quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Tocata e Fuga

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Olá, sou eu. Como estamos hoje, meu Amor?

Pois lá voltei aos teus sítios. Lutámos tanto em terras estranhas, que pareceu que tinha esquecido esses lugares. E os significados. É sempre assim, só quando a adrenalina baixa é que se volta a ver mais claro.

Acreditas que tinha uma espécie de roteiro para a Peregrinação de Saudade? Yaaaa, logo eu, está bem abelha. Mas sim, era esse o plano: Reencontrar-Te nas mesas certas, nos rostos familiares, nos espaços fedorentos em que é permitido fumar. E deixar-me ficar, fugaz, a respirar contigo.

Não fui a nenhum, pois claro. Apanhou-me desprevenido uma passagem inesperada pelo Moleiro. Travei, pisquei para a direita - sim, exatamente no mesmo sentido da última vez - desculpei-me de braço levantado ao condutor de trás e segui em frente. Em fuga, provavelmente.

Claro que há fortes possibilidades de os pastéis continuarem deliciosos. Mas estaríamos lá os dois, ambos num esforço terrível para não sermos uma explosão de lágrimas e despedidas, a mentirmo-nos em disparates cansados, o sentido prático acima do sentimento e das vergonhas. Ah não, não duvido por um instante que isso também fosse Amor. Só não teria a quem o entregar agora e isso aleija. Portanto, piro-me.

Diz que não devo fazer isso. Eu mesmo me recrimino, por considerar uma espécie de fraqueza. Homem que é homem enfrenta, pega pelos cornos, dá o peito às balas. Passa aí o queijo e tranca o gato, iiic.

Vai dai, tenho passado os dias a matutar nisto. Será que pretendo esquecer os maus tempos? Será que ainda está muito fresca a memória da decadência e não é essa pessoa que quero recordar? Será que era melhor ter continuado entorpecido em modo robótico? Seremos campeões?

Pois! É isso que eu penso também. Afinal, quem tem o medidor da qualidade  dos tempos? Deus sabe das aflições e das dores. Alegria fomos, isso sim. Também em camas de hospital, em salas de espera da Morte, nos intervalos dos sofrimentos maiores. Temos que ser honestos, however, e admitir que isto foi o piorzinho, porque irrecuperável. 

És capaz de ter razão, está a soar-me um pedacinho egoísta. Fuck it!

E, no entanto, tu estavas lá. Igual, na pele e osso que sobejavam. A mesma. Eu a fechar os olhos, tu a deixares-me tê-los fechados, os dois lúcidos e conhecedores. Sabes, houve uma ou outra altura em que ia desistir e tu não deixaste. Oh, que estupidez, claro que sabes, soubeste tão bem.

O que importa, é que tenho a certeza que guardarei a nossa Vida inteira. A boa e a má. E que, para mim, não há nenhum período de Ti que queira apagar. Do meu nascimento à Tua Morte. Posso até fugir da dor, isso é certo, mas sabe que não fujo de Ti. De nenhuma de Ti. 

E sim, o Porto será campeão! Desculpa lá o mau jeito.

Entretanto, já nascem aqueles que saberão de Ti por nós. Ah pois, os que terão os Santos, se quiserem, e as Santas que lhes daremos com os primeiros biberões. Oxalá possamos ser competentes e vencer, por eles que seja, os monstros que tivermos. Conseguirmos, no mínimo, construir pessoas melhores do que nós somos. Sei lá, estar à altura do legado. 

Oh sim, sim, que bem que te fica a modéstia. Não é por isso que se te abanam menos ajórelhas, descansa.

Já te disse que a Vida não continua. Nasce para uns, renasce para outros. Todos a tatearem os espaços desconhecidos, olhos a abrirem para um Universo todo novo, as saudades do útero a marcarem o lombo, como chicotes. Em comum, o facto de ninguém ter escolhido. A vantagem dos uns é poderem berrar até alguém lhes dar colo. E mama. Hmmm, mamas. Estupendas.

Da próxima, tomo um café e um pastel de nata no Moleiro. Ou então não. Mas hey, nós vamos falando. Até já.

...

- Epá, boa pergunta. Devo ser Eu, de certeza. Oh Pedro! - Berra, imperativo.

- Sim, Senhor. - Solícito.

- Temos algum artefacto de medição da qualidade dos tempos?

- Tipo, um Medidor da Qualidade dos Tempos? - Pensativo.

- Pois, isso. - À beira da impaciência.

- Sim, temos. Digo, Tem.

- Boa! Eu sabia. Como lhe chamámos?

- Medidor da Qualidade dos Tempos, pois então. - Daaaah!

- Ah... Trajaí preubêr.

- Não é possível, Senhor. Tenho imensa pena, mas está na marca, para manutenção. - Baixa a cabeça, humilde.

...

A word to the wise: Children playing in the garden...  

11 comentários:

  1. Lindo, emocionante... como sempre, forte abraço naquilo que é importante.

    Abraço

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  2. Uau... Não tenho evidentemente conhecimento da situação concreta, mas na pele de alguém que já viu aqueles que muito amou, e ainda ama "fugirem" à sua frente, permita dizer-lhe que fiquei extremamente emocionado com este texto, e endereçar-lhe um forte abraço.

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  3. Adoro ler-te. Odeio estas palavras. Perco-me de Amor e saudades nestas homenagens. Ainda me revolto tanto com estes tempos que as trazem.
    Tento encontrar a fórmula para esta nova vida nesta mesinha de canto.
    Fuck! Still can't find it...
    Mas por favor continua. Por favor dá-nos este aconchego.
    Luv U

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    1. Baby steps dear. A fórmula não existe, a Vida sim. E sabes, não embrenhas nessa conta tão elevada. Se houver aconchego para mais alguém nas palavras, é uma consequência. Feliz.
      Há crianças a brincar nos jardins!
      Amo-te (vos), sempre.

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    2. Não embrenhas?? Maldito espertófone! Era: não me tenhas! :)

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  4. O costume! Fantástico!

    https://www.youtube.com/watch?v=ptvWzJoS-fM

    Abraço

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