terça-feira, 22 de setembro de 2015

11 + 1 = 12



Apanho-a sentada no seu banco alto. Seu é já uma força de expressão, quase. Já não vem para aqui balançar os pés e rodar até entontecer. Quer dizer, vem. Mas cada vez menos. Tão menos que me permito pensar que é já não. De todo. 

Só quando a apanho assim, por acaso, sem ela notar, é que lhe sinto verdadeiramente a falta. Na verdade, o ditador sou eu. O colonialista imperialista. Em momentos irracionais, de coração apenas, detesto vê-la a escorregar tão irrevogavelmente para a independência. Só que hoje, logo hoje de todos os dias, estás aí, pequena guerrilheira. E eu cerco-te:

- Lembras-te da nossa conversa, neste mesmo lugar do balcão, há um ano? - Enquanto ela desvia a cabeça da minha festa e depois a bochecha da minha barba.

- Não. - Sem sequer pensar.

- Claro que não! - Suspiro. - Queres uma pista?

- Era sobre o quê? - A tentar perceber se vale o esforço. E a fazer rodar o banco.

- Ora, deixa lá ver... Digamos que era sobre nós e a data e assim.

- Ah, sim, sim. Já me lembro. - Mente sem parar de rodar. Seguro-a pelos ombros, fazendo com que o Universo deixe de girar. 

Ela sorri e, não mais que de repente, volta a caber-me entre a mão e metade do braço. Sei que vai chorar e que, de alguma maneira, eu devia ser capaz de evitar a dor que a aflige. Também já sei que vai chorar e, quase desesperado, me vou sorrir da minha vontade de a atirar pela janela. Ela permanece frágil, mas refilona, com a cabeça na minha mão e os seus pezinhos de Nenuco a meio do meu braço. Como será que faz rodar o banco, tão pequenina?

Não mais que de repente, põe-me no meu lugar, devolve-me os meus anos e reclama a totalidade dos seus e mais alguns que apenas julga que tem. Com as mãos nos meus ombros:

- Eu lembro-me, não te preocupes: Bates-me na mesma. Agora tenho que ir.

- Logo há jantar de família! 

- A que horas?

- Sei lá. E que importa isso?

- Quero ver o ghsfgrethst!

- O quem?

- Não interessa. Aquilo dos Vampiros e dos Lobisomens... - Esclarece com ar de préstóricopá!

- Ah, não me parece, minha menina. E a avó, a madrinha, os tios, os primos... - Ela para, já no chão, a meio do segundo passo da sua saída airosa. Pensa pela eternidade de uns dois segundos. Faz a sua cara espertalhona 32, de olhos meio fechados e semi-sorriso trocista por baixo do buço:

- Não, não me parece que eles gostem de Vampiros e Lobisomens. - Abana os dedos da mão direita na minha direção. - Vejo sozinha, obrigada. 

...

Rebelo-me contra as minhas fraldas e contra esta cadeira de rodas e esta botija de oxigénio. Tenho pena pela enfermeira, que é bem boa, e pelo peito de peru com puré de batata das quintas-feiras, que é bem bom. Mas não pode ser mais. Recuso-me a ter estes anos todos que me entregas quando desatas a crescer a essa velocidade. 

Sei o número do quarto da minha miúda. Sei que a levam a passear a seguir ao pequeno almoço. Vai só uma auxiliar com ela. Pudera, anda fresca e gaiteira a velha! Posso bem com uma auxiliar. Deixo-a amarrada ao raisparta do pinheiro do jardim, pego na miúda e vamos pintar a manta por esse Mundo fora. 

Não, a mim ninguém envelhece a este ritmo. Por isso, fica sabendo que me caberás sempre entre a mão e metade do braço. E acharei sempre que te devo aliviar a dor. Seja como for, seja qual for. Incha!  

15 comentários:

  1. fuck me, que se a minha pirralha me apanha tão velho tão cedo, ainda me dá mais lágrimas que um golo do André. pais de filhas. bah. nós sabemos o que dói.

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    1. Oh yeah, it hurts...so good. :)

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    2. Ando a considerar propor ao Miguel Araújo reescrever a letra para "As Filhas dos Outros". Toda a gente sabe que os homens são feios... so help us god.

      https://www.youtube.com/watch?v=D-q3jaELQeo

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  2. @ Silva e Gabriela

    "muitos parabéns!", papás babados :D


    beijinhos e abr@ços
    Miguel | Tomo III

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  3. Irra que nos envelhecem depressa... e quando aparecer "o tal", o grandessíssimo fdp disfarçado de príncipe (e os outros ainda maiores antes dele), é que vai ser... :-)

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  4. Retratos. Slides. Memórias.

    Tu não escreves, homem. Tu pintas.

    Que leitura.

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    1. Grato, Drax. Isso é simpatia tua, mas fico todo babado :)

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    2. Não é, Silva.

      É puro gosto em ler-te. Verses ou não o futebol. A ti, ao Miguel, aos Jorges, ao Velho, ao Augusto, a tantos outros.

      A Bluegosfera é um caderno de bons momentos.

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  5. Eles não param...
    Tanta baba de qualidade Silva, e a baba com que ela deve ficar ao ler isto!!

    abraço

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    1. Pois não pá! Parecem o André André :) Ainda agora estavam a levar um amarelo e a seguir estão a fazer explodir de alegria o dragão. :)
      E não, ela não lê. Só se aparecer no snapcoiso ou no instacena ou assim... ;)
      Abraço.

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  6. É verdade... elas não andam, correm no seu crescimento. E, de repente, são adolescentes, fecham-se no quarto e só muito esporadicamente procuram o abraço e o beijinho que está sempre lá, pronto para elas...

    Abraço Azul e Branco,

    Jorge Vassalo | Porto Universal

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