quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Uma desagradável coincidência.

"Quando isto acabar, podíamos ir jantar, boa?!"


- ... E lá estava a rapariga, cheia de sacos e mais sacos, à procura da chave para abrir a porta do prédio. Caramba, somos vizinhos, já nos cumprimentámos uma série de vezes no elevador, já concordámos e discordámos em Assembleias de Condomínio, sempre fomos cordiais, ia agora deixar a moça às aranhas? Claro que ajudei. Alguma coisa de anormal nisso?

- Até agora, nada. Mas o problema é esse?

- Quer dizer, não propriamente. Carreguei um monte de sacos para o elevador e ainda sobraram uns três ou quatro para ela, mais a chave de casa e a mala e o raio que a parta. Prontifiquei-me para lhe deixar a carga em casa, naturalmente. A tipa abriu a porta e disse: ponha tudo na cozinha, por favor. Ai obrigada, obrigada, desculpe e desculpe, que incómodo e renheunheunheu, enfim, o típico. E olha que aquilo pesava, chiça. Haviam de ser toneladas de comida para a besta gorda do marido, cabrão de merda. Bem, até transpirei.

- Estou a ficar ensonado. Saltas para a parte gira ou vou limpar as mesas?

- Não sejas parvo Silva, isto é sério! Ora, como manda a boa educação, a tipa pergunta se não quero um café, uma cerveja, um copo de água. E eu, estúpido!, aceitei o café...

- Mas não estavas a transpirar do esforço?! Café quente?!

- Também aceitei a água, não me interrompas! Lá ficámos na cozinha, a trocar dois dedos de conversa enquanto ela preparava o café e ia arrumando as compras nos armários.

- Pois, falaram acerca de elevadores e da limpeza do átrio e assim, aposto.

- És mesmo estúpido, Silva! Não se pode desabafar contigo, foda-se pá! Para que saibas, falámos de coisas completamente inocentes. Livros, viagens, preços das mercearias. Bom, o problema foi quando ela se lembrou de guardar os enlatados na despensa. Tu nem acreditas homem! Nunca tinha visto uma coisa assim. Uma infestação de pulgas, mas aos milhões. A parede branca estava preta!

- Puxa, que coisa...

- Mesmo! A mulher deu um grito, eu aproximei-me para ver o que era e pumbas, atacados pelos bichos como se fossem leões e nós indefesos bambis. Tu sabes lá o que é sentir milhões de picadas ao mesmo tempo, pelo corpo todo. Desatei a contorcer-me e a bater em mim próprio, desesperado.

- E ela?

- Queria lá saber da gaja! Também devia estar a fazer o mesmo, acho. Pelo resultado, estava. Só sei que no meio do desespero comecei a desapertar a camisa e acabei por fazer o mesmo ás calças e coçava-me ferozmente. Tenho marcas no peito e nas coxas que mostram a força com que me arranhava!

- Pois, cálculo...

- Com isto tudo, ninguém se tinha lembrado de fechar a porta da rua. Tínhamos os dois acabado de nos encharcar com água, da pia da cozinha, quando ouvimos alguém gritar "COMO??!! A SÉRIO??!!".

- O marido, está claro.

- Pois, o marido. Que situação pá! Eu e a mulher em roupa interior, molhados nós e o chão e a porta da despensa fechada, a esconder a causa de tudo, e o café entornado na mesa, as compras espalhadas por onde calhasse.

- Cristo! De facto... E disseste o quê?

- A verdade, óbvio! Disse-lhe: Trata-se de uma desagradável coincidência. Tudo isto é bastante inocente, como perceberá quando lhe explicarmos...


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A Lista de Músicas Parvas do Senhor Monteiro da Silva



- Na família, todos temos um comportamento obsessivo qualquer. Quero dizer, pelo menos um. Há quem tenha vários... A mim calhou-me isto das listas. Tenho um primo que é obcecado com danças de salão. Viveu anos na penúria, a gastar cada cêntimo em aulas de dança, em danceterias, em clubes de danças latinas, em tudo o que lhe permitisse estar sempre a dançar. Até que lhe ofereceram emprego nos "Alunos de Apolo". Limpa, arruma, toma conta, faz de guarda noturno... Um tio meu era obcecado por orgãos preservados em clorofórmio. Já está a ver que não me posso mesmo dar por infeliz, não lhe parece Silva? Afinal, fazer listas de tudo e mais alguma coisa não é assim tão estranho e nem sequer é muito incomum. Toda a gente passa a vida a fazer listinhas disto e daquilo, eu só exagero um pouco. E agora, diz-me o meu mais novo, até parece que é moda numa dessas coisas da internet social. Listas, montes de listas.

Encolheu os ombros e suspirou. Nenhum sinal de desconforto, nem ponta de vergonha. Só um ligeiro ar de resignação. Podia ser uma personagem do Murakami, o senhor Monteiro da Silva. Proclamou:

- Deixe-me acrescentar o seu nome à minha lista de pessoas a quem já falei disto, antes que me passe. E já agora, você que é todo melómano, dê-me aqui a sua opinião desta listinha:

Lista de músicas parvas

1. Crocodile Rock (LYRICS)
2. De do do do de da da da (LYRICS)
3. I'd do anything for love (LYRICS)
4. Rat in my kitchen (LYRICS)
5. 99 Luftballons (LYRICS)
6. Push it (LYRICS)
7. Blue Suede Shoes (LYRICS)
8. I walk beside you (LYRICS)

- Hey?! Oiça, percebo a lógica. Tem piada até. Mas... este "I walk beside you" está deslocado não? Olhe que não deve ser da mesma lista!

- Ora, nem todas as maneiras de ser parvo são estúpidas, não concorda Silva?

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Mapas do caminho para a Santidade


- É tão feio bater em quem está no chão Silva! O homem faz o papel dele, podes deixá-lo em paz, sim?

Não posso rebater o argumento. Tudo em mim sabe que está certo, que, salvo a hipocrisia, a atitude correta é ter piedade até do inimigo. Muito mais quando são coisas sem importância, que no fim do dia não nos magoam verdadeiramente, nem aos nossos, aqueles mesmo, mesmo nossos, que amamos.

O nosso receio, ou será hábito?, da arrogância - a alheia, pois claro, que os próprios nunca são arrogantes, modéstia à parte - faz-nos olhar tão desconfiadamente para os magnânimos. Talvez seja pura inveja o que nos leva, tantas vezes, a achincalhar-lhes a nobreza. Esta nossa necessidade intrínseca de fazer pior tudo o que nos rodeia, para que possamos assim viver bem com as nossas fraquezas: ah a imensa alegria de não ser pior do que os outros. E no entanto, perdoar é Santo, sempre que é verdadeiro. Ainda mais se se trata de perdoar os pobres de espírito, que seus serão os Reinos do Céu. À santidade não chegaremos os mais de nós, mas que diabo, salvo seja!, podemos aspirar.

Tenho todo este novelo a desembaraçar-se no cérebro, frações de segundos ou minutos inteiros, não sei, e ouço-o reforçar:

- Por agora deixemos o Bruninho de lado, combinado?

Magnânimo Silva, sem arrogância, sem ódio, diz-me o meu anjo.

- Nem penses! Há-de ser ainda pior! Filho de um grande transatlântico de meretrizes siflíticas... - Respondo eu.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Prato do Dia: Cogumelos Recheados (versão ovolactovegeteriana)



Cogumelos Portobello Gigantes
Enchido de Tofu
Cebola
Alho
Azeite
Queijo Brie
Mozarella
Vinho do Porto
Molho Bechamel

(as quantidades dependem, obviamente, do número de comensais)

Este fungo faz um bocado de impressão, se nos pusermos a pensar nisso. Imaginem lá uma coisa destas a crescer-vos numa unha. Então quando tem uma dimensão considerável, como é o caso, o cogumelo evidentemente, ainda mais sou levado a imaginar o dedão do pé com um belo cogumelo nuclear a despontar orgulhosamente, ornamentando a bela havaiana. Blargh.

Dá-se o caso de serem uns fungos saborosos. Aqui na Tasca são particularmente apreciados sob as mais diversas formas. Eu passei a gostar particularmente destes, escarrapachados na foto acima. Porque sabem melhor do que confecionados de outra forma? Até pode ser, mas sobretudo porque servem para substituir os originais, com chouriço de porco preto (deliciosos!), dado que o enchido a sério não pode fazer parte da zona ovolactovegetariana da ementa. Sendo que os primeiros eram muito elogiados por uma cliente muito, muito especial, saibam que fiquei encantado com o resultado obtido nesta versão, porque eu sei q ela gostou. E bem, sem desprimor por nenhum dos outros comensais, a verdade é que é no seu "hmmm que bom" que penso quando cozinho.

Ah pois, os cogumelos!! Retirar os pés dos cogumelos, enfim, decepá-los. Numa travessa de ir ao forno, colocar os cogumelos pernetas, temperados com pouco sal e um fio de azeite. Levar ao forno 5 a 7 minutos (pré-aquecido a 200º mais coisa menos coisa). Isto dos 7 minutos é mesmo para chatear, não?

Entretanto, saltear os pézinhos e umas fatias de enchido de tofu em azeite, tomilho e pouco sal. Acrescentar a cebola e o alho, continuar a fritar até a cebola ficar macia. Adoçar o salteado e a goela com um golo de vinho do porto e deixar evaporar o álcool. Essa é a hora de juntar um pouco (um pouco!!) de molho bechamel. Assim que levantar fervura, atirar lá para dentro fatias de queijo brie como se não houvesse amanhã. A mistura vai ganhar consistência, podem juntar leite no caso de terem abusado do brie (abusem!). Quando o queijo estiver incorporado, está pronto.

Rechear os cogumelos com o preparado e cobrir com um queijo "neutro". Na Tasca escolhe-se mozarella. Voltam os cogumelos para o forno e o cozinheiro para a garrafa de Porto. É só o tempo de gratinar e ficar douradinho.

Depois é esperar o "hmmm que bom". De preferência, com um "acaba lá de jantar que já te dou bons motivos para hmmm que bons" já engatilhado. Os cogumelos servem-se saídos do forno e estas coisas dizem-se baixinho. Façam atenção hã?! 

domingo, 26 de outubro de 2014

Closing time



- Olha lá pá, isto está paradinho hein?! E mandares o velhote dos sapatos para casa? Está a dormitar na mesa, que vá dormir para a cama. Ajudo-te a limpar o estaminé e vamos beber um copo a qualquer sitio, boa? Estou a embirrar com esse ar de tasqueiro ausente, meu grande macambúzio...

- Why not?! Vamos a isso. Deixa-me só pôr a tocar uma velharia, enquanto aldrabamos a limpeza...



quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Longa carta aberta contra quase todos (com bolinha vermelha)



Exmos. Senhores,

Ontem, deu-se o caso de ir a Bilbau, ver a bola. Para quem nunca lá esteve, fiquem sabendo que é muito parecido com o Porto. Até o Estádio fica perto de um Centro Comercial que é a cara chapada do Dolce Vita. Diga-se que tive a vida facilitada, uma vez que da Tasca a Bilbau é um tirinho. Vinte minutinhos sempre em auto-estrada, quase sem portagens, e ainda se vê o mar, ali por alturas de Arcozelo. Correu tudo muito bem, obrigado. Os Bascos são muito boa gente, muito alegres, conversadores e hospitaleiros. Claro que apoiam os seus intensamente e me fizeram sentir o desconforto de estar fora de casa. Mas isso é só bola. Por partes, para vos facilitar o entendimento:

Costa Monteiro, caro senhor e comentador de futebol, que, à custa de doentes como eu, é uma profissão, devo dizer-lhe que antipatizo com V.Exa. desde sempre. Não apenas porque trata mal a língua pátria, o que é bastante comum na sua arte, pasme-se!, mas também porque não me parece correto falar para as pessoas em estado de embriaguez. Isto porque assumo que as suas constantes confusões acerca de nomes, lugares, datas e factos, se devam aos copitos que vai virando antes e durante as futeboladas. Mas não o tinha por xenófobo ou anti-espanhol. Bem sei que já vamos em quase mil anos a dar cabo da cabeça a nuestros hermanos, mas que diabos, há limites, sí? Vejamos, NÃO! o facto de o espanhol ter sido assobiado não foi o acontecimento mais relevante da noite. NÃO! 5 oportunidades claras de golo na primeira parte (Jackson x 2, incluindo um penalty roubado, Tello, Indi e o golo, naturalmente) não são poucas para um jogo da Champions. São muitas! O espanhol tem razão, por mais azia que lhe dê. NÃO! não foi o Sr. Costa Monteiro que fez entrar o Quaresma e, menos ainda, foi Vossa Embriagada Senhoria que marcou o golo. E SIM! desculpe lá, mas ganhámos.

Amigos paineleiros, incluindo xéxés Aguiar, gordos Serrões, ensonsos Guedes, intelectuais Tavares e vendidos Vitinhos, podeis, porque é num país ainda livre, mais ou menos, que vivemos, dizer o que quiserdes. Mas não reclamai o nosso estandarte, porque pífio é o vosso amor e fraca a vossa força e vazia a vossa paixão. Estais bem junto desses outros anões da Silva (belo nome, fraca gente), obesos Gobern, apanascados Daniel, ressabiados Rita, Queiroz e quejandos. Bem sei que vivemos tempos complicados e que quem nos entrega euros no fim do mês, ou após cada programa, merece respeito e dedicação. Assumi pois essa vossa condição de prostitutas, que somos todos afinal, e aparecei de vendas nos olhos. Sempre será mais fácil ignorar que a "vergonhosa derrota do espanhol, só dele!, contra o SCP" não incluiu (mais) um penalty sonegado. E sabeis? Não perdemos duas vezes contra eles, só uma. Doeu, mas não valeu por duas.

Rapazes de verde e branco equipados, tendes que vos decidir! Se para vós a mão não está no sitio em que, por norma, estão as mãos, então porque não pode estar na cara? Se um fora de jogo de dois metros é de dificil julgamento, porque é escandaloso outro de apenas meio corpo? Se não falais de árbitros, então porque... falais? Karma is a bitch! Continuai a aplaudir com entusiasmo as derrotas, já é a segunda vez, nota-se um padrão?

Adeptos do meu clube do coração eram poucos ontem. Já se sabe que a vida não está para viagens, deve ter sido por isso. Sim, porque aquilo só podia ser Bilbau, não é ironia minha. A alternativa é aceitar que quando os nossos mais precisam, quando tremem que nem varas verdes e só o conforto de estar em casa, com as costas quentes, respaldados naqueles que dão sentido a tudo isto, nós, os apaixonados!, quando olham à volta e procuram o seu apoio...ouvem assobios. Muitos assobios, só assobios. Isto não são as minhas cores. Recuso-me! Prefiro o estádio vazio, ou cheio de "inimigos", do que repleto de pseudo-portistas. Filiem-se em agremiações da Capital e logo podereis ovacionar honrosas derrotas. Como os paineleiros, sois adeptos do FC Festas, apareceis em todas, seja nos Aliados ou na Alameda do Dragão. Isso não é ser portista, é ser putista, ou benfiquista ou lá como se chamará a essa coisa da espinha torcida.

Lopetegui é um nome tramado, presta-se a uma série de dislexías engraçadas. Creio que só agora começas a reparar onde estás exatamente. Os nossos media não são normais, o nosso povo não é normal, o nosso país não é normal. Tem coisas boas, tem coisas más, esta anormalidade. Foram 50 anos de ditadura, são ainda muito poucos de liberdade. Muito tempo de escuridão, analfabetismo, fome e pobreza. Vamos evoluindo como podemos, tem paciência. Parece-me que os tens no sitio. Mais pequenos e mais feiosos que os meus, está claro, mas no sitio. Cojones hombre! Que la sigan chupando! De qualquer maneira Julen, aqui te deixo o melhor presente que poderia oferecer este ano: a minha camisola passará brevemente, e finalmente!, a ter um nome nas costas: o teu! É esta a confiança que tenho no que me foste mostrando até aqui. Não me desiludas, roda, irrita-os, ri-te, GANHA! Garanto-te que se o conseguires neste cenário, estarás entre os grandes, os maiores, em muito pouco tempo.

Haja decência! Ou competência! Ás tantas já nem sei. Pelo sim pelo não, aqui ficam algumas informações importantes: o FCP está em primeiro lugar no seu grupo da Champions; o SCP e o 5LB estão em último nos seus. O FCP está em segundo no campeonato de Portugal; o 5LB é primeiro e o SCP é quarto. Ganhar 6-0 na prova mais importante do Mundo não é obrigação de ninguém, empatar em casa de um adversário direto é bom e ganhar a outro é ainda melhor; pelo contrário, ter 0 e 1 pontos ao fim de 3 jogos é muito mau. O FCP investiu um pouco menos esta época que o 5LB; o SCP investiu esta época bastante mais do que anteriormente. O treinador da moda pode ser quem quiserem, mas o MELHOR não poderá, seguramente, estar em quarto no Campeonato e em último na Champions. A menos que considerem que fazer dois jogos contra o FCP e não perder nenhum, seja lá como for, torna qualquer um num iluminado. Mas isso não diriam vocês, pois não? Espero ter contribuído com estes esclarecimentos para uma melhor Comunicação Social, no que à bola diz respeito. Quer dizer, na verdade não espero. Não sou ingénuo como um espanhol, nem estúpido como um Aguiar ou parvo como um Serrão. Pelo contrário, devo curvar-me perante tamanha demonstração de poder. Desta vez a coisa está tão bem concertada que até dá para descobrir a careca aos FC Festas supporters. Excelente! Gosto que todos percebam até que ponto os media são importantes e poderosos. Põe-me comida na mesa!

Ora vamos lá resumir: eu sei que foi o Lopetegui quem deu a mão à equipa, quando toda a gente a assobiava e ela se afundava. Foi ele que teve o par de tomates de tirar o Quintero e botar o Neves, expondo-se à imensa vaia que ouviu, mas segurando o meio campo. Não teríamos ganho sem isso, creio. Também sei que o Quaresma marcou o golo da vitória, mais um golo vindo do banco, com o dedinho do espanhol portanto. A todos os que encobrem a verdade, a todos os que vão na onda, a todos os que, por ignorância, se deixam arrastar, isto é, à comunicação social, aos paineleiros, aos portistas da treta, tudo o que tenho para dizer é: ide,ide todos para as maiúsculas a bold no inicio de cada um destes parágrafos!

Atentamente.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Primeiro Inverno



É muito cedo e está muito frio. Na verdade, não está assim tanto frio, dizem os termómetros e diz o senhor das notícias, com o seu ar feliz de quem está mais perto de ir dormir do que acabado de levantar. É só que a minha pele ainda se lembra do Sol e os meus pés ainda estão moldados a chinelos de dedo. Por isso, está um gelo querida.

Inspeciono rapidamente os aparelhómetros que elevarão a temperatura e deixarão um cheiro estranho no ar: ena, há que tempos não nos víamos, deixa lá queimar a poeira das ventoinhas. Caminho mentalmente os passos: onde vou sentir frio, onde estará condicionado o ar e haverá conforto. Afinal, não vai ser nada complicado e as horas tratarão de trazer luz e mais calor.

E no entanto, já sei que o dia será gélido. Porque é debaixo desse cobertor, a minha pele nua na tua, embalado na tua respiração, que fica o meu dia quentinho.

É muito cedo e está muito frio, tu dormes perfeita. Eu estou já imperfeito, fora do casulo, um pé e meio dentro do primeiro inverno.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O verdadeiro Mourinho e as mangas



Deixou cair a mochila no chão e trepou para o seu lugar cativo ao balcão.

- Então rapaz, foram boas as aulas?

- Sim. Tive teste de História. Não gosto lá muito de História. É coisas velhas... - Ia desatar a explicar o imenso disparate daquela afirmação, mas não me deixou. - Silva, viste? Empurraram o Mourinho! Deu na televisão, grande empurrão!

Por um momento, ponderei se aquela familiaridade do tu em vez do Sô não seria falta de respeito. Decidi que não, que era apenas pertença. És dos meus e trato-te como tal, como o avô ou a mãe, salvas as devidas distâncias. Nesse caso, parecia bem partilhar um segredo.

- Sabes puto, esse não é mesmo o Mourinho.

- Hã?!

- Eu conheci o verdadeiro Mourinho. - Pousei os cotovelos no balcão e ficámos assim, cara a cara, como quem conspira. 

- A sério? Conheces o Mourinho? Não pode ser! - Mas já era tarde para cepticismos. A fagulha da curiosidade já tinha acendido a fogueira do "mesmo que seja mentira deve ser super giro".

- Mas é que é mesmo. Não esse que anda por aí, impostor, mas o verdadeiro, o Mourinho a sério. Há muitos anos atrás, morávamos na mesma rua. E jogávamos à bola juntos e tudo. Inseparáveis, eu e o Mourinho. Podes apostar, puto. 
Nunca me vou esquecer dos grandes derbys: Parte de Cima da Rua contra Parte de Baixo da Rua. Eu era de cima, o Mourinho de baixo.

- Jogaste contra o Mourinho? E ganhaste, Silva? - Meio gozo, meio curioso. No ponto, portanto.

- Não miúdo, não joguei contra ele. Eu conto-te:

O tipo mandava, pois claro!, na equipa de Baixo. Acontece que, tirando ele próprio, eles eram mais novos, mais pequenos e mais fracotes. Em compensação, os de Cima eram quase todos uns Sonkaya. Autênticos perna de pau, mas latagões e abrutalhados. Tirando eu, que nem era pequeno, nem era matulão como os outros. E como em terra de cegos quem tem olho é Rei, também não era considerado nenhum perna de pau.
Ora, o esperto do Mourinho viu logo que o melhor era passar-me para a equipa dele e deixar os Sonkayas entregues à força bruta.

- O Mourinho contratou-te??!! A sério??!!

- Isso mesmo. Também não era difícil, afinal éramos os melhores amigos.

- Mas tu moravas do outro lado, não era? Podias jogar pelo Mourinho?

- Em principio não. Mas o gajo pagou-me e os outros tiveram que aceitar.

- Pagou-te muito dinheiro Silva?

- Dinheiro nenhum! Pagou-me em mangas. Uma manga, um jogo pela equipa dele.

- Mangas? Só?

- Puto, naquele tempo as mangas não vinham de avião! Deviam vir a pé, lá da América do Sul ou de África. Eram caras e não se arranjavam assim à balda. Lá em casa não se passava fome, mas também não era comum comermos mangas. Só que o Mourinho era patrocinado por uma frutaria espetacular e então conseguia...

- Uau! E esse era assim manhoso como o de agora? 

- Claro! O verdadeiro Mourinho é que ensinou todos os Mourinhos a serem Mourinhos, entendes? 

Topa só, a nossa estratégia de jogo era marcar primeiro. Quando marcávamos, desatava tudo a correr para dentro da baliza dos grandalhões e lá ficávamos que tempos a comemorar. E eles muito irritados. Quanto mais se irritavam, pior jogavam, mais depressa perdiam.

Outra: nesses tempos, ninguém se lembrava de levar água ou comida para os jogos. Ninguém, a não ser o Mourinho. Ele levava. E ao intervalo distribuía. Mas só para nós, os da equipa. Os outros ficavam a ver-nos comer grandes fatias de bolo e a beber água. E irritavam-se ainda mais e jogavam ainda pior e acertavam-nos cada vez com mais força. 

Normalmente ganhávamos. Mas vi o Mourinho bater no seu próprio guarda-redes, por ter dado um frango e se ter rido por cima. E olha que a bola era dele!

- Que grande peta Silva. - E fez um riso não muito convicto. A dúvida roía-lhe os miolos subdesenvolvidos dos 10 anos (11, Silva! Tenho 11!).

- Ena, ao tempo que não ouvia essa palavra: peta. Tu é que sabes miúdo, acreditas se quiseres.

- Sim,sim. Mas que foi um grande empurrão, lá isso foi. E ele nada, ficou-se. - Abanou a cabeça desiludido.

- Escreve aí puto, ao verdadeiro Mourinho, nenhum engomadinho dava um empurrão e se ficava a rir. - Ponto final.

Passou um bocado calado, eu aproveitei para servir finos à mesa dos adolescentes, sem me conseguir decidir: rio-me por lhe estar a vender isto ou choro de saudades de o ter vivido? Regressei para avaliar o meu estrago.

- Oh Silva, isso deve ter sido mesmo há muito tempo. Nem mangas havia! Estava a pensar, és assim tão velho, mas não pareces. - Fixou-me os olhos nas ventas. - Oh Silva, tu conheceste algum Rei?

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Prato do Dia: Lasanha de beringela e espinafres com ( muito ) requeijão.


Partindo do princípio que o requeijão não está estragado ou a beringela bolorenta, o catch disto é o molho de tomate. O bechamel, sim, inclui!, também é importante, mas menos. Dois terços do primeiro para um do segundo.

Para o molho de tomate, o truque é muito simples: basta imitar o refogado da tia Alice. E, claro, ter paciência para deixar apurar, mas não demasiado. Don't wait too long, don't harvest too late.

Na Tasca, o bechamel tem uma pitada de noz moscada e dois golos de vodka: um para o molho, outro para o cozinheiro.

Depois, é abusar do requeijão e deixar escorrer bem os espinafres. O resto é lego.

Resulta melhor se se pensar em cuequinhas ás bolinhas durante a confeção. Ou a degustação. Da lasanha, pois claro.

- Oh Silva, então e a massa não é decisiva?

- Não pá, é Pingo Doce!

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Análise de risco da lentidão irritante


Um SMS: "Tão igualzinha a seu pai. Já vai atrasada, mas lá vai ela nas suas calmas, no seu passo lento e certinho. Há-de lá chegar, ao cu de Judas, eventualmente. :@"

A minha convicção é que devemos olhar com atenção para estas pessoas. Talvez mesmo procurar entendê-las, primeiro, e aprender com elas, logo a seguir.

Observemos a questão numa perspetiva de análise de risco:

A) Pessoas que correm como baratas apanhadas em flagrante a meio de um passeio noturno ao wc, têm o quíntuplo, alguns estudos indicam mesmo o sêxtuplo, da probabilidade de tropeçar e cair que aqueles que caminham num passo lento e certo. Cair, magoar-se, levantar, sacudir a poeira, coxear até ao destino, implicam seguramente uma demora maior do que ir devagar.

B) Andar rapidamente, como se estivesse nos 20 km marcha dos Jogos Olímpicos, faz disparar as hipóteses de esbarrar de frente com outros transeuntes, provocando não apenas o atraso do marchador, mas ainda implicando um transtorno na vida do esbarrado. Duplo prejuízo para a economia portanto.

C) Caminhar lentamente proporciona uma observação mais cuidada do que o rodeia e dos outros. Assim, torna mais provável que repare em falhas nas coisas e nas pessoas, sugerindo melhorias e alertando para perigos. Revela-se então um contributo eficaz para a comunidade.

D) Pessoas que se preocupam menos com os seus atrasos, tendem a investir mais em beijos, abraços e apalpões. Embora aumente a possibilidade de incumprimento horário, estes indivíduos são tendencialmente mais sorridentes. Pessoas mais felizes produzem mais e melhor.

E) Os lentos fazem uma análise custo/benefício muito assertiva. Em 100 metros, por exemplo, quanto tempo se ganha estugando o passo? Segundos, no máximo. Pelo contrário, o gasto de energia cresce exponencialmente.

Conclusão: É mais aconselhável investir neste tipo de pessoas do que naquelas que, pressionadas pelo tempo que julgam não ter, correm apressadas, muitas vezes sem saberem exatamente para onde. É provável que, muitas vezes, as segundas cheguem antes das primeiras. Podem é chegar ao sítio errado, deixando pelo caminho um rasto de destruição e um nulo contributo social. Para além de que são menos produtivas.
Por fim, os fulanos lentinhos parecem possuir uma visão muito eficaz da gestão de recursos, o que os aconselha para cargos de direção.

- Ahahahahah, que monte de balelas. Perdeu o comboio, certo?

- Isso não retira mérito à análise, que diabo. Mas sim, por acaso hoje aconteceu. Um problema na bilheteira...

- Claaaaaro, naturalmente. Você pode ser um caso perdido e pode arranjar essas análises catitas para desviar a atenção, mas a petiza... Ainda vai a tempo, não?!

- Na verdade acho que não. Olho para ela e sei. Há outro Mundo a correr naquela cabeça. Outras vezes é mesmo o Mundo  real, mas com os tempos trocados. Pode estar a pensar no que dizer aos jornalistas depois de ser apresentada como novo membro dos R5; ou de que maneira se vestir para o jantar em que nos vai apresentar o seu estupendo namorado; ou em como descarregar aplicações à borla; ou se conseguirá ignorar a Rita-ita, embora tenha a certeza que não, porque, parva!, é mesmo amiga dela. Uma cabra essa Ita!

Enfim, tudo coisas bastante mais importantes do que chegar à sala antes do segundo toque...

- Ou no esquema tático para domingo; ou num negócio de piqueniques indoor; num poema; na letra de uma música; naquele rabo... - Sorrio condescendente.

- Ou isso... É uma espécie de lag...

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Guia Prático do Futebol Tuga para Tótós e Espanhóis Ingénuos




Dedicatória (manuscrita no original, 1ª página)

Estimado J,

Espero que te seja útil.
Saludos.

(assinatura ilegível)


1. Perceber Siglas

a) FCP - És tu e os moços, pá. Mas ainda mais, sou eu! Nós! Como ninguém nos paga por isso, cobramos-te a ti e aos moços. Muito e sempre!

b) 5LB - São os outros, os feios, porcos e maus. O 5 fica lá para que nunca esqueçam a tareia que levaram. Até que a devolvam. Aí teremos que arranjar outra maneira de os achincalhar. Serve para designar toda a espécie de malvados que possas encontrar na vida, no futebol e fora dele. Se não presta, deve ser destes. Aka Lampiões.

c) SCP - Sociedade dos Calimeros de Portugal - Importam menos, por isso ás vezes até simpatizamos com eles. Mas só se não levantarem a crista. Incubaram o Moutinho e o Quaresma, já é qualquer coisa. Lixam-nos a vida com frequência, porque lhes ligamos pouco. Se não fossem as injustiças do Universo, eram campeões todos os anos, em todas as modalidades, em todos os países. Sim, no Burkina Faso também. Aka Lagartos.

2. Saber onde estás pelo ruído do público

a) Ovação estrondosa e hino do clube cantado a plenos pulmões, depois de a equipa da casa ter perdido sem espinhas um jogo importante - Provavelmente estás em frente ao Centro Comercial Colombo. Já viram muito pior do que perder por 2 e é preciso que os jornais tenham alguma coisa em que pegar. Não havia de ser na derrota deles, não achas?

b) Público abafado pelos toques de smart phones e pela frase "Olááááá Bernardo, como vai?!"; bandeiras escondidas atrás das ondas das franjas do cabelo dos adeptos; ruído constante de palmas a esfregarem-se umas nas outras - Terra de Viscondes, não tem nada que saber. É natural que sejas abusado como uma virgem entregue a 70 bombistas suicidas e que a tua equipa acabe com menos gente do que a que começou. Não ligues, no fim não conta para o totobola. 

c) Aos 30 segundos de jogo o Maicon passa para o Indi que toca para o Danilo, rebenta um coro de assobios misturado com o barulho de pipocas a serem mastigadas - Aaaaah, home sweet home! É bom estar cá, não é? Chamam-lhe "cultura de exigência", porque fica bonito. Na verdade, é só um bando de atrasados mentais que levaram as namoradas à bola para comerem pipocas e Coca-Colas a preços de hotel de 5 estrelas; e ouviram dizer a Sul de Coimbra que passamos os jogos nisto e não valemos mais que um poio ressequido. Um cinema tão jeitoso ali à frente pá...

3. Conceito de conduta violenta, com direito a expulsão

a) Apertar o pescoço a um dos teus - Conduta imprópria, cartão amarelo (nem sempre, mas ás vezes). Na imprensa, o caso será discutido nos seguintes termos: então e ao tripeiro que lá pôs o pescoço, capaz de aleijar o homem, não lhe acontece nada? É isto que temos, 
vergonha! Ainda por cima é preto!

b)  Um dos teus entra de carrinho num campo encharcado, a meio campo, e acerta no pé do adversário - Conduta violenta, expulso!




c) Um dos outros enfia uma patada no peito do adversário, no chão molhado - O futebol não é para meninas! Tá a levantar, fiteiro de um cabrão! Além disso, o chão está molhado.





4. Penalty por mão na bola

a) A bola vai para a baliza do adversário e é desviada pela mão de um defesa - Bola na mão. Se o jogador tiver a cabeça ligada, é bola no peito. Sabe-se que de Coimbra para baixo, quando se parte a cabeça o peito desce para a zona antes ocupada pelas mãos. Eduquem-se, tripeiros ignorantes!





b) A bola vai à mão, ou a mão à bola, de um dos teus, FORA DA ÁREA, chutada a 50 cm do jogador - Penalty! Sobretudo se for na Costa de Lisboa. Dada a densidade do ar, por via da proximidade de uma baía, o conceito de "fora da área" fica ao critério do árbitro... E a meia lua é área, chama-se meia lua da área!!




c) Um tipo estende o braço para desviar a bola, dentro da área - Se estiver equipado de vermelho e o nome começar por M e incluir as letras A,X e I, deve considerar-se que jogou com o peito, dada a morfologia especifica deste género de individuo. O futebol é para todos e não discrimina.








5. Lei do fora-de-jogo

Um jogador considera-se em fora-de jogo quando se encontra mais perto da linha de baliza do adversário que o penúltimo elemento da equipa que defende. Com as seguintes exceções:

a) Vai ser golo dos outros contra os tripeiros.













b) Vai ser golo dos tripeiros contra os outros.











c) É golo dos lampiões ou golo contra os lampiões.









Nestes casos, aplica-se o critério "o que for melhor para a Pátria e pior para a Galiza, que começa maijomenos a Norte de Torres Vedras".

Nota Final (manuscrita no original, última página)

Naturalmente, qualquer um conseguirá, com bastante paciência, compilar um Guia destes completamente ao contrário. A diferença J., é que o deles é mentira! Fanáticos pá!! 

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Obrigado Bruno!



Fica-te bem o verde. Esse verde meio desmaiado, como se estivesses eternamente enjoado, com a bílis a escorrer-te para o estômago vazio, a azia a destilar, o vómito a encher-te o esófago, a subir até te ser impossivel manter a boca fechada. Fica-te tão bem esse verde inveja. Quero que mantenhas o tom por todos os dias da tua vida. Não será dificil. E piora com a indiferença a que te votam. Oh sim, compraste os teus próprios microfones e tens os palhaços do costume a encherem-te o circo, a darem-te pancadinhas nas costas. Vê bem que trazem os bolsos cheios: são facas. Para ti!

Mas não me faças de parvo. Guarda isso para os teus. São eles que preguiçam ao Sol, à espera que as caudas voltem a crescer. Eu lembro-me Bruno. Eu vi. Eu vi um dos teus a oferecer o rabo a um colombiano negro grandalhão. Que linda a camisola que vestia o sul americano, não é? Eu sei que concordas, que também lhe admiras a beleza, o sentido estético apurado das listas verticais, azuis e brancas como se fossem uma só cor. E são! A mais bonita das cores. 

Eu vi um dos anões do teu circo em fora-de-jogo antes do golo que te deu a vitória. Uma vitória, ainda assim. E vi a tua alegria com tudo isso. Percebo-te, és apenas humano, certo? Errado Bruno! És abaixo da média humana. Desculpa a frontalidade, mas acalma-me este pensamento de não pertencer exatamente à mesma espécie que tu. Não quero. Tu és um pré-humanoide, eu sou sapiens sapiens.

Não vale a pena, está aqui! O advento da tecnologia não é apenas áudio, não é apenas para escutar a qualquer custo aqueles de quem não gostamos. É também imagem. E é legal.

Bruno, meu pequeno bagaceiro com ar de menino privilegiado, visconde rebelde, eu vi! Eu vi-te aparecer rodeado de promessas de dinheiro russo, indignado pela desconfiança com que os teus retribuiram a tua disponibilidade. Sim, esses mesmo que agora chafurdam na sua endógena estupidez e se masturbam com as palavras que vomitas a despropósito. Eu ouvi-te defender o investimento externo como a salvação da agremiação do Campo Grande. E oiço-te agora bradar contra tudo isso, porque descobriste depressa que ninguém investe em ti se puder investir em outros melhores. Chama-se "Mercado", estúpido. Assisti em lágrimas de riso enquanto rasgavas, com pompa e circunstância, os contratos que livremente foram assinados. A memória é curta. Menos a das pessoas como eu, que vivem sob o estigma do Alzheimer. Nós mimamos a memória, fazemos-lhe festinhas, despedimo-nos dela com frequência e, por isso, lembramo-nos. Lembro-me do João Vale e Azevedo a rasgar contratos. Lembro-me de quantas vitórias festejou e onde acabou, depois de ter dito que o Diabo do Norte devia ser preso ASAP. Olho para a frente e vejo-te nos mesmos sítios que ele. E gosto Bruno, gosto tanto. Oxalá não me decepciones.

Repara que te escrevo antes do jogo de mais logo. Porque tenho barba mas sou mais bonito que tu, e mais alto, e mais sexy, e aposto que a tua mulher preferia passar 10 minutos na minha cama do que o resto da vida contigo, e, sobretudo Bruno, porque quero que tenhas a oportunidade de me dizer: incha porco, chupa, és excremento por entre nádegas. É justo que tenhas essa prerrogativa. Um dia explico-te o conceito de justiça. Devagar, para tu entenderes um pedacinho. 

Ah, sejamos honestos! Não é SÓ por isso. É ainda mais pela esperança de que aconteça. Sim, quero que alimentes essa esperança, quero que passes o dia à espera do momento em que me farás engolir os insultos. Quero que visualizes esse triunfo, que antecipes o sabor que terá. É isso que eu quero Bruno. Quero que passes o resto do dia semi-erecto (consegues?) pela possibilidade de me humilhar ao fim da noite. Porque nesse momento a minha vitória será retumbante? Também! Mas antes de tudo, porque a tua derrota será inesquecivel! E eu preciso que aprendas a não esquecer as derrotas que te inflingimos. Serão muitas, Bruno. Muitas!

E não, não és bem-vindo à Tasca. Cuspirei em toda a comida que encomendares e mijarei em qualquer liquido que tenha que te servir. Sim, sou um nojo de pessoa para tipos como tu. Obrigado por existires, alivia-me...


terça-feira, 23 de setembro de 2014

1971 / 82 = 2003 / 14


- Um dia eu tinha 11 anos e juro que o Mundo era mais pequeno e mais longe. A mim parecia-me que os lugares de que gostava, as pessoas que, mesmo sem saber, amava, seriam eternos. Não me preocupava muito a mudança, porque tudo parecia mais ou menos imutável, seguro, permanente. Depois descobre-se que não é tanto assim, mas que isso também está bem. Demorou muito tempo até ter que enfrentar perdas verdadeiras. É a primeira coisa que tenho para te dizer: não temas a morte nem a mudança. O mais provável é que continues rodeada por todos os que amas, mesmo que não saibas, por muito tempo. O tempo suficiente para que sejas capaz de o entender.

Pressinto o plim da Néné, depois o da Rita Rita, a seguir possivelmente o da Cata, no bolso das tuas calças. Neles recordo os assobios na rua, os avisos: está cá alguém, bora malta, hora de sair.  São intemporais os chamamentos para a brincadeira, seja ela qual for. O toque a reunir dos amigos. Oh sim, eu sei que sou pré-histórico e que vocês têm coisas importantíssimas para tratar. Nós nem tanto, visto a esta distância. Nós éramos o Zico e o Falcão, jogávamos hóquei sem patins, de sticks improvisados em madeiras, de sarjeta a sarjeta. E eu era o Xana. Sim, o! Porque havia um que era o Xana e era o melhor de todos e Portugal era o Campeão do Mundo. E tu tens agendas cheias de marcações de consultas na tua clínica, viagens pelo Mundo na tua agência de viagens, pedidos de comida do teu restaurante. Como eu tinha uma biblioteca escolar no quarto da Pinky e mandávamos calar os meninos que falavam alto. Bonecos, como os teus clientes. É a segunda coisa que tenho para te dizer: adoro ter 11 anos contigo. Mesmo que sejam outros tão diferentes dos que eu já tive. Mas contigo posso e prometo que, a espaços, terei sempre a idade que tu tiveres. Partilharemos isso, como partilhamos os dois vincos na testa.

Acho que te vou deixar ir agora. Sei lá porquê mas comovo-me feito um parvo. Como há sempre três depois de duas, a última coisa que tenho para te dizer é que te adoro. Só.

- Mesmo quando eu me porto mal?

- Claro. Sempre.

- Mesmo naquelas alturas em que é meeeeeeeeeeesmo muuuuuuuiiiiito mal?

- Sim, claro. Em todas as alturas. Não quer dizer que não te vou bater...

- Raios!

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Gajas escocesas todas nuas!


- Ontem ouvi na rádio uma portuguesa radicada na Escócia a falar sobre o referendo. A senhora dizia maijomenos isto: Eu cá sou contra a independência. Há tantas coisas boas neste PAÍS (?!), à pala de ser uma província de Inglaterra. E trocava-se isso tudo por causa do orgulho de ser Escocês?! (vá que eu nem sou escocesa, pensava ela). Um sistema de saúde catita e isso tudo que dá tanto jeito. Parece-me que desata tudo a implodir se não houver uma alminha em Downing Street a pôr mão nos tarados dos kilts. Mas acredito que são os mais velhos que andam por aí com estes disparates de serem uma Nação e de serem diferentes. E são! São piores! (isto a senhora não disse, mas eu aposto o alvará de venda de álcool em como pensou). Se o Sim! ganhar, pondero por-me rapidamente na alheta. Acho que vou para Gales, ou para o Allgarve. Um sitio qualquer em que o sotaque seja compreensível...

Percebe-se, não? A senhora está emigrada e corre-lhe bem a vida, porque é que um bando de malucos lhe havia de mudar as coisas, se mudar? O que me fez confusão, foi ela ter enumerado EXATAMENTE os motivos mais fortes do "Sim!". Uma Nação, o Orgulho, a Diferença, o Hail FROM England das terras altas, como se fossem os melhores argumentos para votar..."Não!" Esta senhora portuguesa era a melhor propaganda dos independentistas, se lhe ligassem alguma...

Mas sabe, como tudo tem a ver com tudo, acho que a Escócia independente seria um sorriso na face da Alemanha. Uma lança da União e do Euro em plena Grã-Bretanha. Oh sim, por direito seriam parte da União e, quanto mais não fosse, por despeito, teriam a nossa moeda. Ou então esse seria o preço para que a Velha Albion não se zangasse em demasia...

- Mas você quer que eles sejam independentes, Silva?

- Eu? Eu quero lá saber! Até acho que o meu puro malte é de fabrico holandês, ou assim... 

- Pois, a ocupar tempo e a desancar a senhora emigrada, já percebi. Epaaaaaa, e as escocesas todas nuas? Onde é que está isso??

- Na Escócia acho que há umas. Aqui... é só um pequeno teste. Depois conto-lhe, prometo.

sábado, 13 de setembro de 2014

Sean Connery reforça o Barcelona! ou maneiras de ocupar a mente enquanto se toma banho.



A Escócia está em campanha, porque está à porta um Referendo sobre a Independência. Na Catalunha parece inevitável que, tarde ou cedo, aconteça o mesmo.

Se nos dois territórios o resultado for a Independência, de Reino Unido e Espanha, assistiremos a uma vitória retumbante do Homem sobre as Armas? Tudo aponta nesse sentido. Em ambos os Estados não existe, na modernidade, uma tradição de luta armada, de bombas e mortes na rua, de opressão de um exército regular sobre a população nativa.

Os vizinhos Irlandeses e Bascos olharão ressentidos para esse eventual sucesso. Anos e anos de sofrimento, de guerra, acabaram por, em ambos os casos, cansar e destruir aqueles que, no fim das contas, seriam a razão, o combustível e o sentido daquelas guerras: o Povo. Não duvido, porém, que o anseio pela autodeterminação, por razões de orgulho, sim, mas sobretudo por motivos históricos, culturais e religiosos, se mantenha vivo para Bascos e Norte Irlandeses. É tempo da força das palavras?

E mesmo no meio deste tão raro brilho da nossa espécie, um sinal de esperança? is there really hope for mankind?, escondido nos escombros todos os dias mais fumegantes de uma Terceira Grande Guerra, mas agora por etapas (Médio Oriente, Golfo, Ucrânia, eternamente África...), mesmo assim, levanta-se o cínico: quanto desta coisa é resultado das mortes na Irlanda do Norte e no País Basco? 

Ainda que seja, teremos aprendido com erros passados (?). There is hope! Ou amanhã tudo isto não passa de fogo de vista, se os resultados finais não forem os mais convenientes? Nesse caso, aposto o stock de "3 Marias" que teremos rebentamentos no centro de Barcelona, em pouco tempo...

Caramba, são horas de abrir a porta da Tasca e deixar-me de lérias sem puto de interesse...

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Judeus nazis e um assassinato no alfa pendular, ou a estupenda capacidade humana de odiar



- Ena, até que enfim acabaram as férias hein? Nota-se logo pelo ar desolado. - Rio-me. - Deixe lá, quer dizer que foram boas e apeteciam mais. Desligou-se completamente ou foi acompanhando os dias do Mundo? Que guardou este ano?

- Isto. - E caem sobre o balcão os dois volumes do "MAUS".

- Leu o "MAUS", pois fez muito bem. Mas isso é leitura para meio dia, digo eu.

- Não, já tinha lido antes e relido amiúde. Mas houve uma noticia que me ficou destas semanas, de facto. Veja bem que casaram um muçulmano e uma judia em Israel.

- Sim, vi qualquer coisa. Não foi pacifico.

- Nada! O que me marcou mesmo, foi a noticia de que um partido de extrema direita judeu ortodoxo, o Lehava, defende a criação de legislação anti assimilação. No fundo, querem proibir desde logo os casamentos mistos. 
Silva, é Nuremberga outra vez. Não a dos julgamentos, mas a dos congressos nazis. Esta lei chamava-se "Lei da Proteção do Sangue e Honra Alemães"!  Tremi. Tremo. O ódio é-nos intrínseco, tem que ser...

Engole um trago da cerveja gelada que acabo de pousar à sua frente. Prossegue:

- E então hoje entro no Alfa pendular, de novo. Ainda sinto o cheiro do protetor solar na minha pele, tenho saudades de ontem. Mas é a viagem de regresso, menos mal. E ao meu lado está um sujeito qualquer, de óculos e olhos postos num tablet, a ver um filme. Não, não era um filme, era uma série, o "Under the Dome".

- Stephen King. Os livros são engraçados. - Interrompi.

- Isso mesmo! Eu abri o meu livro e pouco depois comecei a fechar os olhos, o normal. Ia gozar a minha hora de sono embalado pela velocidade pendular. E reparo que o tipo rói desesperadamente as unhas. Eu roía desesperadamente as unha há pouco tempo, agora já não. Mas aquilo faz barulho. Ele revirava as mãos para poder trincar melhor os cotos que lhe restavam. E salivava e mordia e eu ouvia. É insuportável! 
Poucos minutos disto e apetecia-me bater no desgraçado. Ele, claro, perfeitamente indiferente, devorava o que podia das suas próprias unhas. Nesse instante o passageiro do banco atrás do meu decidiu fazer uma chamada telefónica. Falava alto, com um sotaque nortenho carregado. Aquilo irritava-me para lá do aceitável. Depois abriu a mesinha nas costas do meu assento. Com força, com barulho, à bruta. Pelo menos pareceu. O outro comia alegremente as mãos e fazia barulho, este gritava "cerbejas carago, bámos buer uns finos e frãncesinhas cum caralhoeee" e esmurrava a mesinha. 
E eu juro-lhe Silva, sempre que fechava os olhos via-me a agarrar o braço do tipo ao meu lado e a enfiá-lo na sua própria boca até ao cotovelo. Via as veias rebentarem no branco dos olhos dele, arregalados, o ar de enorme surpresa misturado com a aflição de não poder respirar. O de trás levantava-se para perguntar "mas o que bem a ser isto carago" e a cabeça explodia-lhe, enquanto todos os outros passageiros, TODOS, entravam em autocombustão. 

Mais um trago de cerveja. Longo. 

- Finalmente chegou a minha estação. O meu autofágico colega de viagem saiu também. Estava uma rapariga bonita à espera dele. Beijaram-se, ele sorria. Tinha ar de estar feliz e de ser boa pessoa. Mesmo boa pessoa. Ainda bem que não o matei...

- Terrível, o fim das férias... E a nossa tendência para o ódio...- Resumo.

- Pois... Parece que a vida se volta a desbotar. Que se vai um brilho qualquer que o Sol e o tempo livre traz ás coisas todas. São 9 horas da noite, Silva. E é mesmo de noite! Lá nas Férias ainda está de dia...

terça-feira, 19 de agosto de 2014

(Not so) Silly Season II





Deixamos escorrer o que resta do calor lá fora, absortos em dois copos de verde branco bem gelado.

- ... o facto é que é preciso morrer para nos comemorarem duas vezes, essa é que é essa! Ele é o aniversário da morte e o aniversário do nascimento. Como se não fosse suficientemente mau estar morto, ainda nos envelhecem mais depressa. - Explica-me sentado num banco alto do balcão, pés no ar numa pausa de um pouco menor desconforto dos sapatos para sempre apertados.

-  É uma maneira de ver as coisas. Também pode considerar que o fazemos para nos lembrarmos mais vezes dos que partiram. Dos outros, lembramo-nos mesmo quando não queremos. Estão sempre a aparecer-nos. - Sorrio um "é piadinha, não leve a sério".

- Talvez. - Rebusca os bolsos do casaco. Encontra um papel. Penso: para quê o casaco com este calor? - Não sei já quem é o autor, mas adequa-se a este nosso filosofar miúdo. - Estende-me a folha e salta do banco. Aterra com um esgar de dor e caminha no seu passo muito curto para a porta. Volta-se:

- Se não fosse nos bolsos do casaco, onde é que guardava os poemas no Verão, Silva? - E sai devagarinho.

Obrigo-me a fechar a boca e leio o anónimo.

"Espaçaram-se as rosas brancas.
Nestes dias parecem mais vezes gerberas
Algumas estrelícias se me lembro.
Quando tas entrego, no entanto, são sempre alvas
E rosas todas as flores.

Espaçaram-se os cigarros.
Fumamos menos os dois
O meu fumo em rodas, o teu em nuvens
Ambos cortados pelas palavras:
Aconteceu-me isto, Deixa lá que se resolve.

Nunca se espaçam as conversas, nunca se acaba a memória.
Pelos rostos e pelas vozes
Que te trazem de novo a mim, sim!
Mas bem mais, tanto, tão fundo:
A voz que vive na minha mente, tu?"