domingo, 13 de novembro de 2016

Nomes - Pot-pourri




No seu passo para sempre lento, calculado ao centímetro da dor permanente, aproxima-se do seu banco ao balcão. Não se senta, mas estende-me uma folha rasgada à pressa. Diz-me, num tom baixo como as nuvens da tarde que chove:

- Não acabou, Silva. Ainda não. - E sai, devagarinho, com ar satisfeito, por não se julgar inútil.

Leio.

...

"Nomes - Pot-pourri

Entardecia.

A chuva escorria, miúda e persistente, acumulada em grandes gotas nas vidraças. Era cinzento lá fora e um pouco mais escuro aqui. 

O céu pesado, a água a encher de pontos transparentes a imagem do Mundo, uma motorizada a cruzar o silêncio - podia ser uma sirene de emergência, se aqui fosse um prédio alto - dois latidos isolados e, algures do fundo da mente, o crepitar de um toro numa lareira.

Entardeci.

Paralisado na cama por fazer, fixo na janela, com receio de quebrar o lento - oh, tão lento - transcorrer dos minutos, sou um lançar de dados em camisolas grossas de lã. Ou uma língua na boca que torna o cobertor desnecessário. Um pijama quente, deitado de costas na carpete da sala, enquanto crianças me saltam na barriga. 

Passa a motorizada, graniza na janela, enche-se o Mundo do cheiro a castanhas assadas.

Anoitecia.

As mãos dormentes por debaixo da cabeça. Passou muito tempo? Nestes dias, é difícil saber quantas horas são entre entardecer e anoitecer. É sempre quase escuro. 

Se pudesse - mas podia! não posso? - virar-me para o outro lado, haveria um candeeiro de luz fraca e amarela aceso, uma pilha de livros inacabados, algumas fotografias e um lugar vazio. O meu. Ocupado à vez, por cada um de mim.

Anoiteci.

Uma mão terna a esfregar uma dor de barriga inventada. A paixão a cravar-me unhas nas costas. O fumo de um cigarro. Uma dúvida de Português ou de História. Equações passadas à pressa, para manter a (in)sanidade no banco de trás. Uma noite de bifes com pimentos. Lá longe, onde se conduziam carros azuis.

E então tu cantarolaste ninániná.

E então tu sorriste, com o cabelo caído sobre metade do rosto, e mordeste o indicador.

E então tu puseste a minha mão na tua barriga. E ela mexeu-se.

E então vocês cresceram tanto.

E então tocou "Nasce Selvagem" a plenos pulmões e dedos a tamborilar no volante, a janela aberta e a cinza a pingar do cigarro dele.

E então tu deste uma gargalhada rouca e tiveste um ataque de tosse.

E então, súbito, o inicio da noite era Verão e todos riamos.

Hoje amanheceu tanto Sol. 

Obrigado."

...

The living and the dead keep coming back, into my arms

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