segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Nomes - Trilogia da Abelha: P._G.



Chego a assustar-me. Está muito pálido e com os olhos em alvo. Já vi pessoas a morrerem, outras já mortas, algumas que respiravam mas já tinham, de facto, morrido, e guardo a cor e o olhar de cada uma.

Há um processo mental de negação do susto que nos leva a ficar quietos e calados. Como se o silêncio funcionasse como gelo, mantendo o corpo preso por um fio, estacando por instantes, breves e suficientes, o avanço da morte. Ou da dor. Falo baixo, na esperança de manter intacta a paz da Tasca à volta dele. Não o deixo escorregar para a luz:

- Sente-se bem, avôzinho? - Estou de joelhos ao lado da sua cadeira, uma mão no ombro dele.

- Nem sei, Silva. Isto vai dar cabo de mim. Já não tenho idade para surpresas. - O facto de articular palavras, e elas fazerem sentido, soa-me como o estalar do foguetório na festa aqui da terra. Cada rebentamento um abraço, cada cana um suspiro de alivio.

- Mas que se passa? Quem ainda morre de susto de o ver assim sou eu, raisparta homem.

- Sempre que penso que lhe apanhei o fio, aparece-me uma montanha maior.

- Os papeis? A sério que é por isso? - Quase irritado.

- Pois claro. Vou ter que recomeçar, praticamente. Veja lá se isto faz algum sentido. - Estende-me um quarto de folha de papel pardo, rasgado à mão.

" Nomes - Trilogia da Abelha: P._G.

Tenho-te na polpa dos dedos
como antes nenhuma paixão.
Deslizo a minha pele na tua, etérea,
cibernética, feita de letras
e milésimas intenções.

De zero a um, guardas-me do vento
no calor de seres quem eu quiser
e desaguas na minha gargalhada
que não ouves,
nem sentes.

Amanhã acordaremos telepáticos,
cansados da noite gloriosa
que não dormimos,
molhados do amor liberto
que nunca fizemos."

...

- Bolas, mudou o género.

- Percebe? - Descaem-lhe um pouco mais os ombros.


11 comentários:

  1. @ Silva

    desta vez, vou ser diferente e apesar de considerar o texto fantabulasticamente brilhante, acho mesmo que ele se relaciona com aquele outro sobre escatologia, traques, merd@ e afins. pronto! :)

    PS:
    "Bolas, mudou o género."

    então isso significa que a sigla do nome provável não é provavelmente Pedro Guerra... confesso que foi a
    minha primeira associação...

    abr@ço forte
    Miguel | Tomo III

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    1. Baleia Foradágua?? Oh well, até faz sentido. É perfeito antípoda desse nojo de pessoa.
      Abraco

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  2. Refere-se à goleada de logo?
    :)
    Abraço

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    1. As vitórias à rasquinha do clube da cor do ranho?
      E o que isso faz aos seus adeptos?

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    2. Na. Nada perto de futebol. Mas podia ser bola, la isso podia. Não ia fazer uma grande diferença ;)

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    3. A culpa é dessa imagem azul em forma de "tonel".

      É o fim da vida e o reviver dos tempos passados juntos?



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    4. Eheheheheh, nop. Vou ajudar: A imagem é de facto uma espécie de "tonel" de zeros e uns. E o título do poema que roubei desavergonhadamente a um autor desconhecido é "Chatroom #852". A cumbersa com o velhote vem na sequência da estória dos "Nomes" (tag

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    5. Pelo menos a goleada ocorreu, já não é mau :)

      Quanto ao tema:

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      1. Chego a assustar-me. Está muito pálido e com os olhos em alvo.
      2. Já vi pessoas a morrerem,
      3. outras já mortas,
      4. algumas que respiravam mas já tinham, de facto, morrido,
      5. e guardo a cor e o olhar de cada uma.»

      1. Adeptos que que não acreditam no que está a acontecer (2 péssimos jogos do nosso FCP).
      2. Adeptos que deixam de acreditar,
      3. outros que nunca acreditaram,
      4. alguns que dizem acreditar mas sem convicção.
      5. Guardamos as conversas e opiniões de cada um para depois serem cobradas.


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      Há um processo mental de negação do susto que nos leva a ficar quietos e calados. Como se o silêncio funcionasse como gelo, mantendo o corpo preso por um fio, estacando por instantes, breves e suficientes, o avanço da morte. Ou da dor. Falo baixo, na esperança de manter intacta a paz da Tasca à volta dele. Não o deixo escorregar para a luz:
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      Depois da derrota com o Kiev ou a péssima exibição com o Tondela, que foi um susto, procuramos negar o que aconteceu, não queremos aceitar, não apetece falar nem ver mais nada, como se isso impedisse que o avanço da descrença em relação ao caminho em que acreditamos. Falamos para nós próprios, numa de tentar manter a calma, encontrando justificações e razões para continuar a acreditar. Não deixando que aqueles que não acreditam vençam.

      ...
      ...
      ...

      Abraço

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    6. As goleadas são sempre bem-vindas.
      Espetacular o processo mental de associação de ideias. Como diria o xôr Lima, o Mundo é esférico, pelo que o todo é uma bola. :)
      E acredite o xôr Carrela que acabou de me deixar um dos maiores, provavelmente o maior, elogio que já´recebi aqui na Tasca. O facto de se ter "apropriado" do texto, é o melhor que me pode acontecer. Quer dizer que o tocou. Seja como for, pelo que for.
      Obrigado por isso. Abraço.

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    7. Obrigado eu pela gentileza das suas palavras!
      E como já muitas vezes o disse, muito agradecido pelo prazer que proporciona com o que escreve!

      A decifração da coisa, continua!

      Abraço

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