sábado, 5 de maio de 2018

Árvores frequentes, por Tininho Silva (com preâmbulo do tasqueiro)

Preâmbulo

É necessário que compreendam que o tio Deolindo era um homem bom. Nessa aceção que estão agora mesmo a fazer, mas também naquela outra que nós, homens antigos, comummente reservamos para as mulheres. Boas. Isto é, o tio era um tipo bestialmente bem parecido, coisa que aparentemente corre na família há gerações e não se crê estar a ponto de deixar de correr. Se pensarem que dentro desse corpo bem nutrido e torneado, com janelas nos seus olhos negros e expressão máxima num sorriso franco e fácil, morava um verdadeiro pinga-amor, rapidamente concluirão que partia corações com a mesma facilidade com que o bom do Yacine parte rins.

Quem não se habilitava a deixar que lhe partissem o coração, era a minha tia. Eita, mulher rija e de convicção arreigada. Ainda hoje. Sempre foi tacitamente aceite que sobreviveria ao seu esbelto marido, tanto quanto não restam dúvidas de que este sempre lhe seria - e foi - caninamente fiel. Apesar de tudo. Digamos que era uma alma de caçador, sempre atento, à espreita, incapaz de resistir ao thrill of the chase, mas no fundo - e nos momentos de todas as verdades - um vegetariano da melhor estirpe. Exceto em casa, como comprovam os meus muitos e parecidos primos e primas. Ainda que de todos, apenas um seja mesmo, mesmo meu primo de coração.

Assim será mais fácil entenderem os risinhos aparvalhados da menina do guiché do Registo Civil, assim que pousou os azuis olhos no mancebo - pareceu novo até morrer de velho - que lhe sorria do outro lado do vidro. De tal maneira que nem reparou no olhar fulminante da senhora, criança ao colo, que acompanhava o dito cujo. Abençoada de mamas, mas fraquinha da inteligência, a moça era toda mãos a alisar o cabelo e a puxar o decote até onde podia e ih ih ih diga-me lá o senhor ao que vem.

- Pois registar aqui o catraio, já se sabe.

- Ai tão novo, nem idade tem para ser pai. Ih ih ih. E que nome lhe quer dar a senhora sua sortuda? Perdão, digo, esposa. Ou nem tanto? - A esperança a encher-lhe os olhos e a inchar-lhe o peito. Para fora do decote.

- Tininho, tininho nessa cabeça, minha menina. - Instou a tia. O tom gélido que sempre conseguiu empregar, deixava-nos a todos em sentido, fosse por ser demais a correria ou hora de dormir. Já. Sendo que para se sentir tamanho receio, é imprescindível ter mais dois dedos de testa do que esta rapariga do Registo Civil. É atentar na resposta:

- Nessa Cabeça? Isso é o apelido?

- Não, credo! O apelido é Silva, pois então.

- Ah, muito bem, minha senhora. E desculpe qualquer incómodo. Para a compensar, aqui tem com a maior eficácia possível e jamais vista, a Certidão do seu menino. Vosso, maldita sorte.

- Como assim? Nem o nome lhe demos. - Disseram, balbuciando em uníssono, os meus queridos tios.

- Naturalmente que disseram, como se pode bem ver pelo preenchimento da respetiva Certidão. Aqui está, leio-vos:

Nome próprio: Tininho
Apelido: Silva

Os tios entreolharam-se de espanto, a menina disse:

- Queriam que fosse Da Silva, era? Haviam de ter feito o reparo em tempo útil, agora está o cachopo registado.

É deste modo que o meu primo, ao contrário do que muitos pensam e outros tantos especulam, não se chama Catarino, nem Albertino ou Tino, simplesmente. É mesmo Tininho o nome dele. É um melómano. Característica que o habilita a ser o crítico de música residente da Tasca, por muito que o senhor Monteiro da Silva o olhe um tanto de lado. Enfim, o Monteiro tem a sua razão, mas há sempre alturas em que o sangue fala mais alto.

...

Review de"Often trees", Blind Zero - por Tininho Silva

Em mãos, na verdade em ouvidos, para sermos completamente honestos, o muito aguardado segundo álbum dos portuenses Zero Cego. Sucessor do raivoso, um tanto grungico - quase obrigação da época em que foi lançado - e pearlajamado "Trigger". Apesar de que o escriba terá seguramente ouvido mais faixas deste primeiro opus do Zero, do que de todos os discos do Guedes wannabe, Veder. Acho eu que é assim que se chama. Ou então é Vader. Um deles. E sejamos francos, havia naquelas guitarras e nas vocalizações, uma vontade intrínseca de ser Metal. Um sinal muito positivo, a aguardar confirmação.

Comecemos pelo principio a análise a este "Árvores frequentes" - para título, não faz lá muito sentido, mas os artistas, enfim... - que é como quem diz, pela capa. Na categoria "discos com assentos na capa", podemos dizer que apresenta um sofá bem catita, todo ele em capitonê. Daqueles em que dá gosto a pessoa ficar refastelada, a ver o FCP a ser campeão. A arte trazer uma reminiscência do Dragão não está nada mal para inicio.

Está claro que não cometeremos a injustiça de nos pormos a comparar com outros lançamentos, igualmente com repouso para o traseiro na capa. Aos homens o que é dos homens, aos Deuses o que é dos Deuses. E não estou a falar do mê primo, mesmo que os WC Toillete - conjunto do qual tive a felicidade de participar - tivessem passado ao lado de uma grande carreira. Penso que foi do 33, para o Campo Mártires da Pátria. Era daqueles com lagarta no meio, grande para caraças. Há outros assentos que, mesmo se menos convidativos, habitam o Olimpo da descarga elétrica e com os quais mais vale não competir. Tipo, são o FCP dos discos com coisas para a gente se sentar na capa. E vêm em azul e branco e tudo, os maganos.

A minha grande dúvida em relação aos Zero, sempre foi qual o caminho que tomariam, dos vários que o anterior trabalho - Trigger - deixava antever. Libertar-se-iam das amarras da época e deixariam as guitarras conduzi-los por uma jornada revivalista pelos bons velhos 80s, sendo nomes maiores da New Wave of Traditional Heavy Metal? Ou acabariam seduzidos pelo éter e pelas moças bem boas de mamocas ao léu, às cavalitas dos seus namorados de ocasião, nas grandes arenas deste Mundo, e liderariam o movimento Hair Metal / Glam Rock, tão fracamente representado no nosso país? Lá hair tinham os moços com fartura. Sem verbalizar, suspeitava que nem uma, nem outra. Havia ali um laivo de intelectualidade que me deixava de pé atrás. Cá pra mim, aquilo ia dar um post-punk caviar ou derivar para o lado progressivo. Mais Dream Theater do que Zé Cid, está claro. Mas quais Procupine Coiso qual carapuça, deixai as árvores em paz, chiça!

Afinal, foi-se a ver, nada. Isto é, nem para uns lados, nem para os seus inversos. Ou então tudo, depende do ponto de vista. Condicionado por uma série de protótipos de disco destes cachopos que fui ouvindo, predispus-me a passar meia hora, mais os descontos de um jogo dos lagartos em Tondela, a maldizer as músicas e os autores e a minha vida e isso tudo. Como não sangrei do nariz depois de ouvir o disco uma vez, ouvi mais duas, a ver se me convencia da bela trampa que de lá tinha saído, pois os tipos continuam a insistir em não fazer aquilo que fariam melhor: Metal. E nada. Acabei soterrado ao peso de ter gostado, genuinamente, de muitas das canções. Pronto, algumas. Raios, mais do que era suposto, se queria escrever um post com piada para a Tasca. Dei por mim a pensar: estes rapazes haviam de gostar dos últimos álbuns dos Ope... naaaaa, deixa lá os elogios para o fim.

As músicas:

Lake, Escape (isto tem um feeling 70´s que lhe fica a matar), Palm (lake reprise?). Até o Still Loving You - sim, todos os discos têm o seu - resultou muito bem, sim senhor. Chama-se Won e aposto que passou na rádio. Estas são as boas. A muito boa merece o nome completo: The Siren

Há maijumasquantas, como diria o mê primo, porque isto dos discos compactos e das pen e assim, é coisas muito grandes que levam muita tralha e os conjuntos vêem-se gregos para encher aquilo. Se calhar foi por isso que estes fizeram também uma K7. A fita cai muito bem ao som orgânico - tem instrumentos a sério este disco, pois tem? - que percorre todo o álbum,

No fim, não sabia bem se me apetecia ir a correr ouvir o Big Brother ou se sucumbia ao elogio maior à obra. E confessava que me lembrei mais do que uma vez que há algum tempo que não ouvia...


Stay heavy  \m/
Tininho



2 comentários:

  1. Metalmente falando, fujo dos Blinds como quem foge da cruz! Tudo muito épico, muito arranjadinho, muito asséptico, muita vernissage pró meu gosto. Desde os Blind Guardian aos Blind Zero (quem?), só gosto do Blindman, uma linda balada do Coverdale que se tornou mais Carreira que o verdadeiro Carreira se este cantasse em inglês da Inglaterra caraíbenha, estilo Guterres, tão a ber?

    De resto ó Tininho, anda por aí muito revivalismo, muito dinossauro sem dentes mas com farpela que ao fim de décadas está na moda as reuniões. Ouvi dizer que os Tantra lançaram um álbum... passados 30 anos! Será verdade? Mas como nunca foram a minha praia, também não me importo. Mas já que estamos em falar de velharias e artesanato, aquando o regresso dos Arte & Oficio? Volta Serjão, estás pedrado, quero dizer, perdoado... e nem sequer é preciso chamar a policia!!!

    Eu quero o FC PORTO campeão!!!
    https://youtu.be/1bpCwNruod0

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    1. Eish, fucking classic malhão.
      E olha pá, para surpresa do Tininho, o Zero não é nada polidinho. Até se ouve a bateria e tudo! Mas bem, nada de esperar demasiado...
      Quanto aos outros cegos, discordamos. Anda para trás na discografia e depois conversamos.
      Maiden em julho!
      Abraço.

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