Aviso já que não estou a gostar nada da maneira como isto se está a desenrolar na minha cabeça. Passo os dias a explicar a toda a gente - na verdade a mim, mas acho que tem passado despercebido - que é tudo magnifico e extraordinário e coisas. E é mesmo, está claro. Mas não me tem parecido nada disso. A mim. Para mim. Raios, a casa é minha, posso ser egoísta até onde eu quiser. Estamos entendidos?
- Oh Silva, barafuste o que lhe apetecer, homem. Mas a malta já almoçava, se não se importasse muito...
Comedores de um cabresto, só pensam em comida. As pessoas estão bem é a enfardar. Nasce-lhes um rebento, pumbas, enfardam para comemorar. Morre-lhes um velho, ai que grande tristeza - lágrimas, lágrimas - mas o avô não pode aqui estar o dia todo sem comer. Espere lá que vou ali à Tasca buscar-lhe um panadinho ou assim. E traz-me um copo de três, filha querida. Tinto.
- Eu acho que vou almoçar a outro lado...
Bah, deixem-se estar. O empadão está só a corar um bocado.
Se quisermos ser muito honestos, é um empadão bastante normal. Nem se percebe o buzz à volta disto. Na Tasca gosta-se de carne e, por isso, mesmo sendo o elemento mais previsivel do prato, tem-se o cuidado de o comprar de boa qualidade e inteiro. Manda-se picar duas vezes.
Para começar, salteiam-se cogumelos shiitake num fio de azeite, com umas folhinhas de tomilho. Junta-se uma cebola média e uns dois ou três dentes de alho. Depois a carne, até tomar cor. Já sei que não é preciso tanta. Mas só sei fazer esta quantidade e não fui eu que mandei a frieira para a Muçulmânia ou lá onde fica aquilo. Agora sobra, pois sobra, fazer o quê? Oxalá fique cheia de remorsos pela comida que atiramos ao lixo. Sal e pimenta, naturalmente.
Agora é começar a acrescentar tomate como se o Mundo acabasse amanhã. Na Tasca, poupa-se na polpa engarrafada e tritura-se do pelado. Umas oito colheres do segundo para três ou quatro do primeiro. Água para ter molho. Conversamos daqui a uns quinze ou vinte minutos.
- Oh Silva, se fizer esparguete dá Bolonhesa, não?
É este tipo de abrunho que me tira do sério. Quem lhe espetasse uns puñetazos, a modos como se fosse o banco de suplentes do Restelo, é que era uma pessoa como deve de ser. Um tipo a dar-se ao trabalho de partilhar a melhor Pie do Universo conhecido e a besta a falar em Bolonhesa. É claro que isto de ser a melhor não está certificado por nenhuma organização independente. A bem dizer, neste momento, nem por uma dependente. Que acho que já não vai fazer parte do próximo IRS, a estúpida. É indecente fazer isto a uma pessoa, depois de uma resma de anos a contribuir para o reembolso, deixa-me assim na mão. No entanto, contínua a não ser Bolonhesa, seu anormal.
É preciso fazer puré. E o truque é fazê-lo com batatas doces. Um quilo e umas cem ou duzentas gramas, para oitocentas de carne. Pode ser novecentas.
- Ah, então é esse o segredo?
É chamarem-lhe o que vos apetecer. Se puré de batatas vos parece a oitava maravilha, vocês la saberão. Tristes vidas, chiça. O que é importante, é não acrescentar às batatas esmagadas mais que duas ou três gemas de ovos, para lhe dar a corzinha que está agora a ganhar no forno. A carne em baixo, as batatas em cima e rapa o tacho. Ou enraba o gajo, conforme tenham aprendido a música. Quero lá saber.
- Boa tarde senhores. Qué frô?
Olha, monhé dum cabrão, tu e os teus primos ponham-se finos com a miúda. Tajóbir bem? Não a tratem nas palminhas não, se querem ver eu a cair-vos em cima, seus filhos da puta cheios de dólares...
- E eu.
- E eu.
- E eu.
- Até eu, Silva.
É a Tasca inteira, infiéis. Pior que os Cavaleiros do Apocalipse! Tenham muito medo e comportem-se. E vocês, aproveitem que está pronto.
Não volto a fazer esta porra até vires cá para a comer, estás a ouvir? Merda para isto.
...
Soundtrack to Katharsis (reader discretion advised...muito. E desligar os aparelhos da Casa Sonotone também.)
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