quinta-feira, 26 de junho de 2014

O gato é o dono dos ovos!


- ... uma vez abandonaram um gatito, pequenino, pobrezinho, à nossa porta. Claro que acabou ao colo de toda a gente e todos estávamos aflitos para fazer crescer a família. Acontece que já por lá havia um cão e um gatarrão. E o gato maior, bem, não achou mesmo piada nenhuma à suposta concorrência.

- Bateu-lhe?!

- Não. Soprou, protestou, mas não chegou a bater. Também pensei que o faria. Afinal era a opção mais evidente para o dono da casa. Sim, porque aquela era a casa dele. Aliás, toda a vizinhança era o território daquele gato. Depois de ter gasto tanto tempo a educar-nos, a ensinar-nos, era lógico que se alguma coisa lhe desagradasse ele ia reagiria violentamente.

- Mas não...

- Não. Limitou-se a desaparecer. A deixar claro que havia uma escolha a fazer. Como quem diz: ele ou eu e nem me importo que escolham mal. É convosco. Sacana do gato. Como se não duvidasse da nossa lealdade ou então não se importasse de todo. Como se nós perdêssemos. E perdíamos, tenho a certeza.

- E vocês?

- Apressámo-nos a arranjar outra família para o gatinho filhote. Era giro, passava o tempo ao colo. Aprendeu a pedir colo ao fim de um dia. - sei que sorri com cara de parvo.

- Se tivesse um gato também havia de ser assim. Ou talvez eu fosse assim se fosse um gato, uma delas. E tu? Que gato serias?

Da mesa onde os velhos jogavam dominó veio o grito de alegria do puto. Alguém por quem torcia teria ganho ou pontuado alto. Da minha mente escorria a questão: em que parte passei de Silva, com Senhor até, a tu? E a outra: qual gato seria?

Ela ajudou com o embaraço da primeira parte:

- Pronto, deve ter acabado. Já devo poder ir-me embora. - sorriu com franqueza e chamou-o - Paulinho, vamos andando?!

Ele correu alegre para a mãe. Abraçaram-se e saíram em risos, os olhos claros e o puto. A minha cabeça respondeu:

- Vadio...



  

terça-feira, 24 de junho de 2014

A inveja é um bolero!


- E então Silva, ainda tens a mania que és poeta e tal? - perguntou, só para manter a conversa mais ou menos viva, enquanto o álcool não nos tirava completamente o sentido.

- Raios, nunca tive. - menti - E agora ainda menos, acho que ultrapassei finalmente a puberdade, ou assim...

- Isso é uma pena homem. Acho que ás vezes acertavas. - e riu um riso meio envergonhado, metade ironia, metade sinceridade. 

- Não me parece. Mas não faz mal, sobra-me a inveja e é uma delicia.

- Inveja?

- Sim, a inveja do verdadeiro, puro, fabuloso talento... dos outros - e senti-me esverdear.

- Tens lido é?

- Nem por isso. Mas de vez em quando ouço. Por exemplo, acho que fizeram uma versão nova daquela coisa do Lobo Antunes. - avanço para o canto da música de cd em punho. - Olha que perfeição, nem importa a música... No entanto, gosto mais desta do que da original e da outra, dos Boite. Lembras-te?




sexta-feira, 20 de junho de 2014

Fim(ns) de Ciclo(s)



- Silva, hombre! Qué tal? - grita-me ainda da entrada. Na verdade não grita. Para o tipo de sangue ibérico que lhe corre, é apenas o tom normal para aquela distância. É o meu cinzento lusitano, o tom de recato e vergonha que a minha mãe me ensinou - não incomodes os senhores, não dês nas vistas, diz que sim e obrigado - que me faz parecer que entra na Tasca aos berros.

- Hola hermano! Não esperava ver-te por aqui tão...cedo?! - respondo-lhe menos alto, mas bem à medida dos tímpanos escassos que povoam as mesas. Oh sim, o chiste previsível mas inevitável. Olho à volta os risinhos de escárnio. São 900 anos disto, não nos podem levar a mal. Continuo:

- Mas não te vejo nada abatido. Aliás, é impressão minha ou essa barriga está ainda maior? - entretanto fizemos ambos o caminho que nos levou ao ponto médio da nossa distância: um abraço, palmadas nas costas, uma gargalhada. Adoço o que penso ser o negro estado de alma do meu amigo:

- New beginnings always come from some kind of end, uh?!

- Mira hombre, é isso mesmo! Não estou assim tão triste. Li: "Fin de Ciclo", "The End", e outros assim, em Português também. Ah hermano, pus-me a pensar: mas que tienen estos contra os Fins de Ciclo? É uma calamidade? Mas não tem que se acabar para que o Novo possa começar? Porque é que só importa o Fim? E o Ciclo? - embala para uma conversa que me ameaça a manhã inteira. Tenho almoços para servir, espero!, não tarda. Penso em cortar-lhe o pio de alguma maneira, vejo emergências na cozinha, um inspetor da ASAE salvador, qualquer coisa que me leve. Não porque seja chato, mas se me sento, perco-me. Arrasto-o até ao balcão. Sempre fico de pé. Para ele é o sinal para prosseguir:

- Al final del dia, interessa-me o que o Ciclo tem para mostrar. O que trouxe, como se fez, quanta alegria carregou. La roja tem títulos. Muitos. Ainda melhor Silva, todos concordaram que eram os melhores do Mundo, aqueles. Nós! Agora serão outros e temos a chance de aprender a superá-los. Que bueno no? Que me mostras tu das tuas Gerações de Ouro? Que taças? Que vitórias? Que fantásticas alegrias? E ris de nosotros? Ai ai Silva, Silva, cedes à inveja, delicias-te nessa pequenina vingança pífia: a minha derrota, não a tua vitória, que no la tienes. - e ri-se alto e com gosto, farto de saber que lhe acho graça igual porque me estou marimbando para a derrota dele. Há um velho que pigarreia. Touché, hein velhinho? Um golo no "3 Marias", para aclarar a garganta:

- E el Rey? Que coisa bonita Silva. Ao mesmo tempo abdica o Rei e La Roja. O significado cósmico desta coincidência, será coincidência?, só pode ser bom. La Campeona e o Rei que instaurou a Democracia, no lo sé se por vontade, lo creo todavia. Ah que Viva España! La Sangre Caliente dos novos que nos colocarão de novo no topo do Mundo. É esse o momento que vivemos, Silva.

Entusiasma-me sempre ouvir este tipo. É a língua que me agrada, a gargalhada alta que me contagia, aquela espécie de energia que não ameaça esgotar-se nos próximos milénios. E o que se entusiasma ele de se ouvir? Ui!

- Sim, sim, muito bonito. São FIM na mesma. Só a palavra encerra uma enorme tristeza. Sinónimos de Fim, anota aí galego: morte, derrota e quejandos. Agrada-te?

- Põe nessa tua cabeça de calabazin que a morte não apaga uma boa vida. Vives, morres. Começas, acabas. O que fazes disso, isso sim, é que é importante. 

- Talvez. Ainda acho que estás só a disfarçar a mágoa. Mas chega de futebol, que tenho almoços para preparar...

- Fútbol?! No, no!! No es fútbol, Silva. Não percebes? - reparo no ar quase escandalizado. Pisco-lhe um sim meu caro, percebo, é a Vida. Provoco-o:

- Gostas portanto de Fins de Ciclos hein? É isso que procuras: o Fim. Para depois recomeçar...

- Yo? No! Ciclos infindáveis de alegrias, eso me gusta, coño! Nadie disse que um Ciclo não pode comportar milhões de mini-ciclos, si? - levanta-me o copo, um brinde.

Brindamos então à possibilidade de infinito dos Ciclos que quisermos que perdurem! Olé!







segunda-feira, 16 de junho de 2014

Tiros na Jangada de Pedra


-Capitão Silva, meu Capitão, acorde, acorde!! Estamos a meter água por todo o lado, valha-nos Santo António, prestes a virar nosso padroeiro!
-Que berraria vem a ser esta, grumete? Como metemos água, se isto é de pedra?
-São os Saxões, meu Capitão. Parecemos um passador, de tanto buraco que nos abrem à força de torpedos...
-Saxões?! Mas esses é suposto serem nossos aliados, os mais antigos até!
-Estes são dos Germânicos, Capitão. Não dos Anglos.
-Diacho, são tramados esses. Que casta de bárbaros, grumete?
-Uns de tamancas, outros de calções. É o que pude ver, meu Capitão.
-Chama o Rei de Espanha aos meus aposentos e alerta a tropa. A nossa e a dele. Despacha-te, infeliz!!
-O Rei de Espanha já se fez ao mar há que tempos, meu Capitão. Parecia que adivinhava, o magano. Por alguma coisa cá deixo filhos, dizia ele enquanto remava a custo no bote.
-Raios e coriscos. Traz-me o Príncipe nesse caso. E a tropa Castelhana?
-Está pior que a nossa, meu Capitão. Nós, ao menos, já nos vamos habituando ás patifarias dos Saxões que nos tocaram. Os hermanos ainda nem acreditam no que lhes caiu em cima daquelas cabeças de tortilha...
-Não temas rapaz. Ainda vamos levar esta jangada a bom porto, juntos. Verás!
-Ja, mein Hauptmann!! 
-Engraçadinho...

Há sonhos que são um acabado desperdício de inconsciente, livra.

Ainda por cima, apetece-me salsichas e Sauerkraut...

quinta-feira, 12 de junho de 2014

254 milhões de torcedores, valeu!


- E aí seu Silva?! Tudo pronto pra Copa? Não tem um cachecóu da Seleção aí não? - calção e havaiana a comemorar o primeiro calor a sério, entra a genética alegria de samba no pé que anima a Tasca quase instantaneamente.

Partilho, de alguma forma, o espírito "tropicálio" deste suposto irmão, mas ele leva-me gerações de avanço na mistura de raças. Nada a fazer, não chego nem aos calcanhares da sua predisposição para a festa, mesmo que se me cole um sorriso nas fuças sempre que ele chega.

- Bem lembrado pá, vou arranjar um. Afinal este ano quem ganha somos nós, os "gajos"! - pico-o.

- Tou torrcendo seu Silva, tou sim! Minha seleção dessa copa é Porrtugau meismo! - por um instante desce-lhe uma sombra. - Mi vê uma géladjinha amigo...

- Deixa lá zuca, estás em casa, não tens que pedir desculpa. Esta fica por conta da vitória da pátria do Pessoa, tá? - espalmo-lhe uma mão nas costas e saboreio a pronúncia da mesma língua naquele tom mais doce, quase cantado. 

Sambamos uma marrabenta? Viva a Língua!




quarta-feira, 4 de junho de 2014

Prato do Dia: Almôndegas OH YEAH!



750g Carne de Vitela picada
50g Chouriço Porco Preto
12 Ovos de Codorniz
1 Ovo
1 Cebola
2 Dentes de Alho
2 ou 3 Tomates Maduros
3 ou 4 Colheres de Sopa de Polpa de Tomate
1/2 Copo de Vinho Branco
Pão Ralado
Sal
Pimenta
Gengibre
Manjericão
Cominhos
Azeite
Farinha
Açucar

Arregaçar as mangas, ou mesmo assumir o tronco nu, dependendo da vista que se proporciona, é o primeiro passo para o sucesso do prato. Nada mais importante do que meter as mãos na carne, literalmente.

Numa tigela grande, a carne, o chouriço triturado com 1/2 cebola, o ovo e os temperos. O tempero da Tasca inclui: sal, pimenta, gengibre e uma pitada de cominhos, quase por acaso. 

Mãos à obra, até que tudo esteja bem misturado e bastante homogéneo. Acrescenta-se pão ralado e continua-se a amassar a carne, acrescentando até que deixe de se colar aos dedos e à tigela. Ou que a paciência se esgote.

Dividir a carne em porções do mesmo tamanho, sempre em número superior a 12. Espalmar 12 das porções e colocar um ovo de codorniz, previamente cozido, no meio. Depois é só fazer bolas de carne à volta dos ovos. As restantes porções são "emboladas" sem recheio, mas devem ficar pouco mais ou menos do mesmo tamanho no final. Rebolar tudo em farinha, pouca.

Num fio de azeite, selam-se as almôndegas, até ganharem cor a toda a volta. Lume vivo, meatballs  reservadas.

Numa panela, meia cebola e 2 dentes de alho em azeite, até a cebola amaciar. Aproveite-se o tempo para pelar e passar a cubos dois tomates bem maduros. Ou três, depende sempre do tamanho. Sim, do tamanho dos tomates. 

Tomates no refogado, salvo seja, é preciso deixá-los desfazerem-se até serem puré. Aos pobres, tudo lhes acontece. 

Agora, três ou quatro colheradas de polpa do respetivo e meio copo de vinho branco, tão bom quanto possível, sem esquecer as folhas de manjericão para perfumar. E um cubinho de caldo de legumes? Bem visto! Acrescentar água em quantidade suficiente para o molho pretendido e deixar ferver uns 5 minutos.

Aos mais impressionáveis aconselha-se que juntem umas colherzinhas de açucar, até a acidez lhes ser conveniente. Na Tasca põem-se umas três. Usar uma Varinha para produzir o mágico efeito de triturar tudo o que não se desfez, retificar temperos, revisitar o raminho de manjericão, dar duas mexidelas e lamber a colher.

Por fim, mergulhar as almôndegas no molho e deixá-lo apurar uns 10 ou 15 minutos, enquanto a carne aproveita para acabar de se cozinhar.

Serve-se com esparguete, pois claro! Cada comensal que trinchar uma almôndega e encontrar um ovo, deve gritar "OH YEAH!"