quinta-feira, 2 de março de 2017

A Mesa do Canto: Némesis (com Jorge Bertocchini)

A Vingança, essa gaja com estupendas mamas...
Ele fica um bom bocado sem jeito à conta do tratamento VIP. E eu, mesmo a tentar com toda a força evitar, não consigo...evitar: É favor não fumarem para cima do rapaz; se não se importam, pomos a música um pouco mais baixo, que está aqui o homem mesmo colado à coluna, coitado; desculpem lá, mas o barril está mesmo no fim, só deve dar mais uns dois finos. De modo que vou guardá-los para o Bertocchini. Bebam água, cambada de bêbados empedernidos.

Depois, apercebo-me da panasquice deslocada que isto é, mas já vou tarde. Já toda a gente está a olhar para mim como se eu fosse uma noviça na primeira fila de um concerto dos 30 Seconds to Mars. Com as cuequinhas todas ensopadas, a tentar abafar os gritinhos, mas incapaz de esconder as lágrimas. Um nojo!

(Pausa para private messaging: Sim, foi premeditado, cara senhora...)

Então, encolho ojombros e penso de mim para comigo: Oh, 'safoda, não devo explicações - e nem desculpas! - a ninguém. E procedo a oferecer bebidas à freguesia toda, para alivio da minha consciência.

...

Majagora, quando sobejam apenas os escassos velhos que ficam para jantar, absortos no fumo do caldo quente e na sua solidão viscosa, ele é apenas um amigo à mão. Como se amigos, grandes ou pequenos, muito ou assim-assim, velhos ou novos, de "a" ou "A", pudessem alguma vez ser apenas.

Raisparta a honestidade, o que é certo - embora menos poético e infinitamente menos interessante de escrever - é que é ele a minha única hipótese de duas de treta a esta hora. Pelo menos, sem couves coladas ao bigode e cascas de feijão entrusdentes.

Deixo o balcão, em direção à Mesa do Canto. A dois passos, assobio e atiro-lhe a mini de abertura fácil:

- Agarra, Baía! - Ele não falha. - Diz-me a primeira coisa que te vier à cabeça, oh careca. Senão, és o Baroni. Nhanhnahanaha.

- Hã?

- Vamos ver para onde nos leva a conversa. A primeira coisa. 'Bora? - Ele semicerra ojolhos e sorri-me um "bute!".

...

né·me·sis 
(grego némesis-eosretribuiçãoira devido a injustiça)

substantivo feminino

1. Deusa da vingança. (Com inicial maiúscula.)

2. Acção de retaliação ou de vingança.

3. Pessoa que se vinga ou quer vingança.

4. Adversário ou obstáculo difícil de derrotar.


Sinónimo Geral: NÉMESE


"némesis", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt

...

Não tenho nenhuma némesis. Gostava imenso, mas já procurei e nunca consegui encontrar uma decente.


Como se fosse fácil encontrar Némesis. Para começar, é apenas uma para toda a gente. Ou achas que as Deusas se replicam, tipo ovelhas manipuladas geneticamente e tal?

Não, meu caro, o que temos ao pontapé são coisas que nos fazem desejar encontrar uma Némesis.  Isso sim, é fácil. Basta respirares, para teres uns quantos motivos legítimos para aspirar à vingança. Digo eu, que não sou nada vingativo. 

Por exemplo, topa lá a ironia, já reparaste que o oxigénio nos mata?

Não me mata a mim que eu só respiro saúde. Por fora, que por dentro estou todo rotinho e cheio de gases direitinhos do sétimo círculo do Dante. 

Mas voltando à coisa, as némesis não se descobrem nem se criam. Destroem-se. E se não tenho vida para criar, como hei-de descobrir um alvo para destruir? Não é fácil viver num mundo repleto de gente que é tão fácil de odiar e não tens as armas para o fazer em condições, como qualquer homem decente! Raios, foram anos após anos sem odiar, imaginas o que isso é? 

Grande parte da existência humana baseia-se nessa treta, desde que o Caim enfiou um fémur nas ventas do mano. O problema é que eu fico a pensar: "se calhar teve um bom motivo, que aquele Abel era um gajo meio parvo, daqueles que usa a água quente toda de manhã ou que te acaba com a manteiga sem comprar mais e depois deixa-te a untar a torradinha com as bordas de um pacote de queijo-creme meio rançoso". Vícios, é o que é. Maus hábitos, como uma freira sem queda para a costura.

Ah não, não me venhas com esse choradinho: Ai que eu não consigo odiar, todo eu sou uma bola de amor e algum pingue de rojão. 

Até parece que te vejo todo nu, montado num unicórnio cor de arco-íris, a cavalgar - salvo sejas! - em direção ao Sol posto. Credo rapaz, que me estragas a Lady Godiva e o Lucky Luke ao mesmo tempo. Sofro bastante com o refluxo.

Por outro lado, não estou nada convencido disso de os maus fígados serem estruturadores do Universo. O egoísmo sim, o interesse próprio e corporativo também, a inveja sempre. Agora, uma coisa tão profunda e tão pura - sim! - como o Ódio? Nem pensar. 

Eu cá, acho que tens a espécie em demasiada boa conta. Ou o inverso, porque creio piamente na nossa capacidade para Amar. Agora que me pões a pensar nisso, uma não implicará a outra? Heaven without Hell?

E sabes que mais? O oxigénio é mesmo um veneno. Oxida.

Que interessante. Pode haver prazer sem dor? Ou pelo menos sem teres o conceito gravado na tua mente e no lombo? Gosto de pensar que não, afinal há que obrigar o Homem a fazer alguma coisa de jeito para se deleitar com a maravilha. 

Imagina-te a beberes um copo de Lagavulin sem conhecer a Amarguinha. Até é jeitoso, mas que me desçam para um poço de pilas todo nu, se não se compara com aquele naco de Afrodite enrolado em algodão-doce. Cheia de oxigénio, como tu gostas, aquela venenosa! 


E a dor é isso mesmo. É o traçar de um caminho à custa da faca que levas presa à coxa, um tortuoso percurso de lama, fel, pus, golos do Jonas, tudo misturado num caldeirão Dantesco (com maiúscula, que o cabrão merece) sem fim à vista, a não ser o fugaz vislumbre de um qualquer sorriso.

Tudo para que o oxigénio, que nos obriga a viver sob o seu jugo, nos mate por fim.

Gotcha, Bertocchini! Conta-me lá, és incapaz de Odiar, dizias? Tu, que Amas tão conscientemente pessoas e entidades. As pessoas, imagino que Ames; as entidades, sei de uma que sim, definitivamente. É por contraponto a que Dor, esse Prazer?

Aí tens a tua Némesis, meu caro amigo com nome de defesa central Italiano: Sim, tu conheces o oposto do Amor. E oxida-te, como o oxigénio de que precisas para Amar. Deal with it.

Um velho grita-nos, do fundo da sua tigela de sopa quente: 

No Heaven without Hell!


É a dor de ter o prazer ausente ou pior, de pensar que estará sempre ausente. De esticar os braços com os músculos a estalar e não tocar na cortina. De colocares todo o teu esforço na busca de um objectivo que parece tão perto e que ficará sempre assim, perto, mas nunca alcançável. 

Perguntas-me que Dor é o contraponto do Prazer? É a tentativa de lá chegar sem conseguir. Uma espécie de coito interrompido mental, se preferires. 

Por isso não odeio, porque me ponho quase sempre nas chuteiras dos outros. E catolicamente (que sou tão pouco), sofro por arrasto para não o passar para terceiros. 

Lamúrias, lamúrias conscientes de um rapaz que só quer bem ao Mundo, por muito que se amedronte com ele. Talvez o futuro me mude. Talvez não. Cá o espero.

E como dizem estes queridos, "How can we have a day without a night?"


Com Jorge Bertocchini | PORTA 19

Este também opta por escrever na ortografia antiga. Maricas!
...

Vou resistir com todas as forças a desfazer-me em agradecimentos ao Jorge, majé dificil para mim. Porque este tipo, ou melhor, o blogue dele, é o responsável por haver uma Tasca onde - também! - se fala de bola. Por isso, vou deixar-me estar calado.

Aproveitei a "Mesa do Canto" para satisfazer um desejo antigo - there we go... - que era pôr o Bertocchini a escrever NÃO sobre bola. Acabou por fazer alguma batota, como se pode comprovar pelo post a mielas, mas qualquer Bertocchini é melhor que Bertocchini nenhum.

Sobretudo porque o gajo se comprometeu a acabar pelo menos mais dois "Mesa do Canto". Sem prazo, however. Ai, não era para dizer? Epá, desculpa lá, foi de propósito. Incha.

Como viste, não te agradeci. Já me podes dar a porra do autógrafo? Dass!


13 comentários:

  1. Muita qualidade há nesta tasca...
    Um apanhado das melhores "conversas", daria algo bem significativo!

    Abraço

    PS:
    A reter :)
    "um tortuoso percurso de lama, fel, pus, golos do Jonas, tudo misturado"

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    1. Neste caso, tenho que concordar. Mérito do Artista Convidado :) Quanto ao apanhado, está feito. É só clicar na tag "Mesa do Canto" :)
      Um abraço.

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  2. só para dizer que Bertochini é nome de centro-campista com a garra de um Paulinho Santos e os pés de veludo de um Ruben Neves - ia dizer de Óliver, mas depois tinha o outro Jorge à perna :D
    (ai! desculpa! não é para falar de bola, pois não? 'sorry'...)

    ps:
    obviamente que gostei da prosa. basto (© Silva)

    abr@ços a "ambos os dois"
    Miguel | 92º minuto

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    1. Epá, é que não percebe nadinha de bola, benzóDeus! Toda a gente sabe que é nome de central. Como em "vai Bertochini, dose-lhe as canelas que o gajo tá fora de jogo!" Quer dizer, se for o Mitrocoiso, os pés estão em jogo... :)
      Abraço

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    2. Era: fode-lhe as canelas, mesmo!

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    3. mas dosear as canelas também está bem 😁👌
      assim tipo uma talochada à maneira, mas com jeitinho para não estragar logo à bruta porque (lá está) convém dosear a "lenha". mas continuamos a falar de bola porque?... 😎

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    4. Lol, muito bom 👌
      Pá, como diz o grande filósofo, se o Mundo é, ele próprio, esférico; então, tudo é bola 🌎 ⚽️

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    5. Lá estáindes bócêses outra biez a fazer pouco de minhe!

      Bocêses num se desgracem, caraigo!

      Abraçons

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    6. Opá, aquele passe para o Corona no golo na rotunda, encerra qualquer conversa sobre o moço!
      Abração

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  3. o único autógrafo que te posso dar é em forma de sumo de lúpulo fermentado. com pouca espuma, para não ficares com barba de gente crescida.

    um abraço,
    Jorge

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    1. Sovina do caraças!! O Lagavulin era só pó style hein?
      Já agora, OBRIGADO pá! :)
      Abraço

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  4. Só os fracos odeiam! Só os invejosos sabem o que é o ódio, e se me permitem, só quem crê em divindades é que consegue ter esse sentimento bem escarrapachado nas doutrinas sanguinárias do cristianismo e islamismo!
    A Biblia e o Corão mais não são que 2 livros hardcore absolutamente sugestivos a mentes fracas do "olho por olho e dente por dente". Aí sim temos o culto ao pavor, á obediência cega e não questionável, ao... ódio!
    Jamais odiei alguém e espero jamais odiar.
    E quanto aos Black Sabbath, é exactamente isso que o Ronnie diz: the world is full of kings anda queens who blind your eyes and steal your dreams!!!!
    Um abraço ao Bertocchini e outro ao Silva e outro ao Miguel, e outro ao Vassalo e outro ao Carrela e outro... ah? Já chega? Ok!

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