sexta-feira, 23 de maio de 2014

Queijo com azeite, ou o salto sobre o Generational Gap.





Os miúdos abancam sempre na mesa comprida. São barulhentos e vestem de negro na maior parte das vezes. Entre eles, sobressai o cabelo ruivo vermelho da leader of the pack. A rainha, a mãe, creio que a amante, mas só imaginária, de todos os outros. Bem, quase todos.

À volta da sua mesa espalham-se as dos velhos. Uns e outros cravaram nestes terrenos as suas bandeiras, desde o primeiro dia. São vizinhos. Umas vezes rabugentos, outras festivos, sempre prontos a cuidarem-se e a defenderem-se. Esta é nitidamente a minha metade da Tasca: a pujança da esperança inteira, uma ilha rodeada da sabedoria tranquila de não esperar nada. Netos, irmãos, avós. Da adolescência à velhice, um pulo que me elimina o aborrecimento da idade adulta.

Olho-os agora, enquanto riem e se rebelam contra a ordem matriarcal instituída no grupo. Uma revolução de faz de conta. Ela, desfiando os dedos repletos de anéis, sacudindo as rendas negras do corpete, sorri complacente. Os velhos sorriem com ela, entre o lúbrico e o cúmplice. Ei-los, os estados mais próximos da infância, as idades que preservam a essência da infantilidade: pouca responsabilidade. Todos, velhos e jovens lobos, peritos na arte de escapar a esse peso. Um grita:

- Sô Silva, ajude-nos aqui. Arranje lá aí uma das suas coisas a escorrer um bocadinho de azeite, vá lá - e ri-se meio tímido.

Outro ajuda:

- Pois Sô Silva, ande lá. Mas assim bem cheesy. Happy! A ver se afastamos a nuvem negra aqui da gótica. - ela continua a sorrir para as mãos. A dona prestes a soltar os cãezinhos num prado, para uma corrida libertadora. Voltarão felizes e prontos para mais obediência cega. Abanam as caudas, os pobres.

As palavras chegam-me numa espécie de eco. Pulo entre velho e miúdo, saltando por cima de índias amazónicas em projeto e suecas núbeis e 1,59M de mim próprio e uma promessa de morrer encarquilhado. 

Saio de trás do balcão até ao canto escuro, com um pequeno estrado, onde tocam as músicas da tasca. Obtenho a aprovação dos anciãos: olham-me um "força Silva, never to old to rock". Deixo-lhes o pedaço de queijo a escorrer algum azeite e avanço temerário para o lado "adulto" da Tasca. Os dedos conhecem, mecânicos, os números:

- Olá, smee. Só para saber como corre o dia - perguntar pela vida é uma fronteira demasiado longe, não me atrevo - Ainda bem. Oh sim, o de sempre, já sabes. Se fosse velhote ou um miúdito, dizia-te que está a tocar uma música para ti - risinho forçado.




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