terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Uma velha piñata



Todos temos amores, e Amores, e desamores na vida. Não contemplar Desamores, não é esquecimento. É uma opção filosófica, testada diariamente pelos Brunos e Jergos e outros bastante mais importantes. Não resulta. Given love or given hate, determines everybody's fate. Mas divagamos, voltemos à vaca fria.

Nos amores mais escondidos encontramos o maior prazer, porque proibido e secreto e ainda mais íntimo que a intimidade dos amigos. Alguns, poucos, têm a suprema felicidade de os saber partilhar com a pessoa certa - plurais possíveis, gandas malucos! - e viverem a plenitude do sentimento, dor ou gozo ou contemplação, sem o esconder de quem não se quer ocultar nada. Quase nada. Enfim, partilhar o amor com o Amor.

E há ainda os amores úteis. Que na verdade detestamos à superfície, mas que sabemos, lá nos sítios escondidos por onde passeamos de mão dada só connosco, que são determinantes para podermos continuar. Em frente. Sorrindo . São os pequenos ódios que amamos, porque nos justificam. O chefe que é um asno. E por isso trabalhamos pouco, desmotivados. O Governo que é corrupto. Porque haveria então eu de pagar os meus impostos? A mulher que é fria. Anda cá Zubaida que estou carecido de calor. Fora de mim boa parte dos motivos que me levam a ser quem eu não quero. A alternativa é aceitar que sou menos do que a conta em que me tenho. Ou gostaria de ter. Não é fácil.

Na lista destas coisas que não interessam, e que não parecem pertencer a uma tasca, mormente a esta, faltam ainda os amores intocáveis. Os que sabemos à partida que vamos amar sempre. Estes são responsáveis por doses iguais de dor e êxtase. Não os discutimos, nem sequer quando nos doiem tanto que magoa. 

- Os filhos, por exemplo...

- Oh não, nada disso. São amores, ainda assim. A maiúscula é que define essa linha de sangue, meu caro Monteiro da Silva.

- Ah pronto, chegámos à bola...

Mas encontramos sempre a mistura certa de bode expiatório útil e pequena embirração epistemológica que explica a dor. A que o nosso amor nos provocou. Por culpa de alguém, algo, aquilo. Não por ele. Menos ainda por nós, Deus nos livre.

É a piñata. A coisa em que se bate até que se parta e nos molhe com a sua chuva de rebuçados e gomas. Prometida. As mais das vezes, está vazia. Altura em que desatamos a bater furiosamente noutra. Essa sim, é que vai ser.

...

Se fossemos Orientais, olharíamos para os nossos velhos de modo respeitoso e expectante. Esperaríamos ver jorrar a todo o momento a sabedoria que decerto guardam. Pelo menos, é o que me vende a literatura e outros diversos tipos de arte Oriental. Bem sei que estou a maçar-vos através de um telefone, o que pode bem significar que o tempo em que os velhinhos valiam muito já passou. Até no Oriente.

Vá que somos do Ocidente moderno e despachado. Que nos ensina que os nossos velhos são, mais que tudo, um prenúncio de morte. Coisa chata, a morte. E os velhos.

- Mas porque é que tens que ser sempre tu a tratar das coisas ao velho? O inútil do teu irmão nunca pode? 

- Naaa, o velho não tem mão naquilo. Coitado, como é que havia de poder? Com aquela idade, já se sabe...

- Mas porque é que o raisparta do velho não fica em casa? Para empatar o trânsito, está claro.

Quero dizer que aprendemos a esperar nada dos velhos. Apenas decadência e uma série de porcarias que teremos que limpar a seguir. Incluindo as literais. E assim escorregam na nossa memória de ídolos a empecilhos. Até que morram e os voltemos a considerar. Um pouco tarde, um pouco falso. Pouco. Apenas.

Eu sempre gostei de velhinhos. Sei que soa condescendente e quase ofensivo. Oh, que querido, o velhote. Mas não tenho outra forma de o dizer. Foi por convivência e não opção. Por ter crescido na rua e, ainda mais, numa tasca que às vezes aqui reproduzo. No que me permite a memória seletiva. Rodeado de velhos. Analfabetos muitos, todos sábios. 

No fim do dia, são tudo tretas. Só vinha mesmo dizer que há uma coisa que se aprende quando um velho fala: A aprender.

...

Ri-se muito, dobrado sobre a barriga que já lhe dói. Sente a ligeira incontinência preparada para lhe fazer lembrar que o tempo passa para todos. Até para quem não tem tempo determinado. Mas não consegue parar de rir. A auto-satisfação aumenta exponencialmente o caráter divertido da brincadeira. É muito engraçado. Entra alguém na sala imaculadamente branca.

- Senhor. - Baixa respeitosamente os olhos para o chão. Ele não responde, só ri. - Vejo que está bem disposto, Senhor. Por algum motivo particular?

A enorme figura limpa os olhos com as costas das mãos e inspira profundamente. Procura recompor-se. Ainda a esfregar a vista, diz:

- Ai ai, que bem metida. Diz lá Pedro, o que foi agora?

- São José quer dar-lhe uma palavrinha, Senhor.

- O...o...o Zé? - E desata num novo e revigorado ataque de riso.

...

- Oh Silva, isto da piñata e dos velhos e do Zé... Oiça, isto não faz sentido nenhum. Era sobre o quê? Depois admira-se que a malta se chateie e vá beber copos para outro lado.

- Oh, não ligue. Era sobre nada. E sobre o respeito, talvez. Mas pouco. Deixe lá, vamos é beber um penalte katéstala, hein?

- Ah, issékéfalar!

23 comentários:

  1. «E assim escorregam na nossa memória de ídolos a empecilhos. Até que morram e os voltemos a considerar. Um pouco tarde, um pouco falso. Pouco. Apenas.»

    Tão simples e tão profundo.

    E viva o Zé!

    Abraço

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  2. oh amigo, eu concordo em absoluto do ponto de vista emocional (pausa para arroto), mas aqui há uns tempos fomos numa viagem com o cota do bairro, o Jaime Nero, que todos diziam "ve mais de olhos fechados do que nós com os dois abertos", e ele é que ia a dizer o meu caminho.
    demos voltas e voltas e mais voltas e ele bem dizia "o meu filho diz que este é o melhor caminho" e tantas voltas foram que a meio nos levou á bomba de gasolina do filho para atestar o depósito, e nem nos atrevemos a dizer nada. o primo dele ia sempre ao telemóvel mas nao se lembrou de ligar o GPS, acho que estava a jogar no 777.
    já a esposa dele depois ao jantar fez-nos um repasto que durou horas e horas!... entrada, carne, corta-sabores, peixe, ena pá, ca banquete. o chantilly da sobremesa é que estava estragado e veio tudo cá pra fora, daí ainda estar com este refluxo... e no fim de contas, foi esse o sabor que acabou por ficar. sem isso, eu tinha ficado tao bem...
    pedia um cha, mas só encontras o limao prá amarguinha, por isso olha, bota aí meia lexívia por favor... chega cheia!

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    1. Partantos, o homem cuidou do negócio ao filho, passeou à borla e ainda despachou o chantilly estragado. Sábio hein?
      Percebo o ponto, mas é algo prematuro, não?
      As melhoras. :)

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    2. Já agora, grande gorja! Obrigado michael.

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    3. nao tem nada que agradecer, já cá tou farto de beber á pala!
      e olhe, prematuro seria há 12 dias atrás, mas nem o sting aguenta assim tanto tempo...

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    4. Blargh, agora vou ter que ir almoçar com essa imagem. Ca nojo! :)

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  3. Agradecido, Doutor Sigmund Silva Jung.

    O problema é que o velho foi tomado de assalto pelos novos, deixou-se levar na onda de um admirável mundo de facilidades e benesses e perdeu o Norte.

    PS - já agora, a sério, é sobretudo pelo desaproveitamento do tanto que os velhos têm para nos oferecer que estamos como estamos (nós, os ocidentais e orientais modernos). 1%>99%?


    Abraço portista (é, já não mudo...:-)

    LAeB : Do Porto com Amor

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    1. Ora, meu caro paciente, como qualquer doidinho que se preze, falo essencialmente de mim :)
      Um dia qualquer, os 99% tomam o seu destino nas mãos. Nem precisa ser contra o 1%, basta que seja apenas. Chiça, isto é um bocado revolucionário não? Se o Costa me lê acabo a Ministro. Ou então não! lol
      Abraço Portista (não precisa mudar, velho casmurro)

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  4. E sobre o respeito, talvez. Mas pouco. Deixe lá.....Pimba

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    1. Desconfio que somos parceiros nisto. Chiça, ao que chegámos hein? :)

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    2. Verdade. Quem diria :)
      Ou talvez, não. Se agora Pinto da Costa colocasse Lopetegui a director de comunicação, já que lhe paga o salário, eu assinava de cruz. (Mas só na comunicação, atenção!)

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    3. Diretor desportivo. Para chatear o Baia :)

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    4. :) e de mini-saia :):)

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  5. "isto não é como começa mas antes como acaba" - frases feita que o jeBus adora atirar e que serve na perfeição para a tua prosa.
    no momento actual - e cinjo-me só ao momento actual, hámenos de três anos, portanto - temo que o crédito do "Velho" em causa se esteja a esgotar junto da massa adepta, mesmo daquela indefectível e que não é assoBiativa. basta ler alguns comentários por aí. último exemplo: foi a Fernanda a responder a Vítor Baía...

    soluções para este (decrépito?) estado de Alma: há várias, para partilhar pessoalmente. que estes assuntos são sérios demais para se exporem assim e há muitos 'voyers' por aí...

    abr@ço forte
    Miguel | Tomo III

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    1. Não pode ser Miguel. Não é um Campeonato, é uma pessoa. Não é crédito, é uma vida. E se já sabemos - e sabemos! - que a história nos devolverá a perspetiva, porque é que cometemos o mesmo erro vezes sem conta? Não é ingratidão, é não pensar dez segundos.
      Eu acho que no dia em que o Velho acreditar que está apenas a servir-se em vez de servir, é o primeiro a sair. Se estou a ser ingénuo, não me acordem.
      Pá, e coisas importantes, esse "pessoalmente" já tarda moço. Abraço.

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    2. Grande Silva. Isso merece um Dow’s Vintage, por minha conta.(Não sei se tenho a carteira comigo).

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    3. Não tem mal, eu também não sei se tenho Dow's :)

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  6. Eu passo-me com o meu velho. Mas no fundo o meu velho é o meu herói! E só desatinamos com os velhos que se recusam a ser velhos, porque os velhos velhos há quem os meta em asilos...
    Portanto quando me ouvirem (lerem) dizer mal do Velho, não é por mal, é por... carinho!

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    1. Ninguém acima da crítica, caro Felisberto. Sempre com respeito e, neste caso, como bem diz, com o carinho que fez por nos merecer. É só uma opinião, está claro.

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    2. Felisberto, ELE sabe quando um palavrão não é um insulto, porque é dos Nossos.

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  7. acho que fui mal interpretado no meu comentário anterior.
    eu estou muito grato a Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa - aliás, quem me lê sabe disso mesmo, pois não sou um "cata-vento" e mudo de opinião consoante o sentido do dito cujo.
    tenho quarenta anos de idade e em (pelo menos) trinta, vivi experiências e tive alegrias #semigual.

    agora e como refiro, é inegável que, para alguns portistas, esse Passado já não confere direito a qualquer crédito - veja-se, por exemplo, o episódio Vítor Baía.

    mais: só refiro «"Velho"» e entre aspas pois claro, porque é a quem parte do texto se dirige. nunca pretendi desrespeitar fosse quem fosse, muito menos a figura do nosso querido líder.

    por último: também eu gosto de Dow's e também gostava de alinhar num cálice com essa categoria, ófaxabôre.

    ps:
    Silva, Domingo vou ao Dragão. pré e pós-match? diz de tuda justiça.

    cumprimentos a todos
    Miguel Lima | Tomo III

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    1. Acho que foste claro. Mas eu sei maijómenos o que pensas. Seja como for, continuo na minha.
      Paaaaaa, tudo bem com o Dow's, majalguem que mostre a guita :)))
      OH YEAH! Lima in da house...espera...nada de levares a camisola do chinês, tajóbir??? :) Done mate, will be there.
      Abraço.

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