sexta-feira, 10 de julho de 2015

Portogal



Vai fazer uma semana, tive a soberba oportunidade, não desperdiçada, de colocar rostos em algumas das palavras que vou acompanhando na bluegosfera. E, apesar das horas curtas, tão curtas, confirmar cumplicidades. Como se nos conhecêssemos há bastante mais tempo. Enfim, foi ótimo poder escrever, mas desta vez com os braços, "um abraço" ao Miguel, ao Jorge e ao meu guru nestas coisas bloguistas, que é outro Jorge, mas com apelido de defesa central da Juve ou assim. Naturalmente, sem menosprezo para todos os outros presentes, com quem aprendi num intervalo temporal tão pequeno, coisas tão grandes.

Panasquices à parte, impulsionado pelo tema que serviu de mote aquele Encontro, e posteriormente espicaçado por esta prosa, pus-me a pensar se de facto sou Portista ou se tenho andado a enganar-me. Até consigo perceber que me engane, que toda a gente gosta de gostar do melhor. Mas caramba, se assim é, tenho feito um trabalho de camuflagem espetacular!

Vejamos, há uns anos um querido familiar, à época ainda recente familiar, olhou para mim e definiu-me numa das suas sempre lapidares, e lampiónicas, afirmações:

- Pá, tu és preto, mouro e tripeiro. Porra, não te aconteceu nada de jeito! - Para elevação das almas mais suscetiveis, esclareço desde já que não há um pingo de racismo ou xenofobia implícitos nesta frase. Se o conhecessem, este parágrafo seria desnecessário. Pelo sim, pelo não, fica dito.

A verdade é que eu tive a felicidade de nascer em África, no seio de uma família completamente Africana. A mãe era de Cabo Verde, o pai é Moçambicano. Se recuar uma geração, a Avó paterna já foi nascida em Moçambique, apesar das origens...Mauricianas, a outra Avó era Cabo-Verdiana do Mindelo. O Avô paterno, esse sim, era de Rio Tinto. A verdade obriga a que se diga que era o mais Africano de todos. Porque o foi até morrer, por escolha. Do outro Avô sei muito pouco, mas creio que nele terminou um ramo anglo-saxónico da família. Pronto, imaginem a ONU e estamos conversados sobre as raízes.

Chegado à Metrópole, fizeram-me desaguar nos arrabaldes da Grande Lisboa, onde passei mais de 20 anos da minha vida. E paremos aqui por um instante.

Com quase 30 anos de idade, este belo mancebo nunca tinha vivido no Porto, ou sequer passado mais do que curtos períodos, em trabalho ou lazer, na Invicta. Pelo contrário, tinha crescido na Amadora, morado em Benfica e representado o Sporting Clube...Brandoense. No entanto, era a cidade do Porto, o Norte, que me deslumbrava. Aceitava sem rodeios o mito do "é no Norte que se trabalha" e enchia-me de um estranho orgulho, alheio, a estória dos Tripeiros.

Ou seja, é um exercício completamente ao contrário. Não era da cidade que me advinha o amor ao Clube, por ser manifesta e comprovadamente impossível. Mas do Clube se fazia a paixão pela Cidade. Ainda hoje isso me custa o dobro da revolta quando nos fecham as portas do Município ou quando portuenses achincalham o FCP. 

Ser Portista em Lisboa, por exemplo, é bastante mais complicado do que ser lampião em Campanhã. Hoje será menos assim, mas no meu tempo, para além da resma de papel para fotocópia custar apenas 25 tostões, era uma escolha bestialmente solitária. Em 1987, enquanto o Porto saía à rua em festa e alegria, eu saí de punhos cerrados e insulto pronto. Não para festejar, mas para confrontar. Fazendo uma batalha contra os outros da minha alegria intima, partilhada apenas e só em casa. 

Vivi bons momentos nas Antas, mas o meu estádio é o Dragão. Nunca assisti a treinos, nem sequer vi um jogo dos juniores ao vivo. Não passei dias entre o estádio e o Pavilhão Américo de Sá. Gosto da cobertura da minha arquibancada, gosto do conforto da minha cadeira azul e acho-os bem melhores que as bancadas de cimento. Não me incomoda o cheiro das pipocas e passo, sempre!, pelas lojas do Dolcevita antes de entrar. E sou do FCP. Nem por um momento isso tudo me faz ser menos. Não creio igualmente que me faça ser mais, nada de confusões. No máximo faz-me não ser saudosista. E mesmo isso, acredito que está mais na genética de cada um, no ADN!, do que na História.

Mas se a mística, para além de uma tosta (estás a dever Miguel!), se faz de um espírito guerreiro que em nós, Portistas, é maior e mais exacerbado, então deixem-me que vos diga que não há nada mais místico do que ser Azul e Branco em terra de Vermelhos e Verdes. E todos aqueles que viveram e vivem esta experiência saberão muito bem de que sentimento estou a falar. Também eles terão, suponho, uma dimensão de julgamento, de todos os tipos, especial para o NGP. Porque JNLPC foi o nosso Leónidas e nós os seus indefectíveis 300.

Por coração, acabei aqui. E este acabei não é uma mera palavra, é todo um processo de intenções. Já não saio daqui para mais lado nenhum. Tenho mais esta dívida de gratidão para com uma freguesa aqui da Tasca. E confesso, é muito melhor estar tão perto. Perto do Dragão, da Cidade, de vocês. Até Lisboa ganhou um brilho diferente. De facto, como é linda a Cidade, que luz única tem (não, não é essa! É luz mesmo, de iluminar!).

Portanto, não foram as raízes. Ainda que uma das minhas primeiras reminiscências seja o Avô a sintonizar um rádio enorme, que parecia feito de palha com botões dourados, para ouvirMOS o relato do Porto. Também não foi o local onde se viveu. Pelo contrário, a aura ainda hoje especial que o Porto tem para mim, deve-se ao facto de ser a casa do FCP. Não são as memórias dos locais mais míticos, pois que para mim nunca o foram. Então que raio de Portista és tu, Silva?

Não sei. Sou este, que querendo que a Seleção ganhe sempre, não se chateia por aí além se perder. Este que não mente e por isso avisa à partida que não, não vai torcer pelas "equipas portuguesas" nas competições europeias. Eu quero mesmo que os outros percam. Não fico particularmente contente, e menos ainda orgulhoso, por ser assim, mas sou. Make no mistakes, sinto-me tão Português como qualquer campino. Provavelmente sou é ainda mais Portista.

Pode ser que o Porto, o FCP, seja a minha verdadeira Nação. Tão esbatidas as raízes, tão dispersas as ligações, pode ser que me tenha restado o FCP. O elo comum, mesmo que inexplicável, desta vida. Não que isto vos possa interessar, mas se calhar o nosso Clube é a minha ALMA MATER.

E a vossa?  Am i alone in my belief?


...

- Oh Silva, eu sei lá se está sozinho. Sei é que está parvo, isso sim. Que tédio...
- Tome ópio.

13 comentários:

  1. Ah Granda Silva!
    Pela escrita inteligente e deliciosa - como a comida da tasca - já se sabia que tinha de existir alguém grande por de trás!...com grandes avós se fazem grandes netos...

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    1. Epa, obrigado Reine! Isso é uma ganda responsabilidade!
      Mas fico todo contente que os pitéus sejam apreciados :)

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  2. @ Silva

    desafio místico:
    assistir à apresentação da Equipa aos sócios. será no primeiro Domingo de Agosto, acho. obviamente que bem regado com a tal tosta :)
    matuta essa ideia e depois diz de tua justiça. obviamente que a tua cara metade também está convidada. e o Jorge Vassalo também.

    abr@ço
    Miguel | Tomo III

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    1. Aceito já! Não me parece que consiga carregar a familia para a bola, mas para a tosta, aposto que sim! :)
      Temos que confirmar é a data...
      Abraço.

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  3. Estou contigo Silva!

    A mim não me incomoda pipocas, incomodam-me pipoqueiros, i.e., aqueles que pouco estando e pouco fazendo, são críticos assobiativos ao primeiro erro. Mas acho que o conforto evolutivo do Dragão é um avanço, não um recuo.

    Gosto da sensação de poder levar a minha filha ao Dragão com toda a segurança e conforto, com uma casa de banho por perto, dei-lhe pipocas, mas isso não a impediu de se apaixonar pelo Óliver e pelo Aboubakar.

    Grande banda sonora, melhor ao vivo - 5 vezes and counting... :) !

    Abraço Azul e Branco,

    Jorge Vassalo | Porto Universal

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    1. Ehehe, portanto partilhamos também os Moonspell. Tu nasceste no Porto, ok, mas eu joguei à bola com o Fernando Ribeiro na Brandoa! Tau! :)
      Vê o comentário do Miguel, acima. Temos coisas para combinar...
      Abraço.
      PS. Aposto que estivemos juntos no Hard Club aqui há uns mesitos hein? \m/

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    2. Eu nasci em Esposende. Como o Tozé.

      Abraço

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  4. Depois de ler isto, fico a pensar que tenho que remodelar a minha prosa.
    Não para lhe mudar o sentido, mas talvez para ser (ainda...) mais exaustivo e explícito.
    Fico com a sensação que posso não ter sido claro para muita gente (que não o caro Silva).

    De resto, que estória tão portistamente comovente, ò Silva, carago!

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  5. Portogal! Tudo dito!
    Nasci na Póvoa de Varzim, vivo em Braga, mas o meu ADN é tripeiro!

    abraço

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