segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

António João escreve-se uma carta

Caro António João,

Espero que estas linhas te encontrem bem dos pulmões e regular dos intestinos. Outrossim, desejo que a Maria Antónia mantenha a mão para aquele tempero e as carnes tão rijas quanto as Primaveras permitirem. Enfim, que em par estejam rosadinhos e felizes, quais bácoros num filme de bonecos, desses que vão começar a dar em todos os canais da televisão.

Escrevo-te porque sei que, dada essa anacrónica, ainda que crónica, embirração com tudo o que não seja papel, és o único tipo do Universo conhecido que não ouve regularmente o A Culpa é do Cavani. Resta-me pois esta maneira de te tornar ciente do que por lá se disse, ainda este fim de semana, acerca de uma desconfiança que tinha: aquela coisa da posse de bola estava nos planos, a estranhar-se enquanto se entranhava. 

Quase consigo ver o teu ar de enfado perante a facilidade desta referência ao Fernando, mas é o que se pode arranjar a esta hora da manhã. E é sempre divertido, se mostrares as linhas a alguém, pela possibilidade de acharem que é uma linha publicitária, muito antiga, de uma marca de refrigerante. Sem saberem que...é mesmo. 

Ah as saudades que vou tendo destas pequenas, e mesquinhas, conspirações literárias, ao balcão, copos de três à frente, meio cheios numa garrafa diferente da do resto dos fregueses.

A vaca fria é que ainda ontem nos fartámos, de novo, de ter a chicha. E fomos mais felizes com ela, tanto que o treinador, a empurrar a alegria do cincazero para dentro da sobriedade humilde que decidiu que seria a sua imagem de marca - se bem que a mim me pareça que não dura mais do que este ano - até veio dizer que “nos divertimos com bola”. Citei. 

O resultado desta besta negra da posse são dez golos em dois calmos jogos. Bem sabemos que não terão sido dos mais complicados da época, dados os contextos. Mas poderiam muito bem ter sido, pelo que não me soa ajuizado menosprezar a competência. Da equipa e do treinador, naturalmente. Sobretudo porque é muito bom de ver como ficar com a bola não é incompatível com a objetividade e o foco na baliza. E nem com o Marega.

Agora lembrei-me do Garret, vê tu bem. Um tipo que tem nome de leitaria, diriam os brutamontes, besuntando os seus sonhés de mostarda. E nós sorriríamos e ficaríamos quietos, bebericando dos copos grossos as nossas bebidas brancas. Absinto, se os poetas estivessem na berlinda; um bagaço caseiro, se calhasse apetecer-te discorrer sobre os “Esteiros” da vida; até uma amêndoa, ilegalmente fresquinha, se quiséssemos fazer de conta que não admiramos o Peixoto. Ao ponto de o deixar aparecer neste parágrafo, raios.

Mas foi o Garret que espreitou do meio da tempestade, na terra do choco frrrito. A pessoa a devorar a crónica de viagem e, sem dar por ela, já a parecer uma catraia pubescente, suspirando pelas desventuras da Joaninha, e rapidamente retornando ao estado das estradas do Reino, por onde dificilmente poderá circular um Carlos que salve a moça.

Tu a esperar uma bola para o Sado, a ver se o vento a trava dentro do campo e o Marega a apanha sem querer, e o passe a sair rasteiro e tenso, a morrer na bota do Hector (!) e lá vai o jogo para o outro lado, o adversário a cansar-se na nossa paciência, a recuar - oh, ainda um pouco mais - depois a subir para cortar a linha e - como assim? - bola longa nas costas do lateral. A estrada e a Joaninha. Como se fosse um rascunho - ainda um rascunho - de Garret.

Por outro lado, não temas, irrita-me não me sentir irritado. Talvez seja da quadra, mas dei por mim sem ponta de azedume. Tu dirias que não passo de um labrego iletrado, ignorantemente alegre, enquanto as roldanas do Mundo se movem para o inevitável fim. E brindaríamos a Nostradamus, com um cálice de Porto, e tu procurarias a tua cópia de bolso do “Livro de São Cipriano” e eu brandiria uma velha Bíblia, gasta e anotada e cheia de rabiscos e resultados do Totobola.

Isso não muda nada, nunca mudou. Continuo, e continuaria, com esta sensação de nada a dizer. Como se estivesse a observar Elliot a começar uma folha limpa com how many loved e a riscar, sem saber que lá voltará. Um velho a ver um jovem a errar ligeiramente, por acertar um pouco antes do tempo, seguro de que não demorará muito até gritar a plenos pulmões: Do not go gentle into that good night. Viste? De Elliot a Thomas sem sequer pestanejar. É um dia de absinto, meu caro António João.

Tal a bonomia que nem do André me queixo. Por lá esteve, qual palmito. É certo que não se pode contar com ele para dar gosto ao prato, mas liga com qualquer molho. 

Ora, já cá faltavam as receitas. Não tardaria até estares a imitar a Modesto ou o Herman ou a fazer de Chefe Silva na sua versão Sueca. Amarretada. Por falar em gente rude apreciadora de belas comezainas, abriríamos uma garrafa de Soalheiro e faríamos questão de brindar em copos adequados.

Somos sempre tantos e apenas estes dois, sejas tu José ou Maria, quando o tempo se proporciona e o assunto - que era mesmo qual? - se acomoda à pena. Hoje foste António , ainda por cima João, não fosse ficar menos evidente a multiplicidade. Por teres sido esse é que te minto e te digo que escrevi, quando na verdade digitei. Se te revelo a farsa nestas últimas palavras, é na esperança que me venhas pedir contas. Com o nome que quiseres.

Recebe um forte abraço deste que te estima,

António João

...



11 comentários:

  1. E o poema que seria se, no lugar do André (palmito) tivéssemos um Oliver (Mazurca) e sem a marca do filho da puta que, como se sabe, é mais para os Minguelas da vida!

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  2. E o poema que seria se, no lugar de um qualquer André (Palmito), tivéssemos um Oliver que, como se sabe não tem a marca do filho da puta ao contrário uns Minguelas vestidos de preto que por aí andam!

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    1. Hum, não me parece que o Sérgio dê para Minguellas. E a opção é, para mim, claramente dele. E só dele.

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  3. Cincazero Sr. Silva.:))

    Venha lá o Natal dos Hospitais e o Sózinho em casa.

    O meu, o teu, o nosso, está bem assim e recomenda-se.

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    1. Todojinteiros! Cinquinho. Olha, agora deu-me a nostalgia do Luís. Qualquer dia escrevo-lhe...

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    2. O Pedro Guerra deve ter a morada, código postal e telefone. Em último caso, já sabe, Paulo Gonçalves.

      Não se esqueça de lhe desejar um bom Natal, cá da rapaziada.:)

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    3. Bem visto! Vou mandar-lhes um e-mail a pedir.

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  4. Cincazero também na prosa. Muito bom.
    Não sei se inspirada pelo nosso Porto ou pelos vapores de absinto, grande viagem.
    Hoje a tasca está aconchegante, como deve ser qualquer tasca que se preze em noites de inverno.
    Um abraço e um bem haja, caro tasqueiro!

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    1. Ora, obrigado Paulo. De cinco em cinco, não há invernia que nos assuste. Nem Beatles. 😉 abraço

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  5. Se o nosso Porto trabalha como eu quero
    Contra o Liverpool é que não falha... cincazero!

    Pra mim basta meio e já considero um grande pifo!

    P.S. Acho que os cinco de Liverpool (olha novamente o numero mágico 5!!!) eram do... Everton!

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    1. Só nos fica bem demonstrar o nosso respeito marcando um golito por cada um dos cinco. Proooonto, pode ser no conjunto dos 2 jogos...

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