- ... uma vez abandonaram um gatito, pequenino, pobrezinho, à nossa porta. Claro que acabou ao colo de toda a gente e todos estávamos aflitos para fazer crescer a família. Acontece que já por lá havia um cão e um gatarrão. E o gato maior, bem, não achou mesmo piada nenhuma à suposta concorrência.
- Bateu-lhe?!
- Não. Soprou, protestou, mas não chegou a bater. Também pensei que o faria. Afinal era a opção mais evidente para o dono da casa. Sim, porque aquela era a casa dele. Aliás, toda a vizinhança era o território daquele gato. Depois de ter gasto tanto tempo a educar-nos, a ensinar-nos, era lógico que se alguma coisa lhe desagradasse ele ia reagiria violentamente.
- Mas não...
- Não. Limitou-se a desaparecer. A deixar claro que havia uma escolha a fazer. Como quem diz: ele ou eu e nem me importo que escolham mal. É convosco. Sacana do gato. Como se não duvidasse da nossa lealdade ou então não se importasse de todo. Como se nós perdêssemos. E perdíamos, tenho a certeza.
- E vocês?
- Apressámo-nos a arranjar outra família para o gatinho filhote. Era giro, passava o tempo ao colo. Aprendeu a pedir colo ao fim de um dia. - sei que sorri com cara de parvo.
- Se tivesse um gato também havia de ser assim. Ou talvez eu fosse assim se fosse um gato, uma delas. E tu? Que gato serias?
Da mesa onde os velhos jogavam dominó veio o grito de alegria do puto. Alguém por quem torcia teria ganho ou pontuado alto. Da minha mente escorria a questão: em que parte passei de Silva, com Senhor até, a tu? E a outra: qual gato seria?
Ela ajudou com o embaraço da primeira parte:
- Pronto, deve ter acabado. Já devo poder ir-me embora. - sorriu com franqueza e chamou-o - Paulinho, vamos andando?!
Ele correu alegre para a mãe. Abraçaram-se e saíram em risos, os olhos claros e o puto. A minha cabeça respondeu:
- Vadio...
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