terça-feira, 20 de outubro de 2015

Insanity e um apelo



O Outono é uma chatice. Ai que lindas, as folhinhas amarelas; ai que cheirinho, as castanhas a assar; ai que fofinha, a camisola de lã; ai que princesa, de galochas a chapinhar nas poças. Ui que belo ataque de espirros à custa da humidade; ui que ternurentos, os ácaros a voltarem a casa; ui que bela desculpa para o outro me encharcar amiúde. Danei-me - pumbas! - um anti-histamínico pró bucho. Depois pago em sonhos estúpidos, já se sabe:

"Eu conheço este pátio interior, tapado dos olhos da rua pelos prédios altos, mirado apenas pelas suas traseiras de roupas estendidas. Reconheço os cheiros a frito e assado que transbordam das portas abertas dos anexos. Aposto que reconheceria algumas das pessoas, das raparigas, dos seus irmãos, das suas mães e sobretudo - Deus me livre - dos seus pais e respetivas armas de caça guardadas em cima dos roupeiros. Mas por qualquer milagre deste sonho, em nenhum dos momentos em que perpassam o cenário lhes vejo os rostos ou sequer lhes vislumbro as formas. Sei que passam, é tudo. 

Pelo contrário, a senhora gorda, de bata xadrez lilás, debruçada no peitoril da janela, vê-se bem que tem uma barba bem tratada. Sei que conheço a personagem, está apenas fora do contexto aqui. Conversa com outra senhora, igualmente debruçada, de lenço na cabeça e ouvido atento. Tento ver as fuças desta, a imagem como que se foca. Foda-se! Parece mesmo...eu. E que lenço tão foleiro.

- Ah pois vizinha, é como lhe digo. Era jantares, roupas, bilhetes para espetáculos, era um versetavias que nem a senhora queira saber. - A poupa abana ao ritmo da sua concordância indignada.

- Não me diga. Mas para toda a gente? - Pergunta a outra, enquanto acena a alguém que passa lá em baixo. - Ah Dona Beatriz, lá vamojindo.

- Para toda a gente e mais quem aparecesse. Uma vergonha! Deu cabo do dinheiro todo a oferecer coisas a homens, pode acreditar no que lhe digo. Deus me perdoe, mas gente assim não merece estar ao pé de pessoas de bem. Era expulsá-la já do prédio. Por mim é quando quiserem, que este corrupio de gente nas escadas não deixa ninguém descansar. - Pigarreia, para aclarar a voz arrastada.

- Oh vizinha, veja lá como são as coisas, hein?! Ainda há pouco tempo andavam tão juntinhas, a cochichar pelas esquinas quando andavam às compras. - A gorda barbuda interrompe:

- Shhh, cale-se, nem malembre disso. Enganadinha keu andava. - Benze-se.

- Olhe, não se esqueça que ela sabe daquela historia do empregado que aí veio para lhe instalar as câmaras de segurança. E que depois parece que andou a assaltar apartamentos aí pela vizinhança e que andava metido em nem sei já que esquemas . - Olha um sabélisabemostodos na direção da outra.

- A vizinha não me venha com essa história! - Exalta-se. - Sabe muito bem que não gosto desse assunto. Pra mais, quem cá andava era a outra lambisgóia que minfeitiçou o homem. O que tenho eu que ver com isso? Hein? Vá, diga lá. Não a corri aqui de casa ao pontapé assim que pude, não? - Cruza os braços em cima dos volumosos seios.

- Não se amofine senhora! Não estou a dizer que a culpa é sua, majolhe que o marido é o mesmo e, já se sabe, as pessoas falam. Estou só a avisá-la porque a considero... - Ia apostar que acrescentou "umabesta", no meio de um espirro.

- Ela que me fale nisso, se quer ver como elas lhe mordem. Só a vergonha que é a chusma de miúdos insurretos que praí vem amais os dela. A senhora nem tem ideia. Armam tamanho banzé. Não há quem tenha sossego.

- Já ouvi dizer, sim senhora. Enfim, são novos. No fundo, também nós temos os nossos e sabe Deus... - Não a deixa terminar:

- Ah, mas é que nem compare! Estes já me partiram os vasos das escadas e tudo. Lindas que estavam as minhas hortenses. E ainda pior. - Debruça-se de novo para se aproximar dos ouvidos da outra. - Veja bem que até bombinhas de Carnaval andaram a rebentar. E não foi lá dentro de casa, que ainda era o menos. Atiravam-nas pela janela da sala. Acha isto normal? Acha que devemos ficar mudas e quedas, acha? A senhora está muito mole, olhe que não a fazia assim. - E abana a cabeça, abanando, por conseguinte, a poupa.

- Não sei, não sei, sabe que procuro sempre ver todos os lados. Por exemplo, lembra-se quando os seus primos vieram desmandados rua abaixo a desancar tudo o que mexia? Olhe que também não foi bonito, não senhor. - Afasta-se um pouco, receosa da reação.

- Já sabia que me vinha com essa! Você é cá uma finória maijomenos, sim senhora. Isso ainda foram reminiscências do tempo das meretrizes que andavam cá por casa. - Funga e escorre-lhe uma lágrima. - Agora anda tudo na ordem, que os pus direitinhos.

- Não sei se foi você ou se foi aquele primo do meu marido e os amiguinhos dele. Sabe, o grandalhão. - Solta um risinho trocista.

- Esse estava bem era preso, brutamontes. Não é boa rês esse moço, há-de concordar comigo.

- Concordar consigo? Eu tenho é que ir tratar de vida, que o almoço não se faz sozinho. E olhe, a senhora não se fique. Dê-lhe água pela barba, pelo bigode neste caso, e conte comigo para desabafar. Se for preciso, imponha-se. Parta-lhe a cara e puxe-lhe os cabelos. Sabe que eu não posso com a mulher nem pintada d'oiro. - E desaparece da janela.

A outra murmura, enquanto apalpa a roupa estendida, a ver se está seca:

- É d'oiro, é. Estás cá prá próxima, tu. Logo vês se é doirado..." 


...

Doutora, não é possível que a Gronelândia seja uma terra assim tão boa para criar os miúdos. Se eu prometer que só vou a uma consulta por mês, ou de dois em dois, a doutora volta? Acordado até pareço medianamente normal, mas os sonhos...credo! Uma por trimestre, vá. E prometo não analisar a sua relação conjugal ou os traços de caráter do seu mais velho. Vá lá...


...

Soundtrack to dreams: Insanity!

15 comentários:

  1. E quando tudo fazia crer que o tema era de interesse, pimbas! Descamba prá bola outra vez.
    Prá próxima é um Atarax (ou 2). Ao menos dormes 14 horas, sem sonhos!

    ResponderEliminar

  2. já disse que o mundo é esfericamente uma bola, não já?... acho que sim. ainda bem que hoje há «xampións» que "isto" está que não se pode...

    abr@ço
    Miguel | Tomo III

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois já, pois já. Mas há malta que parece não perceber, humpf! Mas deixa, que qualquer dia arranjo um post sobre ponto cruz ou assim. Ou maquilhagem para cachorros. Sei lá eu de que é cas gajas falam pá... :)
      Abraço.

      Eliminar

    2. de comprimentos. e de larguras. e de afins. sobretudo de afins.
      (estudei numa escola superior maioritariamente feminina, durante quatro anos da minha vida. sei do que escrevo e posso afiançá-lo com segurança.)

      abr@ço
      Miguel | Tomo III

      Eliminar
    3. Com que então, escolinha de gajas hein? Nada parvo, não senhor :)

      Eliminar
    4. Parece que há gajas que falam do dinheiro do amigo do marido... tramadas :)
      Abraço

      Eliminar

    5. @ carrela

      ou da falta dele. do amigo do marido. ou do próprio marido, até :)

      meeeee
      (balido para 'abr@ço')
      Miguel | Tomo III

      Eliminar
    6. Estava a referir-me à esposa do Santos Silva, amigo e pau mandado de Sócrates (palavras dela... ou do lixo da manhã) ;)

      Eliminar

    7. @ carrela

      ah!, ok. não sabia. não tenho estado atento às notícias. mesmo, de todo. só ligo ao mundo da bola para não me chatear muito. sei que é redutor, mas sou feliz assim :)

      abr@ço
      Miguel | Tomo III

      Eliminar
    8. Tábem que a noticia é praí de março ou assim... Majele já tinha hibernado! Olha, não sabia cajobelhas hibernavam! :))))
      Abraços a ambos os dois (in your face Lima!)

      Eliminar
  3. Não é pelas velhas é pela genial insanidade da coisa...
    https://www.youtube.com/watch?v=Tn1p0CqDFek

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Wow, que gorja! E o bem que faz olhar para o verdadeiro talento, para não perder a perspetiva. Fuck, que inveja!
      Abraço.

      Eliminar