- Silva, estamos velhos, meu irmão! Velhos, caquéticos, a cair de podres! - estende-me uma folha branca, com um poema impresso, sobre o balcão. E não consigo perceber se o olhar é derrota ou gozo. Um pouco dos dois, arrisco.
Antes de ler, atinge-me a primeira picada: velhíssimos, assim mesmo, no superlativo, ou não trocávamos folhas. Folhas!!, com poemas. Não me permito verbalizar e ataco o texto.
- Oh, que disparate! Toda a gente gosta de músicas velhas, caraças! Até aqueles putos ali. Olha a camisola dos Maiden do mais pequenito. É por isto que achas que estamos velhos, minha besta? - O conforto das linhas familiares e, em certa medida, o balanço bluesy alegre que me enche a mente, desviam-me do lado sério da questão. Se é possivel isto ter um lado sério, penso. É!
- Disparate?! Ai sim? Sabes quando é que isto saiu, sabes? Nem vale a pena, não sabes!! Desconfias que foi ali no inicio dos 80. Mas eu digo-te meu jovem, foi em 1980, exatamente! E olha que exatamente se escrevia com c! - O sorrisinho vai mantendo o tom suficientemente leve para que não esteja a discutir. Ou a lamentar-se. Ou a chorar?! Continua:
- O drama é que... nos lembramos pá!! Não te lembras disso? Não te lembras de ouvir isso? Não uns anos depois, mas logo! Acabadinho de aparecer, ainda quente. - O indicador a abanar em direção à folha branca. Sem c em direção...
- Acho que sim. Caramba, tenho a certeza que sim. E depois? Não acho que tenha 22 anos, amigo. Sei a minha idade e dou-me fantasticamente com ela. Somos melhores amigos até. - Estou empenhado em não me deixar deprimir por esta conversa parva. Mas um franzir da minha sobrancelha, talvez um ligeiro descair do lábio, mostrou-lhe que tinha a curiosidade lançada. Mas que vem a ser isto?
- Silva, acorda!! Somos dinossauros! Vê bem meu irmão: já éramos gente, consciente, quando as miúdas betinhas, giras e hiper cool... - Pausa dramática. - Andavam com revistas de bordados no shopping. DE BOR-DA-DOS! - Perfeita divisão silábica. Primeiro tiro no porta aviões. Há mais?
- Mas não é só! Repara lá, o que acontecia depois de se pavonearem no shopping? Iam apanhar o autocarro! E faziam o quê? MALHA!! Faziam malha Silva! F***-se, desde que me pus nesta trampa de poema que não me sai da cabeça que é muuuuuuuuuiiiiiiiiito provável que me tenha, sabes, errr, "satisfeito" a pensar numa tipa que andava a fazer malha na camioneta! Estou demasiado velho para estas epifânias Silva, o meu coração não vai aguentar. - E riu-se com algum, mas não todo o, gosto.
Pouso um fino a escorrer espuma no balcão. Empurro-o para ele. Amarroto a folha e atiro-lha.
( A vocês, que por algum motivo estranho aqui vieram parar e assistiram, deixo-vos o conteúdo. Infelizmente não numa folha. CLICAR AQUI)
- Por conta da casa, se te calares com essa conversa. Estás a deprimir-me...
- Aposto que tens aí o vinil. Aposto! - Desafia.
Pisco-lhe o olho.
- Eram bem giras as rapariguinhas do shopping. - Avanço para o hi-fi, ainda com prato e agulha, como é suposto, e deixo que a idade da pedra anime a Tasca.
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