- Oh Alarico, encontrei a tua lente de contacto! |
A neblina da madrugada vagueia por entre as tendas supostamente brancas, eleva-se e contorna as esparsas fogueiras ainda acesas. Ou já acesas, dependendo do grau de embriaguez dos seus utentes. De longe a longe, um cavalo inquieta-se e enche o acampamento com um relincho angustiado, largando uma bosta no chão enlameado de sangue e mijo, adicionando ao fedor dos corpos dos soldados e das bestas de carga.
A bigorna e o torno do armeiro ecoam continuamente, metal no metal, lâmina sobre lâmina, sem pausa, como se os demónios do Inferno se organizassem em turnos: martelo atrás de martelo, ferro a escorrer derretido na forja, na pele, na carne, no intestino dependurado da pança aberta.
Na Tenda Grande, ponto central da caótica circunferência de farrapos armados, tremeluzem as tochas suspensas sobre a mesa dos mapas. As chamas dançam quando o Segundo em Comando Adjuntenssen entra. Curva a cabeça em reverência, enquanto o Grande Comandante Misteraf lhe faz um sinal com a mão, para que se aproxime, sem nunca tirar os olhos do grande mapa aberto. Os homens olham-se, tocam os ombros, saudando-se, quem sabe despedindo-se, porque todos os dias podem ser o último. O cumprimento é breve, um lacaio enche os copos, das peles sobre as costas do Grande Homem solta-se um enxame de pulgas, uma nuvem de pó, um forte cheiro a podre, quando ele as deixa cair ao chão com um abrir imponente de braços. Não há tempo para subtilezas, só para a guerra, eterna condição, batalha após batalha, ontem e hoje e sempre, que a Paz nunca aproveitou a nenhum povo bárbaro.
...
- Vejamos, o que sabemos destes Germanos dum cabrão?
- Bom, segundo os batedores, estamos iguais em número... - O Magnífico interrompe, entusiasmado.
- Ótimo, ótimo, isso são excelentes notícias. Vamos empalá-los! - Cerra o punho, em volta do qual se aperta uma pulseira de dentes dos chefes caídos a seus pés. Nenhum merecedor da sua clemência.
- Pois, isso, e as saudades que já temos de empalar... - Sem pensar.
- Hã? - Desconcertado.
- Dizia que são maiores e mais pesados, como que couraçados, assim gigantones, com grandes patachorras e enormes manápulas.
- Ora, levaremos armaduras, a nossa Alma e a nossa Raça! Isso não se mede em centímetros, Adjuntex.
- Tenssen.
- Hã? Isso é o quê, algum artefacto demoníaco dos Germanos? Reduzi-lo-ei a pó, seja o que for. - Passa o braço pelos ombros do outro. - Não temas, Adjuntif, seremos o vento da perdição, correndo selvagens, demolindo todas as infernais máquinas de guerra desses infelizes sob os nossos pés. Iremos descalços, se tiver de ser. - Os olhos faiscam-lhe de convicção, ardor, delírio.
- Se pudéssemos evitar isso do descalço, é que os homens agradeciam, digo eu. De qualquer maneira, os nossos são mais ágeis, mais rápidos no campo de batalha, manejam melhor a espada e o arco... - Interrompido por um murro em cheio nas beiças. A custo, cospe o penúltimo dos seus dentes e limpa o sangue da boca com as costas da mão. Levanta-se, os olhos baixos.
- Mais ágeis? - Berra. - Mais rápidos? - Reberra. - Mas vamos fugir, é? Vamos correr à frente do inimigo? Vamos desviar-nos, é isso que defendes, Adjuntov? - Apenas silêncio. Prossegue. - Pois claro que não vamos! Vamos é esbarrar com eles de frente. E serão eles a cair, pela força da nossa Fé, do nosso Querer, entendes?
- Da nofa Faça, da nofa Auma, fim, fim, então não hafia de entender.
- Credo, não se percebe nada do que tu dizes, rapaz. Nhanhanha o manejo da espada, aiaiai o arco, mas o que é isto? Somos algumas donzelas ocupadas nos seus jogos florais?
- Mas flanquear... - A Estupenda mão levantada é suficiente para o calar. O Grande Comandante fala agora em tom mais baixo, o lábio superior trémulo da emoção e da raiva.
- Não, Adjuntócoiso. Não flanquearemos, não simularemos, não pensaremos sequer. Carregaremos com toda a força dos nossos corações. Levaremos os nossos maiores e mais fortes e encararemos o embate. Olha, vão os Núbios, isso nem se discute, o Azteca também não é nenhum fracote, o Lusitano balofo dá peso e há que não esquecer o pigmeu furioso do Amazonas. Com esse não fazem eles farinha. Depois do primeiro impacto se verá quem resta de pé. Nada de panasquices. Reúne os homens, quero falar-lhes.
...
A pé, ao nível de todos os que se dispõem a morrer, como ele próprio, posta-se diante das filas do seu exército. Sem bandeiras, sem trombetas, um homem simples, de palavras simples, um irmão, um soldado!
- E o xeito que dafa um Xenerau... - Já se calava, o Segundo em Comando. Não tem por que se meter nas falas do Narrador. Depois admira-se de apanhar nas trombas. Silêncio! O Magnífico ergue agora a voz:
- Juntos! Não importa se vivos ou mortos. Sempre juntos! No meu coração há lugar para todos os que entreguem a Vida pela Causa. Só para esses. Só eles serão dignos de se banhar na luz da Eternidade, no mel da Vitória. Vencer é o nosso Destino! - A maralha urra em concordância, erguendo as armas aos Céus. - Aqueles que desejem acompanhar-me em mais uma batalha, aqueles que estão prontos para a Glória, os que apenas deixarão este dia em Vitória ou Morte, dêem um passo em frente.
Sem exceção, os soldados avançam um passo. Um convicto, firme, irrefletido passo. Um sorriso aflora-lhe os lábios, uma lágrima de orgulho contorna-lhe as bochechas. Aqueles os seus, a sua Alma, a Raça, a Atitude, a Força Bruta. Olha melhor. Acrescenta:
- Hey, tu aí, o Ibero enfezado, lá pra trás, ohfaxabôr. Isto é só pra homens.
Com um sinal de cabeça, indica a Adjuntenssen que o acompanhe, enquanto volta à Tenda Grande e aos mapas da batalha. Os lacaios abrem os alforges de vinho e trazem os grandes caldeirões de comida. Cada homem se refastelará até não poder mais, na esperança de que esta não venha a ser a última refeição.
...
So faltou a parte a descrever como o Ibero enfezado estava ao lado da tenda a treinar por horas interminaveis o seu Longbow a atingir alvos a 100 metros de distancia como que a provar que ha outras maneiras de fazer guerra que nao involvem choque e fisico...
ResponderEliminarPfff, conices! ;)
EliminarFernando Brandão, Ibero enfezado, merece uma referência sim senhor.:)
Eliminar:)
EliminarOlha pra mim a fazer de critico cinematográfico, perante este treilá, muito bem argumentado pelo Silva. Começemos:
ResponderEliminarSe é uma história medieval há, estilo Hollywood, uma ou duas, quiçá 3, não atingindo as 4, imprecisões grosseiras como que a grosso modo aquele filme do Ben Hur onde aparece um soldado romano de Rolex em pulso (tenho que falar assim! Critico é critico, tem falar mal e porcamente. Um critico que fala bem, não é critico, é sócio ou accionista ou...)!
Meu caro Silva, nos tempos do Alarico, quem não era pobre era rico e já havia penico, mas não é isso que vem ao caso. É que o meu amigo nesta contenda, ou pré-contenda ou pura e simplesmente tenda (branca não é?), mete-me aztecas e amazónios na liça, dois povos que gostavam de mostrar a pi... toresca saia de folhos mais um ou dois ossos atravessados na penca adunca, quando estes ainda eram uns simples extraterrestres aos olhos dos europeus. E quanto ao Ibero enfezado, só dás razão ao Sérgio Conceição em não meter o Oliver nas lutas que enfrentamos frente aos infieis mouros e seus aliados! Enfezado mais enfezado não há! Talvez na guerra sirva para maqueiro cruz-vermelha, sei lá! Ou então para indicar o caminho da retirada, já que o gajo é bom em rotundas!
Já o Segundo Comandante o Adjuntóbulhom, mais me parece o Raul José o adjunto do JJ pelo menos ao nivel do corte de cabelo. E pelos vistos é um gajo sério já que não se pode rir! Para este papel, convidava o Paulo Bento.
De resto está uma história com qualidades para ombrear com a Guerra dos Tronos, Joana D'Arc, Robin Hood e a Branca de Neve e os Sete Matulões, se bem que aqui não metes mulheres nuas, rainhas de grande decote, nem dragões - há dragões somos nós, pois... - nem warps ou zombies da idade média.
Um conselho escolhe com cuidado o realizador. Sei lá, o Botelho, aquele gajo que foi casado com outro homem; o Leonardo Pinhão, já que Manoel d'Oliveira não está entre nós!
Concluindo numa nota artistica de zero a 10 dou nota 8,765, pelo facto dos dois energúmnos supra citados aparecerem no filme!
Um abraço
Felisberto Costancelos (critico aclamado de pé no festival internacional de cinema do Areínho)
E pronto, lá vem ele com comentários melhores que o post. Raisparta! ;)
EliminarAmigos Felisberto e Silva. "Quem conta um conto acrescenta um ponto"... Estes artigos (ficcionados ou não) são uma delícia. Obrigado aos dois.
ResponderEliminarObrigado(s), grande José.
Eliminar