Ao segundo copo desta vodka, passou a hora de fechar. Falta limpar. Atraso-me na mesa de um habitual. Estranho de todo o modo. Estranho de costumes, de língua e modos, já nem tanto da vida que foi deixando escorrer em conversas esporádicas.
Entendemo-nos numa espécie de portinglês que o álcool vai aclarando. Provavelmente cada um a perceber o que lhe convém apenas.
Sei que me fala de estepes e frio e vodka a sério. Bebe a que lhe vendo como se fosse água e marejam-se-lhe os olhos na fotografia de uma mulher feia com duas crianças pouco bonitas. Não sabe dizer saudade com a boca, mas não diz mais nada com a alma.
Explico-lhe que a saudade não depende da geografia. Troco a sua distância pela minha impossibilidade. Em plena auto-comiseração acabo a garrafa nos nossos copos. Vejo-o crescer, tornar-se ainda mais vermelho, incha. Já turvo fixo a veia do seu pescoço, lateja. Sei que me insulta num dialeto que não compreendo, cortando o laço da nossa língua comum inventada. Penso: russo, polaco, romeno não que é latim, letão, embolia, avc?
Mais um trago e elaborarei acerca da topografia da dor e isto pode acabar mal. Tento tocar a dimensão das ausências, as dele e as minhas. Meço-as em quilómetros, peso-as. Esmagam-nos.
Aceno-lhe uma concordância qualquer, uma mão no ombro a outra levantada: rendo-me, a geografia manda, como queiras querido estranho. Bebemos o pouco que resta de um trago. Fazemos as pazes em cima de uma canção velha.
Limpo amanhã de manhã.
Sem comentários:
Enviar um comentário