segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A literatura da simplicidade e campos de flores amarelas



O Murakami talvez vocês não conheçam. É seguro que um dia destes ouvireis falar dele, porque acabará por ganhar um, para já adiado, Nobel da Literatura. O Murakami é Japonês e escreve bem que dói. De dar inveja. Eu vou-lhe roubando umas quantas coisas, - os "está claro", por exemplo - umas vezes de propósito, outras sem querer. 

As suas personagens têm uma forma muito própria de lidar com as situações. Uma espécie de resignação consciente que impele à ação, mesmo que a ação seja ficar completamente quieto. Este paradoxo é a verdadeira magia da obra do tipo: Aceitar o que se posta diante dos olhos, por inverosímil que seja, sem procurar justificações ou causas ou consequências. É assim e é com isso que tem que se lidar. E é-se feliz, mesmo que seja aos bocados.

As mais das vezes, as personagens de Murakami carregam uma culpa qualquer. De serem o que não querem ou de quererem o que não são, de procurarem algo ou de serem encontradas inusitadamente, de preservarem a sua paz à custa de violência extrema ou de serem violentos pela paz de outros. O que nunca acontece é encontrarem um significado outro para o que representam, na sua leitura mais simples, as ações, os momentos e os sentimentos. Como se cada coisa fosse um fim em si própria e nunca um meio para que dela se faça algo. Por isso passam as páginas a polir as palavras, os atos, as paixões, os encontros e os desencontros, com mil cuidados. 

Tudo acaba no instante em que acontece. Mesmo que nunca aconteça. O amor e o ódio, o sucesso e o fracasso, são pedaços de Mundo - por si - para os quais não existe uma lei necessária que obrigue a que conduzam a um desfecho. Os fins são sempre dos leitores. Como se o jogo perfeito não precisasse de ser jogado.

Claro que o Murakami às tantas desatou a ser lido por uma quantidade de gente. Espero que se divirtam com as peripécias de um tipo vulgar, sempre vulgar, que vai ao encontro de um homem-ovelha que, muito provavelmente, é o último resistente comunista. Ou com as desventuras do Tengo, que vai ter um filho de uma mulher com quem nunca foi para a cama. Mas deu-lhe a mão, quando andavam juntos na escola. Não havendo na História nada de mais corriqueiro, está claro. A não ser, possivelmente, encontrar uma entrada para outra dimensão no fundo de um poço que funciona como ponto de fuga. 

Quando ponho isto assim, percebo porque é que uns quantos o detestam e outros tantos acham que se trata de literatura de cordel. Se calhar é mesmo. Momento este em que escreveria Irene: Não sei que diga, não sei que pense.

No fundo, trata-se de encarar a vida no extremo da simplicidade: É sempre bonito um campo de flores amarelas. Ponto.


...

Alça pois o nosso FCP para a Germânia. Consta que cheio de dúvidas e problemas. Com medos mil das consequências que advirão das escolhas que forem feitas. Uma escuridão.

Olho para o Zé e calculo que se enovele a sua mente, carregadinha de esquemas e hipóteses e possibilidades. Ou então não: Olho para o Zé e vejo uma personagem de Murakami. No sorriso de repente, a escapulir honesto. No encolher de ombros sem ensaio: É isto, está claro. Não é como se pudesse ser de outra maneira, portanto continuemos para a frente. Se é para a frente que queremos ir.

Confesso que não vislumbro um rasgo de génio. Mas é um tempo tão cheio de génios, de brilhantismos, de foras de série e sobredotados, que já fico na dúvida. Se tantos são tanto, não serão os olhos que os medem mal? Ou conforme lhes convém? E então deposito renovada esperança no que é simples, no que não rebusca uma solução para lá da compreensão do vulgar. O que aceita o contexto e o cenário e sorri para ele. Confiante.

Se leio bem o Zé, teremos mais um menino meio imberbe em estreia, e outro, mais rodado, a tentar fazer as vezes do pilar de ébano - credo! - do nosso meio-campo. Nenhum deles estará à altura da missão, a menos que todos os outros estejam. Se a equipa for equipa, prevalecerá. 

Simples, como um campo de flores amarelas.


...

Soundtrack to yellow flowers: Wild!

4 comentários:


  1. @ Silva

    'muito obrigado!' pela sugestão de leitura. vou ver se consigo saca... comprar na net alguma coisa do sr. em causa :)

    ps:
    e não é que houve sintonia na escolha musical? ainda tenho esse álbum, onde consta a tal escolha, em K7... :)

    abr@ço forte
    Miguel | Tomo III

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    1. Opá, não precisas, se tiveres paciência e quiseres mesmo, eu empresto :)
      O Electric é um gandálbum pá! \m/ E com a equipa certa, o Verdasca é gandacentral!
      Abraço.

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  2. Sou louco por literatura de cordel! Adoro ler Sven Hassel, Ursula LeGuin, Eric Stanley Gardner, Soeiro Pereira Gomes, Eric Maria Remarque... enfim tantos!

    The Cult... onde o Ian Astbury tenta ser mais Morrison que o Jim!

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    1. Ui, tanta guerra mundial nesse conjunto de escribas. O "GESTAPO" é inesquecível, de facto. E o "Esteiros", caramba!
      O Astbury tenta, com afinco e qualidade, mas... :)

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