quinta-feira, 2 de novembro de 2017

A Divina Providência (about last night)



- Confirma-se Senhor, não está lá.
- Como não está lá? Claro que está. Tenho aqui escrito que está. Viste na cadeira do costume, certo? - Espantado.
- Naturalmente, Senhor.
 - Ora foda-se, como é possível? Ah e tal, porque sois Deus e assim, podeis tudo e tudo sabeis, renhéunhéu omnicoiso. Balelas, Pedro! Nem onde para o labrego Eu sei. Espetaculares os Serviços, sim senhor, palmas para os Serviços, essa cambada de inúteis. - Aplaude ironicamente. - Quem é o Santo de plantão?
- Todos, Senhor. - Um tanto irritado.
- Hã? Todos os Santos? - Perplexo.
- Pois, Senhor, todos. Não tenho a culpa que tivesse tido a brilhante ideia de trazer a maralha toda para a sede um dia por ano, pois não? Depois põem-se a carregar nos botões e não percebem um boi disto e dá merda, pois claro que dá. - Explodindo.
- ... - De boca aberta.
- Desculpe, Senhor. - Ajoelha-se a Seus pés. - Desculpe. Irritam-me com as suas perguntas pacóvias, mais as sandálias cheias de lama e trazem bichos e isso tudo. Fica aqui uma esterqueira que não se pode. E pronto, implicam com os botões e as luzinhas e às tantas está tudo destrambelhado. - Baixa a cabeça.
- Pronto, pronto, não se fala mais nisso, deixa lá. - Pousa-lhe a mão no cabelo, magnânimo.
- Mas... baralhámos as ideias todas áquele moço que manda. No propósito de deixar o outro insolente com um grande melão. E vai-se a ver, o tipo não está, à conta da invasão dos parolos. - À beira do ataque de ansiedade.
- Ora, acerta-lhe os miolos e já está.
- Só que já começou... - Interrompido por um suspiro de impaciência.
- Tudo Eu, tudo Eu, dass. - Olha para o monitor. - Pá, sei lá, aleija alguém. Olha, pode ser ali o grandalhão. 
- Qual, Senhor?
- Sei cá os nomes, Pedro. Aquele ali, o Baltazar ou o raisparta. - Aponta.

...

- Aha, achei! - Salta de contentamento na cadeira. O outro aproxima-se. Pergunta:
- Está onde, Senhor?
- Naquela coisa da música do Demo, acho eu. - De binóculos na grande janela.
- Credo! - Benze-se.
- Oh, deixa-te de merdas Pedro, é bem catita. - Abana a Divina cabeça, cantando em surdina: - Todos os Santos não chega-a-ram. É dia, é dia, em Por-tu-gal.
- Vamos lá esbardalhá-lo duma escada ou assim, Senhor? 
- Não dá. Correu tudo mal para a nossa pequena partida de hoje, oh Pescador. Repara. - Passa-lhe os binóculos.
- Oh, só porque está com a rapariga? 
- Ora, simpatizo com a cachopa, que queres? Sobretudo ao nível dos glúteos. - Semicerra os olhos, sonhador.
- Senhor! - Chocado.
- Err...pois, não, não é por isso, pois claro que não...errr... é que... - Arranca-lhe os binóculos. - Lá está! Lá está! Anjos! - Exclama aliviado.
- Anjos?
- Sim, Pedro, o tipo está com anjos, ohtubêlá. - Entrega-lhe de novo as lunetas. O outro percorre repetidamente todo o espaço. Com um dedo, o Divino eleva-lhe o olhar. Sussurra: - Ali em cima, Pedro. A fumar.
- Ui, pois é. Bolas. Dupla proteção. Regras são regras, Senhor. - Resignado.
- O grande mariconço! Já a moça o guardava, assim então, era um trinta e um. Fica para outra ocasião, não te rales. - Passa-lhe a mão por cima dos ombros. - Diz-me cá, que horas são isto?
- Meia noite, Senhor.
- Epá, vamos é despachar! Temos uma festa de anos, Pedro.
- Eish, quase me esquecia. Deixe-me só ir chamar a malta, Senhor.
- Tranquilo rapaz, ainda está ali a tomar conta e a acabar o cigarro. Junta lá os Santos Todos e abre uma mini. Oh Pedro, olha lá... - O Pescador trava e volta atrás. - Temos cá Guronsan, pois temos?

...

Soundtrack to all Saints: Everywhere i go, she will know.

5 comentários:

  1. Curioso, ou talvez não que a personagem que imprimes ao teu deus, é na minha maneira abstracta de pensar, a ideia que teria se acreditasse na sua existência. Um ser com defeitos, invejas, mesquinhices, e também com alguma compaixão e bondade... em suma um humano elevado a divindade celestial! Já agora, e por defeito de imagem, os barbeiros vão todos pró inferno?

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    1. É suposto o Próprio ter anunciado isso mesmo que dizes. Afinal, "à Sua imagem e semelhança". Ou seja, pode nem ser um humano elevado, mas nós seremos sempre divindades caídas ;) Coitados dos barbeiros, porquê?

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  2. Ah, então foi isso... logo vi, não é humanamente possível o mousso lesionar-se ou ser lesionado. Tinha de haver marosca Divina. E tudo à tua conta, labrego. Bem hajas :-)

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