quarta-feira, 7 de março de 2018

Uma carta ao Dragão Vila Pouca

"Pois claro que a culpa é minha."

Grande Dragão Vila Pouca,

Espero que estas linhas o encontrem de saúdinha e com a genica do costume. Nós por cá, todos como manda o Senhor. Quer dizer, talvez não propriamente. Tem dias que de tanto pecar chegamos cansados à noite. Nós por cá, todos como gostaria de estar o Senhor, é melhor assim. Normais, portanto. Às vezes alegres, outras macambúzios, alturas que cantamos, alturas que choramos, alturas que fugimos. Bem vivos, acho que é isso.

Cá me entregaram o seu abraço. Apesar de contente por se ter lembrado, está claro que fiquei triste por não nos termos cruzado para o deixar em dia com as contas do vilarejo. Por outro lado, não é como se perdesse grande espingarda com isso, embora eu bem saiba que a distância traz a saudade e a saudade é uma cabra que aumenta a importância de tudo e torna as coisas estranhamente bonitas. Menos a Tina Mamalhuda. Essa, não há saudade que a embeleze. Parece que o vejo a sorrir dos olhos por trás das lentes de sempre, a pensar que com aquele par de mamas pode muito bem dar-se ao luxo de ter a cara que lhe apetecer. O tempo passa, Grande Vila Pouca, e a gravidade faz-se pagar. Até quase aos joelhos que já vai a conta.

O nosso pobre clube é que parece não ter remédio. Ele foi a fruta - lembra-se com certeza, ainda o meu amigo por cá parava basto, à época - ele foram apitos para todos os gostos, ele foi trinta por uma linha. Telefónica, está claro. Os jornais e as televisões e as rádios e essas coisas modernas que estão dentro dos computadores, até hoje nos lembram dessas embrulhadas. Olhe, cá para mim era bom sinal. Queria dizer que nada de novo e mais grave se passava, graças ao Senhor, que aposto que também acompanha a bola.

Há uns tempinhos, comecei a ouvir uns zunzuns, um rumorejar de situações, coisas soltas e de pouco destaque, escondidas em obscuridades irrelevantes. A pessoa, em procurando com afinco, indo a casa de amigos de posses, com canais muitos de televisão e isso tudo, lá se ia inteirando de uma ponta solta ou outra. Pelos jornais e as televisões e as rádios e até as coisas dos computadores - quase todas - enfim, pelos meios do Povo e pelo Povo, não se apanhava nadinha. Ruminando sobre a palavra, veja bem como é parecido Povo e octópode.

O amigo Vila Pouca já me conhece e já se vê que fiquei logo com a pulga atrás da orelha. Por vezes, depois de algumas retumbantes vitórias sobretudo, punha-me a pensar de mim para comigo: Oh Silva, tu não me arreganhes assim a taxa que isto há aqui qualquer coisa que cheira a esturro. Põe-te fino que, vai-se a ver, já anda a máfia do costume a conspurcar o Brasão Abençoado e tu todo feliz a ganhar, mas é só porque compraram tudo e todos e mais os colhões do mudo.

Pois bem, o que tenho de novo para lhe contar é velho. Foi isso mesmo que aconteceu. Veio agora a saber-se que andámos a receptar a correspondência alheia, uma espécie de cartas pueris que pessoas bem intencionadas enviavam umas às outras, acerca de assuntos que apenas a elas concerniam. Estou a escrever-lhe estas linhas e sinto-me enrubescer de vergonha. Mas por Alma de quem, por qual estranha razão ou inconfessável fetiche, é que esta gente decidiu meter-se na vida dos outros?

Confesso-lhe que não tenho o alcance mental para compreender. No fundo, sou um taberneiro, o que sei melhor é servir copos de três e tirar finos e, mesmo assim, foi com os anos que aprimorei. Como posso então entender estas coisas das modernidades? O que importa, caro amigo, é que, como seria de esperar, andámos a ganhar por vias travessas e sem respeitar o próximo e a verdade e essas coisas todas. Mas não creia na minha palavra, tire-se do seu descanso, em não lhe faltando o tempo, e consulte os arquivos dos jornais e das televisões e das rádios e os discos rígidos - parece que é assim que se chama o sitio dos computadores onde se guardam as memórias e os futuros - e verá que não lhe minto.

É certo que fui equilibrando o desgosto com a união que regressou aos nossos, bancada e equipa a comungarem. Pudera, os resultados vão ajudando, se pudermos ignorar a forma ignóbil como aparentemente os estamos a obter. E disfarçamos, Vila Pouca, dissimulamos, como se não soubéssemos à partida que íamos ganhar. Armam-se dificuldades, ensaiam-se superações, constroem-se belas jogatanas e fartas goleadas. Como dizem os verdadeiros entendidos, vê-se logo que não pode ser limpinho, limpinho, malditos tripeiros. Isto dos tripeiros, dizem eles. Está claro que eu me incluo por adopção, se não de sangue, de coração. Como diz o senhor Monteiro da Silva nas noites em que exagera na amarguinha, a escolha é sempre maior do que já nascer assim.

Grande Dragão Vila Pouca, quase nada me daria mais gosto do que terminar aqui a minha missiva, abraçando-o, pedindo-lhe que não demore a voltar, desejando-lhe longos e belos dias. Só que não posso. Devo-lhe a verdade completa, até para que não seja apanhado na curva por algum adversário menos compreensivo.

A coisa está à beira de estalar de vez. Tudo o que não aconteceu antes, está a passar-se agora. Prenderam um dos nossos! Das nossas cores desde o berço, ferrenho e fanático, metido em atividades e passividades, se entendi o que por aí se escreve e se grita, numa rede intrincada de favores e jeitinhos. Já não podemos sair à rua de cara descoberta e cabeça levantada, borrados que estamos. Prenderam-no, Vila Pouca. E agora? Como é que vamos dizer que não tem nada a ver com o clube? Quem pode acreditar que a culpa não é do Pinto da Costa? É de quem então? Do Cavani?

Espero não o ter desinquietado por demais. Se o fiz, peço-lhe perdoe o desabafo deste seu pobre correlegionário, para aqui atirado como tantos. Compenso a sua paciência enviando, no pacote junto, um belo chouriço cá das nossas terras, curado nos ares da magnífica Capital.

Aceite um grande abraço deste que o estima,

Silva

13 comentários:

  1. Este tasco é uma das maravilhas de Portugal, mas do Portugal que troca os vês pelos bês. Gostava de aparecer mais vezes, mas com a qualidade do vinho, a excelência do chouriço e do salpicão, tenho receio que nem a sinvastatina me valha e ainda quero festejar mais uns títulos.
    Quem esteve bem foi o outro, o pai que deu o mesmo nome ao filho e que a ser confrontado com a culpa do PC, atirou, fod...-se, já não tenho filho há décadas e vêm agora chatear-me? Quemn lhe mandou ter sido dirigente do FCP? E foi muito antes da SAD. Olha se fosse agora?...

    Abraço.

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    1. Portogal, portanto :) Você entra e sai quando lhe apetece, que é da casa! Abraço.

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  2. Seu Silva.. Parece que ainda não sabe do pior. Nem sei como dizer isto... Tudo indica que os nossos adeptos cantaram frases adversas ao benfica durante o minuto de silêncio no jogo com o Liverpool. Pois é, eu sei, estou pasma também. Olhe me sirva uma dose de bagaço para isto passar. Melhor!! Vou fazer uma t-shirt com a frase je suis adepto organizado. Já me sinto mais humana.

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  3. Eita, estava tão transtornada que esqueci de assinar. É a Adilia, a portuguesa (meu apelido no Brasil).

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    1. :D estou com um sotaque igual ao do Deco (mas ao contrário) nos tempos idos de dragão ao peito!

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  4. Maravilhoso tasco, maravilhoso escritor. Uma delicia de se ler! Quanto ao "um belo chouriço cá das nossas terras, curado nos ares da magnífica Capital" so se for o que vai dar de beber as tainhas entre o Barreiro (sou mais ou menos de la) e Lisboa. Pelo menos era esse chourico que eles mereciam, embebido em abundante metano! Pudget

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    1. Epá, és do Barreiro? Cerca de 95% da população do Lavradio é Silva ou aparentada!
      De resto, parece-me que o metano está a ponto de hit the fan...
      Os elogios, são exageros simpáticos da tua parte. Mas sabem bem. :)
      Abraço.

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    2. A minha mae e professora no Lavradio ha coisa de 27 anos por ai. Estudei no Lavradio apenas um ano mas vivia la perto, na Vila Cha, Santo Antonio da Charneca. Mas que raio de estatistica e essa que foste buscar dos Silvas e os 95%??? Fazes paginas amarelas???

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    3. Pá, de certeza que a tua mãe deu aulas a algum primo. E dá aos filhos deles. É simples, são bué parentes, têm que ser 95%. Ou 96. Não há Lavradio que chegue para aquela gente toda :)

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    4. O que ouvi dizer faz ja muito tempo e que os nomes Silva, Pereira, Figueira, Moreira e outras arvores de fruto eram dados em inicio e meados do seculo XX aos refugiados judeus menores de idade e orfaos que procuravam asilo em Portugal. Para que tivessem um nome reconhecido e reconhecivel. Nao posso atestar da veracidade do que aqui digo.

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    5. Parecem-me apelidos demasiado antigos para que essa seja a sua origem ou disseminação. Mas eu falo mesmo dos meus Silva. Somos muitos e muitos deles no Barreiro.

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