretário de estado que acha que “as claques assassinas não tem mal nenhum”! Isto fora de brincadeiras claro está!
    Acertoumemcheio porquê? Porque eu (deixa-me ressalvar) tive a tal “educação católica, apostólica romana”, que toda a criança teve mas não gosto de ser levado ao sebo! Tá a ver? Aquela história da Santíssima Trindade que me impingiram na catequese não me caiu bem, prontos! Veja lá que num daqueles Sábados de manhã que nos obrigavam a “ir à catequese”, contaram-me essa bizarria. Eram 3 mas só 1 é que conta! Como no Var! Pai, Filho e Espírito Santo, pague 1 leve 3! É pá! Vim para casa com a cabeça cheia de pregos. Aquilo caiu-me tão mal, tão mal que na catequese seguinte pedi à alma bondosa que perdia tempo connosco para me explicar devagarinho como era possível serem 3 em 1. Assim tipo o mesmo jogador fazer de 8, de 10 e de ponta-de-lança como o Marega! A resposta foi lapidar: MISTÉRIO!
    Fiquei todo roto! Tal qual como o meu amigo comecei a pensar que Deus não existia. "Oh inclemência! Oh martírio! Estará porventura periclitante a saúde desse nobre e querido menino que eu ajudei a criar?" (1)
    Então “se” ele existisse deixava a cambada do clube da treta gamar como tem gamado? Tolerava lá ele que os partidos não pagassem IRS! E o BES tivesse falido e ficasse com o dinheirinho dos otários?!? Já nem falo do WiFi não funcionar na CP. Aqui no Porto que temos um Metro com 0,80 cms também não funciona! O motorista encolhe os ombros, quer lá saber, está com o télélé a combinar onde vai dali a pouco esgalhar uma tripalhada…
    E a conversa é de escachar o côco: “Ó Lisete não tenho visto a tua filha… foi p’ra fora?” Responde a outra: “ A Luana? Credo! Pr’a fora fazer o quê?! Foi para caixa do Continente, conheceu um senhor, muito senhor que ia lá todos os dias e passava sempre na caixa dela. Ele é hosteleiro, ou lá o que é, desses que alugam quartos. Foram viver para um dos quartos que estava vazio, ele pôsi-a a trabalhar na esfrega, está muito bem. É ela que lava os lençois do Sonhos Dourados e dos Hosteis da Rua S.ta Catarina todos. Todos, todos!
    Tá a ver amigo? Como dizia o outro: “sou ateu graças a Deus”! Está uma pessoa descansada e de repente, prontos! Lá vem uma hérnia inguinal, virilhal, ou intestinal que nos atira para os écrans das Tv’s da treta…
    Grande abraço e um Bom Ano com muita Stand-up Comedy e Os Malucos do Circo


    (1) O Pai Tirano com Vasco Santana. Passou 37 vezes na RTP
    Nota da Redação – Raisparta o corretor ortográfico que não me deixa escrever as palavras como eu quero!

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    1. Aí está o anunciado paraíso do blogger: o comentário que é melhor do que o post! Obrigado, meu caro. E um magnífico ano para si e todos os seus. Que fique (também) marcado pelo nosso regresso aos Aliados em Maio.
      PS. A ver se ao soar da 12a badalada, não nos entra por esta porta o jurado reforço. Está bom de ver que estou à espera da exibição 38. E ri-me em todas!

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  5. Obrigado. Foi muito bom tê-lo conhecido!
    Um Grande Ano para si.

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  6. Antes de mais, desejo-te uma feliz saída de 2017 e uma maravilhosa entrada em 2018, com um pedacito de alcool entre ambos, para suavizar o palato!

    E já agora, um conselho de um ateu a um crente pela boca de outro crente, neste caso um israelita de seu nome Kobi Farhi da banda de folk metal Orphaned Land (tradução mais ou menos livre):
    O caminho está pejado de Messias assassinados.

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  7. Fiz cagada!!!!!

    Retomo a tradução livre do Korbi:
    O caminho está pejado de Messias assassinados. Culpamos constantemente a religião e os politicos, por tudo o que acontece. Mas nós o povo (humanidade), é que não mudamos! É a humanidade que prefere viver nas trevas...

    Agora sim... malditos dedos traiçoeiros.

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  8. Ainda num é meidia e já tou tropego?
    Faltou isto, carago!!!:

    https://www.youtube.com/watch?v=hurWzo01FpM

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    1. Obrigado grande Felisberto. Metal é metal, deixemo-nos de prefixos 🤘 gosto muito de Orphaned Land. E do lado islâmico, diretamente da Tunísia, divirto-me à brava com os Myrath. Um magnífico ano para ti, para os teus e para nós, está claro ⚪️🔵💪

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