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sábado, 16 de fevereiro de 2019

A Declaração de Voto de Anastásio Silva



- Avancemos então para almoço... - O senhor Secretário sussurra ao ouvido do senhor Presidente, interrompendo-o. - Mesmo? Quem? Bom, parece que temos ainda uma inscrição. Falta a declaração de voto do senhor deputado Anastácio Silva. - Perscruta a câmara com o olhar entediado, sem fazer ideia de que de ala se levantará a voz que se interpõe entre o seu apetite e a chispalhada à transmontana das quintas-feiras.

- Anastásio, senhor Presidente. - Uma voz mais ou menos a medo. Os membros das bancadas da frente viram-se. Na verdade, todos se viram, exceto os integrantes da última fila. A esses basta-lhes entortar ligeiramente o pescoço.

- É mesmo Anastásio, com esse. - Encolhe os ombros no seu fato creme, nada slim, dos baratos, mas impecavelmente engomado e vincado. Desta narrativa distância, não se lhe vislumbra nenhuma nódoa na parte visível da camisa branca ou na gravata azul marinho. É um homem mais ou menos baixo, mais ou menos gordito, mais ou menos calvo, de grandes óculos com armação de massa que lhe filtram os olhos mais ou menos mortiços.

Não há naquela Casa da Democracia, do Povo, portanto, registo de que Anastásio Silva, deputado, tenha antes usado da palavra. Encontra-se uma inscrição, por alturas da primeira legislatura, mas infrutífera, dado o acaso de terem os dignos representantes da Nação se pegado à bofetada e a sessão sido interrompida com recurso às forças da ordem.
                                                                                 
                                                                                  (A propósito do que: ORDEM, oh Narrador! Voltemos à vaca fria, que se acaba a chispalhada antes de o senhor Presidente chegar e é o cabo dos trabalhos para aturar o homem de mau humor.)

- Como queira, deputado Silva. Pedia-lhe era que se despachasse que a nossa vida não é estar para aqui a ouvi-lo. Para além de que é de mau gosto fazer-nos isto a uma quinta-feira, mas você lá saberá de si. Adiante, faça lá a sua declaração de voto em relação ao decreto que entretanto já foi aprovado. Inclusivamente com o voto da sua bancada parlamentar. Entende a perda de tempo, senhor Silva? - O senhor Secretário cochicha ao senhor Presidente. - Sim, sim, bem sei. Acha que desconheço o regimento, senhor Secretário? - O outro encolhe-se. - Deputado Silva, estamos à sua espera.

...

- Em relação à recente votação do projeto de lei número... - Procura papeis, demora-se. 

- Todos nós conhecemos o número, ande lá para a frente. - Presidencial.

- Bom, trata-se da reintrodução da Pena de Morte, é isto. Tendo votado contra o sentido da minha bancada, e da maioria desta casa, por ser incapaz de contrariar o meu asco ao facto de poder alguém decretar a morte de outro alguém, sinto-me obrigado pela minha consciência a apresentar esta Declaração de Voto.

Senhor Presidente, senhores Deputados,

Votei contra por duas ordens de razão. A saber: Pessoal e Social. No âmbito da primeira, encontro motivações simples, como por exemplo, por indevido acidente da Vida, a hora errada, o local impróprio, a inveja parva, a ironia kafkiana, ver-me eu próprio confrontado com uma acusação e em vias de ser punido com pena máxima. Pior ainda, encontrar-se a prole em tal situação, justificada ou injustificadamente, creio que pouco me importará. Sabem vossas excelências que isto da Morte é tudo muito lindo, até que chegue aos nossos. Por amor à verdade, devo informar que, só por si, isto me levaria a votar contra, mesmo que não fique bem pensar o deputado tão nele mesmo, estando em representação do Povo.

Incomodado por tão profunda convicção me advir de motivos tão evidentemente egoístas, escavei mais fundo no meu âmago, salvo seja, Deus proíba, tentando perceber se outras razões fundamentavam a minha decisão. E sim, há todo um Universo de altruísmo e bem querer ao próximo que me leva a ser contra.

É certo que os assassinos psicopatas são uma praga, assim como os violadores e todos os que abusam das crianças, das muitas e todas horríveis formas pelas quais uma criança pode ser abusada. Não estando disposta, bem sei, esta câmara a debater sem hipocrisia o facto de termos uns que abusam mas pronto está bem, veja lá não se meta nisso outra vez e dê-me uma hóstia, vá com Deus o senhor importante e Nossa Senhora o guarde, veja lá não viole a Virgem, passo só deste raspão pelo assunto. 

Mas sim, há que punir grave e definitivamente os parricidas e os fratricidas e os icidas de toda a espécie, que a nenhum homem cabe tirar o sopro a outro. Quer dizer, menos se for na Guerra. Na Guerra é matar ou ser morto, mais bala menos míssil, a indústria prospera, o cirurgião cose, o político, que não vós, que não vós, rebola no esterco, o soldado apanha o balázio com a testa, não se vai agora condenar quem lho atirou. Pela Graça de Deus. É muito provável que tenha sido. Sou assim estúpido desde pequenino e isto de matar a mim soa-me sempre ao mesmo. Mas têm Vossas Excelências tido o cuidado de me ir ensinando alguma coisinha, como fica provado.

Sou compelido a não esquecer os tolinhos sem consciência, os traficantes... talvez não os de armas, que acharão vossas excelências? Os tarados de tipo diverso e diversas religiões, os drogados com instinto assassino, os extremistas aproveitadores e o que se aproveitam à grande dos extremos, as pessoas que dizem "prontos" e "fostes", os alérgicos a água e sabão, gente que come com a boca aberta e palita os dentes com a língua, os sem escrúpulos e sem moral, os corruptos e mafiosos, os violentos de modo geral, os que batem nos cônjuges, nos namorados, nos amantes, nos colegas de escola, os que não têm coração. - Um gole de água. 

- Também os que guardam lugar nas praças de alimentação, os que passam à frente nas filas, os homofóbicos, os fóbicos todos, os maricas intolerantes, as vítimas de carreira, os que não se enternecem com uma criança, os que não sentem o peito rasgar-se perante um velhinho sozinho, os que têm prazer em torturar um bicho, os que preferem cães a gatos, os que não querem que sejas do clube que és, os que embirram com narizes grandes, os avaros que não se compadecem da miséria alheia, os falsos pudicos, os que matam por ordem de outros e os que os mandam matar. Cá estamos de volta à Guerra, não é, caros co-deputados? Ai não, desculpem, a Guerra não, foi apenas uma recaída de parvoíce da minha parte. - Um gole de água.

- Sendo quinta-feira, deixemos em paz os gulosos, mas não nos olvidemos dos que deixam outros morrer de fome, de sede, de abandono, os que ouvem música nos transportes públicos sem auscultadores, os incapazes de sorrir, os de mau fundo e péssimos fígados. Enfim, todos estes que, digo eu para comigo, não merecem o ar que respiram. 

Assim, declaro que votei contra a Pena de Morte por uma questão de povoamento do planeta e manutenção da espécie. Bom almoço. - E sai no seu passo curto, abotoando os três botões do blazer fora de moda que lhe escondem a mais ou menos proeminente pancinha.

...


...

Alguns, poucos e selecionados, de vós, sabereis porque é que o disparate acima se deu por via desta notícia. Raisparta!


quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O senhor Silva duvida de Deus

Atravesso uma fase de profunda dúvida teológica. A Fé esvai-se-me a cada segundo. O que ainda não é lá muito grave, porque isto começou há uma meia hora. O facto permanece: começo a desconfiar que Deus não existe. 

Ou então não é Senhor assim tãããoo absoluto do Universo and beyond. Vai-se a ver, tem que submeter as decisões a um Parlamento de deputados angélicos, daqueles que recebem subsídios de deslocação porque mantêm residência fiscal no Quinto dos Infernos, embora morem ali mesmo ao virar da esquina. E raramente aparecem para as discussões, menos se for para aprovar novos subsídios para a manutenção das asas. A brincar, a brincar, só em penas, é para cima de um balúrdio. Já para não falar das asas haute couture, que se a pessoa não se pode apresentar mal, o anjo ainda menos. Qual o crente que ia confiar num anjo mal enjorcado, com um manto da Primark e asinhas da Megaloja Família Feliz?

A culpa deste meu estado de descrença é do comboio. Eu uso basto a ferrovia e dado o espetacular funcionamento do Wi-Fi - é gratuito, só não funciona. - e o facto de a minha viagem média demorar umas horas, passo demasiado tempo a enervar-me com a existência...dos outros passageiros. Esta manhã concluí que é muito provável que Deus não exista ou que esteja atafulhado de burocracia e não possa cuidar das coisas verdadeiramente importantes.

- Como a Paz no Mundo. Não é, minha rabanadinha? - Bebe um golo de café, sem tirar os olhos claros do tasqueiro.

- Hã? 

- Nada, nadinha, foi o que eu disse. Panasca. - Pelo meio do resto do cimbalino.

- Hã?

- Na Tasca. Não disse nadinha na Tasca. Não lavástujóbidos de manhã?

- Distraído cá com as minhas coisas. É sessenta cêntimos. - E deixa-me é ir dar a volta às bifanas, antes que isto piore.

Se Deus existisse, havia pessoas que não tinham telefone, nem computadores, nem merda nenhuma que pudesse servir propósitos lúdicos enquanto em trânsito. E nem dados móveis. 

Podiam ter pernil de porco à vontade, mesmo que fossem Venezuelanos. Agora, dispositivos que lhes permitissem falar aos berros com outros fulanos e fulanas enquanto a pessoa precisa de dormir, porque teve que alçar os glúteos da cama - opá, adoro esse rabo miúda. Não sei se já te tinha dito. - às cinquimeia da manhã, isso não tinham eles! 

Sempre que alguém está prestes a adormecer num transporte público e outro humanóide grita: Tô? Tô? Isto a rede é fraca, fala maijalto. Já cá Tô, pareçunvião, carago. Poijé, poijé. Já parou em Coimbra, agora é sempasgaçar até Lisboa. É dos novos. Se fosse o a seguir, parava em todas. Tô? Tô? Olha, numtoiço, vou desligar. Até porque me dói a garganta de estar aqui a falar aos berros.

Vejamos, pessoas, não! 
                                      ( suspiro )
                                                     A minha mãezinha não tinha telemóvel. Por isso podia achar que se eu estivesse em Londres, ela devia falar mais alto ao telefone do que se eu estivesse na rua de baixo. Isso quer dizer que se punha aos gritos, mas era dentro da sua própria casa. Não era diretamente nos tímpanos de outros cinquenta pobres desgraçados, a maioria dos quais gostava mesmo era de dormir um pedacinho. 

Ainda que fossem horas de gente decente andar fora dos lençóis, porque raio quereria eu saber da vida dojôtros? Reparem, provoca vergonha alheia nas pessoas normais, quando vocês se põem a conversar em pleno metropolitano: Alô, atão, tátudo? O filhadaputa do Martins tá fodido comigo. Hã? Não quero saber disso panada, tá fodido, caralho.

E é assim que aqui vou, os olhos raiados de vermelho sono e vermelho raiva, prestes a completar duas horas e trinta minutos de suplício. Mas - oh alegria, salve maravilha! - repimpado no meu assento, partilhando a playlist de um energúmeno, uns dez lugares à frente. Depois de ter iniciado a viagem a saber de onde vinha, para onde ia e o estranho traçado que, pelos vistos, a Rede Nacional Ferroviária tem dentro da sua cabeçorra: Tô? Tô? Sei lá ondebai. ‘Inda deve parar em Leiria. Ou no Cartaxo. O Forever Young pode soar mal, ai pode, pode.

Não resisti e levantei-me. Fui ver. A cabeçorra confirmou-se. Mas não era playlist nenhuma. Era vídeos do Youtube. Ah modernaço!

Na plena posse das suas anunciadas - ou prometidas? - capacidades, Deus restringiria de modo menos democrático o acesso a dados móveis. Dado o regular desfuncionamento da rede gratuita da CP, é forçosamente pelos seus próprios meios que os estúpidos acedem à internet em plena carruagem. Gastam a guita toda nisto e ficam sem cheta para comprar aquelas cenas altamente avançadas, chamadas auscultadores? Fones. Assim já percebem? Ou acham mesmo que é desnecessário?

Perdida a humildade, dados os meus pensamentos ímpios e segregantes, deixo-me embalar no último fio da minha insanidade. Imagino-me numa gabardina estranha. Imagino-o a dizer-me “lEmbe-mos”. Já quase a fechar os olhos, oiço o disparo. Descanso em p...
A voz anuncia a paragem terminal. Foda-se!

...

- Oh Pedro, kestamerda? Querem um subsídio de risco por andarem descalços? A sério? - Incrédulo perante o requerimento.

- Pois, Senhor. Diz que se constipam com mais facilidade...

domingo, 8 de outubro de 2017

Distribuição normal da ocupação de mesas



É precisamente à custa da disciplina de Métodos Quantitativos II que, neste exato momento, olha em volta, perscrutante, sem canudo algum de que se possa valer. Por algum motivo, parece-lhe que se sentiria mais confortável, consolando-se num qualquer “ah mas sim, eu sei bem do que me estou a pensar, foram anos a queimar as pestanas”. Não se dá o caso, essa é que é essa. E apesar disso, faz sentido.

Quer dizer, devemos conceder que há gente que pensa nas coisas quando deita mãos à obra e empreende nestes mastodontes comerciais. Ao fim e ao cabo, é natural que não se tenham posto a atirar mesas para os espaços desocupados, a ver quantas lá caberiam. São até moços para ter um algoritmo que indique a proporção correta. Se não estética, pelo menos a adequada para escoar o previsível movimento de junk foodies.

Mesmo para um tipo razoavelmente iletrado, se torna evidente que existe uma certa lógica no movimento: aviam-se hamburguesas carregadas de múltiplos motivos para enfartes do miocárdio, enchem-se copos de papel de pedras de gelo e alguma água açucarada, atafulha-se o tabuleiro de guardanapos e tenha uma morte feliz, próximo; enquanto isso, alguém terá tratado de fazer valer o seu investimento no super-menu extra big large - com as novas batatas hiperoleosas, por apenas mais 0,75€ - e terá despachado essa quantidade apreciável de lixo bem saboroso, besuntado em salsa para patatas e ketchup. Levanta-se então - Ave  Caesar, morituri te salutant - e eis que abre o espaço necessário e suficiente para que se abanque o próximo receptáculo de gorduras bastante saturadas. O queijo derretido já a ficar sem graça, devido ao choque térmico.

Mas, estranhamente, não é isso que se passa. O que podemos ver é uma horda de esfomeados, tabuleiros na mão, a babarem, sabe-se lá se de fome, se de raiva, como os cães. É até um pouco assustador, vê-los de cabeça à roda, qual periscópio varrendo o horizonte do Báltico. Malditos Nazis.

Passados alguns minutos, a situação piora, à conta da pilha de nervos de se andar à procura de lugar. Ficam de olhos muito abertos e apressam o passo, dando ares de loucos perigosos, capazes de matar por uma cadeira. Aos poucos vão desistindo, seguram o tabuleiro quase ao nível dos joelhos, tristes e desconsolados. Vagueiam por entre as mesas, onde decorrem animadas conversas, como uma matilha de cães famintos, ainda que carreguem o seu alimento. Ou pior, como uma trupe de mortos-vivos. Credo. 

O inimigo opta pela antiquíssima estratégia da ignorância e do desprezo: faz de conta que nem os vê. Fazer que não se vê é, muito incongruentemente, como usar óculos. Quem é que vai desancar outro alguém que nem sequer o está a ver? Como quem diz: moço, percebo lindamente o teu desespero, sendo que eu próprio já passei por isso. Infelizmente, nem te estou a ver, porque até era rapaz para te arranjar um lugarzinho. De vergonha que tinha. Se te visse. Que não vejo. Olha, cortei outra fruta. É mesmo giro, o raio do jogo.

E assim chegamos a este magnífico cenário: os que detêm a comida, estão de pé à procura de onde se sentem. Os que comida não têm, estão tenazmente alapados às mesas, fingindo-se distraídos. Havemos de convir que há um certo sopro de justiça social. Marx havia de sorrir, notando que os que detêm a matéria prima estão longe de controlar os meios de produção. Também, iam produzir uma bela merda. Literalmente.

...

Se o pintassem daquela cor estranha que tem o bronze, diríamos um homem estátua. Perfeitamente estático, segurando o seu tabuleiro, metido nos seus pensamentos, apenas traído pelo leve roçagar da improvável gabardina, agitada pela deslocação de ar que o movimento das pessoas provoca. Subtil.

Embora a probabilidade da distribuição lógica dos indivíduos pelo espaço pareça, por motivos impenetráveis, comprometida, estranha a ausência de apetite da turba tabuleiristica pelos três mil e seiscentos lugares - assim por alto - na mesa mesmo em frente a si. Menos um, ocupado pela senhora gorda. No entanto, descomplexada. Dada a claramente intencional exibição de banhas e refegos, saltando alegres para cima das calças muito justas e por baixo do top que mal lhe cobre as massivas mamas. As unhas muito longas e multicolores, completam o ar festivo da sombra muito azul e dos lábios muito vermelhos. Tudo muito. Demais.

Escolhe um lugar, dois mil assentos de distância, não vá a matrona sentir que lhe invadem a bolha. Pousa o tabuleiro e ouve-se um apito, qual sirene a anunciar a hora de arrear da linha de produção. O povo olha-o. O som provém da mesa, o alvo guarda as mãos nos bolsos das calças:

- Uôi, oh morcom, num bês ketá ocupado? Sou pequenina, é? Salta majé daí, ai o carago.

Mais próximo, os olhos um tanto abertos de espanto, procura alguma informação que parece relevante:

- Ali, tão longe? A tantas cadeiras de distância?

- Olhameste, olha. Vamos ter chatice? Já num te disse ketátudócupado? - Olha em volta, os braços apoiados na mesa, o imenso rabo semi-levantado da cadeira. - Já aí vêm as pessoas, é irejandando daí prafora.

Um cachopo da mesma estirpe - em termos de carnes - aproxima-se, comendo alguma batata no seu ketchup. A distância para a senhora sentada reduziu-se na medida exata, como que predeterminando o desfecho. Ela berra de novo:

- Ainda aí estás? - Olha o rapaz. Grita: - Rolando, já te disse pra num lEmberjasbatatas!

Só quando sente a textura ligeiramente áspera dos canos serrados na têmpora, percebe que não é por se falar muito alto que se tem mais razão. Oxalá alguém lhe tenha guardado um bom lugar, lá do outro lado.

Os serviços de limpeza vão-se ver aflitos com tanto ketchup derramado.

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As fugas nunca são muito atribuladas. Nem se fazem em passo de corrida. Dá tempo para ir pensando nas coisas do Mundo.

Ainda agora, por exemplo, o passo é estugado, mas tranquilo, fazendo esvoaçar as abas da gabardina. E pensa: Porque é que animais que não ruminam, haveriam de se abster de comer carne?

Ah, os Grandes Mistérios da Existência...

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Soundtrack to big'ol lady: Save a place...

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Exercício: O que diz Molero





- E continua institucionalizado, certo?

- Sim, quando está vivo. Nas outras alturas, não temos como saber, está claro.

- É muito estranho, não lhe parece, meu caro Austin? Quantas vezes é suposto a pessoa morrer? Uma é certa.

- Molero diz, a páginas cento e picos, que falou com um tal de Maynard, suposto assassino profissional, recorrentemente contratado para limpar o sarampo ao rapaz. - Detém-se numa página. Bate-lhe com a mão. - Cá está!

De o ter matado várias vezes, acabámos por nos tornar amigos. Enfim, talvez seja apenas um exagero da minha solidão, quaisquer dois dedos de conversa me parecem uma festa. Falo pouco, tirando a úlcera, que precisa mais de atenção do que a Olga. E de copos de leite também.

Ele morre sempre com os vincos da testa muito pronunciados, carregado de culpa. Já se sabe que procuro ser eficaz: Enrosco o silenciador pela calada, quando ele se distrai, e despacho a coisa com um tiro único. Pum! Em cheio na têmpora. Compreenda que nutro um certo carinho pelo moço.

- Aqui, Molero disserta sobre a condição solitária da profissão de Maynard. - Desfolha páginas, à procura. - Ah, é isto!

Só por volta da duzentos é que se explica esta coisa da morte repetida do Rapaz. Aparentemente, morre para alguém. Segundo o relatório, embora sem possibilidade de prova factual, há um momento em que outro decide que o melhor a fazer é dá-lo como morto e já está. Molero levanta a hipótese de o fazerem em nome de um instinto de autopreservacão. E lá vai o tal de Maynard tratar do assunto.

- O Deluxe não me leve a mal, e sabe que tenho Molero em elevada consideração, mas parece-me curto enquanto explicação para um fenómeno tão inaudito, como seja o desacontecimento de um indivíduo falecer mais do que uma vez. - Austin coça a cabeça, sem tirar os olhos das folhas. Arrisca continuar:

- Molero acrescenta que outras vezes se tratará mais de um suicídio. Isto é, picado pelo mesmo instinto dos autores morais das outras mortes, o próprio Rapaz decide, em ocasiões, morrer-se. A este respeito, cita-se, de novo, Maynard:

O modus operandi é o mesmo. Mas ele está, por norma, mais calmo. Conversamos mais longamente, nessas alturas. O que não muda é o sorriso.

- Hã? Qual sorriso?

- Parece que, uma vez cadáver, isto é, tendo morrido para alguém ou tendo tratado de se matar para qualquer um, o Rapaz ganha um sorriso. Há mesmo quem descreva o semblante como plácido.

Molero esteve com uma tal Beretta, mulher de cabelos escuros e olhos faiscantes, a quem, pelos vistos, o Rapaz se terá confessado antes de morrer. Uma das vezes, quero dizer. Veja. - Aponta as linhas e segue-as com o dedo.

Oh, no fundo, percebe-se. Repare que ele acabou por encontrar uma forma pura de Amor. Que é estática e, de um ponto de vista prático, bastante inútil. É Amor, só, nada mais. Nada decorre dele, nem se infere, nem se espera. Como se fosse uma Estrela, entende? Brilha e Está. E são milhões de milhares de anos luz de distância. Não é por isso que deixa de aquecer.

Ele volta sempre ao princípio. Ao início de uma estrada impecavelmente alcatroada, serpenteando entre suaves colinas e campos de lirios e malmequeres e margaridas, bordejada de mimosas alegres e atentas. Afinal, é fevereiro. 

Se esse lugar é o ponto de fuga, uma espécie de morte portanto, é também o início do caminho, breve, que o leva inevitavelmente ao mesmo local: Casa. Percorre-o a correr, para chegar depressa.

Chegado, há sempre ovos estrelados no molho dos bifes. Diz que há.

- São os melhores, meu amigo, disso não há dúvida! Molero conta que, da única vez que conseguiu estar com o Rapaz, o encontrou uma pessoa Feliz.

- E viva, o que já não é mau. Tenho a certeza de que há um motivo ininteligível para essa Felicidade. - Suspira.

- De facto. Segundo Molero, deve-se ao facto de, vou citar, "Num Mundo de gajas  apenas boas, ter sido abençoado por Mulheres Bonitas".

- Upa! Para que saiba, meu caro Austin. -  Fecha o dossier.

...

Com uma vénia ao imortal Dinis Machado e ao seu lendário Molero. E a Dennis McShade e ao seu anti-herói Peter Maynard, meu herói para sempre.

Para as minhas Mulheres Bonitas, todas, independentemente do estado, com Amores. Vários.

...

Soundtrack to Life: Take it all!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Apontamentos práticos para uma atitude zen



Para se atingir o estado zen, tem que se ter método. Não é uma mera decisão da mente, é todo um trabalho continuado. Há passos imprescindíveis.

#1 Manter a rotina

A hora não é determinante, o local pode variar, mas apenas ligeiramente. O importante é manter o hábito, não se desviar da rotina matinal, sob pena de todo o dia vir a parecer um dia de outro individuo qualquer, que não o próprio. Já se sabe que viver os dias dos outros não é boa ideia.

Com o inconsciente a coordenar todas as operações - pois que estes pensamentos não se coadunam com o automatismo da Vida - desliza a longa e estranha gabardina por entre as mesas do café. A mesa é uma das duas de sempre. Não precisa de pedir café, nem o copo de água. Só tem que dizer que tipo de pão lhe devem torrar hoje.

#2 Estabelecer prioridades

Não que o pão ou o café sejam assim tão importantes. Cumprem a sua missão, está claro, mas não seriam decisivos. O que os olhos procuram é o jornal. Aqui está este homem de aspeto um tanto estranho, com a sua gabardina um tanto estranha - embora menos, nestes dias mais frios - a quem servem sem dizer palavra, enquanto roda a cabeça à cata do SEU jornal. 

Oh sim, a prioridade é ler o jornal. O pequeno-almoço é por conseguinte. E mesmo sabendo que não é verdadeiramente seu, experimenta uma sensação de roubo, ao notar que alguém está a ler o jornal que procurava. Há tempo, tranquilo. Até porque o senhor já parece ir a mais de meio. 

Ainda assim, não simpatiza particularmente com o homem. Desde sempre que embirrou um pouco com ele e aquele ar avermelhado, de quem passa a vida com os copos, e o sotaque carregado que o faz soar sempre boçal. 

#3 Aceitar pequenas derrotas

A última vez que olhou, não há mais de dois segundos, foi quando chegou a torrada, já o primeiro café tinha ido. Esta é que era a altura exata para ler as gordas da primeira página. Por sorte, o burgesso acaba de virar para a última.

Uma dentada, uma olhadela, outra dentada, outro espianço. Apenas para perceber que o tipo voltara ao inicio. Mas como assim? Vai lê-lo outra vez do principio? Não faz sentido, mas está a acontecer diante de todos. Mantendo a calma e a compostura, percebe-se facilmente que a segunda leitura do mesmo jornal não pode ser tão demorada quanto a primeira. A novidade está dada, a surpresa estragada, tudo o que sobra é o detalhe. Quanta paciência há, hoje em dia, para o detalhe? Nenhuma.

A gabardina faz-lhe comichão. Fez sempre. A torrada despachou-se. Alguém vai reparar e trazer o segundo café. Sem uma palavra.

#4 Analisar e concluir

Quando ouve:

- Uôi, olhóPalhares. Estábábêr que numaparecias. Pega lá o jornal, pá.

Percebe que aquele segundo café não será consequência do último terço, meticuloso, do SEU jornal. O ladrão tem comparsas. O abutre tem um bando que vem também bicar a carcaça esfrangalhada. Por isso o compasso de espera, a segunda volta. Afinal, nada mais que um rapto, um quase assassinato, dada a maneira sem jeito de virar as páginas. A gordura a escorrer das margens, a mesa cheia de dedadas negras de tinta. A mulher ao lado, resignada. Amorfa da pancada que levará e do sexo de que já se esqueceu. 

E o criminoso ri-se, na sua impotência de pila mole, para o Palhares. E passa-lhe a vitima: Toma, abusa-a agora tu.

Pode ser que não seja um crime de monta para a Humanidade. Mas quem define isso? Por norma, cada um por si. Já vimos bem - lá atrás, no inicio da longa historia - em que estado vai a estrutura que é suposto decidir por nós. Agregada a informação, passados a pente fino os antecedentes, estamos postos perante uma atrocidade. Praticamente, vá.

A gabardina grita-lhe na pele, apesar de toda a roupa entre uma e outra. 

Nesta fase, deve o sujeito atingir o estado zen que lhe permitirá vislumbrar o caminho. Saber qual o problema e como contribuir para a sua solução. A bem de si, primeiro, e de todos.

#5 Resolver

O dinheiro fica em trocos certos sobre o balcão. Os passos de regresso à viatura são lentos, a gabardina a afagar as costas das cadeiras no seu movimento esvoaçante. Abre a porta do estabelecimento comercial quase a acariciar o puxador. Completamente. Com a cabeça diz "depois de si, caro senhor, faça o favor", ao assassino, violador. Dá-lhe um sorriso de paz, que o outro retribui com um esgar de dentes amarelos e mau hálito. Está Sol. Está frio.

As abas da gabardina voam para trás das costas, enleadas na suave e gélida brisa. A coronha cola-se-lhe à mão aberta, enquanto os canos serrados lhe dão os bons-dias. O outro mete a chave na ignição e roda-a, antes mesmo de fechar o vidro.

E nem quando os chumbos lhe estilhaçam o crânio na sua trajetória em forma de cone, o anormal entende que até as coisas mais simples, as atitudes mais insignificantes da alarvice, podem perturbar o frágil equilíbrio Cósmico dos nossos tempos.

Vai ser preciso um esfregão de palha-de-aço, para tirar tanto miolo daquele tablier.

...

Soundtrack to murder: A deceit of the eye... 

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Teoria Política da Higiene Dentária


Ninguém é obrigado a escovar os dentes. Podemos desvalorizar o facto, podemos não lhe conceder atenção, mas lá por isso não deixa de ser verdade que se trata de uma escolha, do exercício do mais puro livre arbítrio. É também destas pequenas, mas significativas, liberdades que se faz a Democracia.

Não devemos descurar a forte pressão social para que todos lavemos os dentes. Há no ato de não compliance com esta norma, um imenso grito de rebeldia. Uma afirmação da individualidade, por oposição ao conformismo das maiorias. Pelo menos, e no caso vertente, da maioria de boca. Isto é, do que se diz, antes do que se faz. Dir-se-ia que estamos perante a assumpção de uma honestidade intrínseca, de um Neo-Liberalismo até, se visto na perspetiva individualista da corrente.

Numa Ditadura, poderia um qualquer líder achinesado, de cabelo à mete nojo, obrigar todas as pessoas a escovar os dentes, as vezes ao dia que melhor lhe aprouvesse. Bastaria decretar que todos os cidadãos tinham que lavar os dentes três vezes ao dia e pronto, aí estavam as fábricas Estatais de dentífrico a bombar quatro turnos diários. Neste cenário, seria inimaginável alguém erguer-se no seu lugar e proclamar, por atos ou palavras: Eu não lavo os dentes. Sob pena de estar a atentar contra a sua própria vida.

Concluí-se pois que há na Democracia uma certa tendência para a badalhoquice e para o mau hálito. Em compensação, encerra-se nela todo um vasto campo de escolhas possíveis e individuais. O que, naturalmente, significa uma maior probabilidade de termos pessoas mais felizes e contentes. Pois que escolhem os seus próprios caminhos.

Enfim, somos leitões, rebolando felizes no esterco.

...

O próprio conceito de Democracia, enquanto poder do Povo, remete para qualquer coisa com cheiro a refogado e chouriço e óleo de camiões e assim, se olharmos de um ponto de vista um tanto elitista. Cagão, vá. O que não se pode, é negar a alegria de belas chispalhadas regadas a carrascão, seguidas de épicos pães-de-ló e renhidas suecadas. Arrotando satisfeitos pela tarde fora.

Já olhando para o sistema enquanto garante da liberdade do indivíduo, devemos sempre atentar aos seus limites. É um cliché repetir que a minha liberdade termina onde começa a do próximo. Ainda que ele esteja atrasado e perca a vez, há que respeitar o seu direito e não invadir com a minha individualidade egoísta a sua bolha privada. Salvo seja. 

Para que se perceba bem, digamos que não é uma consequência do sistema Democrático que eu mije para cima de quem vai encostado à porta no metropolitano. Só porque me apetece verter águas, ao mesmo tempo que tenho vontade de desenhar as minhas iniciais na porta da carruagem. Sei lá, acho giro.

Este tipo de exagero no aproveitamento das liberdades que a filosofia Democrática pretende garantir, pode facilmente descambar num radicalismo, já à beira da Anarquia. Para uma Ditadura do Proletariado, vai um passo. À reação milíciana de Direita Radical, vai outro. 

E lá teríamos camisas negras e fardas de caqui a empestar o metro em hora de ponta, prontas a espetar à baioneta qualquer transgressor. Ou todo o bigode farfalhudo, com as calças a escorregarem abaixo da pança e rego à mostra. A milícia tende a estereotipar o militante de Esquerda.

O facto permanece: É do mais elementar sentido Democrático, aceitar que ninguém é obrigado a escovar os dentes.

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O adiantar da manhã é sempre demasiado lento, quando são seis horas. E o anúncio do fim do Verão na brisa que se entranha pelos colarinhos, não ajuda. Sobretudo na memória de um corpo amado e quente, que fica para trás à velocidade dos solavancos do comboio. 

É talvez por isso que nem as considerações acima o distraem do insistente som. Grafá-lo é complicado. Opte-se então por explicar: É o som da língua a estalar nas beiças, enquanto percorre a dentadura. Um incomodativo tssshhccc, à distância estreita do corredor da composição ferroviária.

À beira da loucura, o fulano da estranha gabardina agita-se no seu banco isolado. Olha o companheiro de viagem, absorto na sua higiene bucal, com alguma insistência. Mas sem resultado prático. Tssshhccc, tssshhccc, e volta ao siso lá de trás. 

Por um instante detém-se. Apenas porque lhe é complicado deslizar a língua pelos dentes, enquanto enfia o indicador inteiro no nariz. Uma pequena gota, das duas que sobram, aumenta o volume do copo transbordante.

Sem alternativa que se apresente, intenta uma palavra, com a delicadeza que resta no seu frágil equilíbrio:

- Importa-se?!

Do assento do outro lado do corredor, a resposta surpreendida:

- Hã? Tssshhccc. Que foi? Tssshhcc. Tájólhar pradonde? Tssshhccc.

- Importa-se?! - Um tom mais alto.

- De quê, pá? Tssshhccc. Olhameste, olha. Opá, lEmbe-mos! Tssshhccc.

Só no momento em que os canos serrados colados à boca do tssshhquento o impedem de prosseguir tssshhcccando, é que se apercebe que, à luz da Teoria Política, está a ter uma atitude um tanto Ditatorial. Afasta este breve pensamento com a leve e libertadora pressão no gatilho.

A complicação que vai ser, raspar os miolos daquela janela. Seria melhor não os deixarem secar.

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- A sério, Senhor! Isto é demais. Nem eu tenho estômago. Percebe-se lindamente a Ira Divina sobre este sujeito. É que começa a parecer perigoso. - Indignado.

- Pois, é capaz. - Pensativo.

- É capaz? É capaz? PelamordeSi, há que o colocar na ordem. E é já! 

- Pois, sim, é capaz. Não deixa de ser um barulho muito irritante...

- Não! Não posso crer que esteja a condescender. - Re-indignado.

- Quer dizer, pois, não, não é isso...

- Protesto! Protesto com grande veemência se esta situação passar em claro.

- Oh, claro que protestas. O cachopo bem me contou a figurinha que fizeste na Última Ceia. Tssshhccc, tssshhcc, não é, senhor Pedro? Já lavar essas dentuças, antes de fazer chover.

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Soundtrack to bloodbath: Public enemy.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Teoria Geral do Conhecimento em Humanos Adolescentes




A pedido de várias famílias: Reader discretion advised. 

Os adolescentes são todos bastante estúpidos. É uma condição, não há nada a fazer. Não é como se a maioria fossem estúpidos ou, vá lá, uns são estúpidos e outros não. São mesmo todos estúpidos. Muito. Estes, nós quando éramos e os que serão a seguir. 

Ao contrário do que podem pensar, não se trata de acharem que sabem tudo. É antes a convicção de que o resto da maralha sabe menos. Por exemplo, é evidente que aquele puto sabe que se vai colocar uma pizza no micro-ondas de uma superfície comercial, é muita cool desatar aos berros a fazer trocadilhos entre pizza e piça - Oh Josefina, vê aí se a minha piça já está boa! Oh Jaiminho, apalpa-mapiça a ver se está crocante. Gostas crocante, não gostas? - Puto estúpido, portanto.

Para infelicidade deles e da comuna no geral, estão basto errados. Há coisas que, de facto, não podem saber. Vejamos, o anormal não tem como saber que o tipo das barbas, numa das mesas de pé alto, não está nada feliz por se ter levantado às 5.30H da matina. Ainda menos, por ter sido obrigado a deixar no quentinho a gaja bastante boa com quem tem o hábito de dormir. Não é culpa de nenhum dos constituintes do exército hormonal que o rodeia, mas não deixa, por isso, de ser um facto.

Também não é possível que tenham ideia de que o sobretudo tem um bolso interior, bastante profundo. Nem que seja um número acima do que ele usa, para poder albergar a caçadeira de canos serrados. Sobretudo, não há hipótese de desconfiar que o tipo vive segundo o lema "Malta estúpida que diz lEmber, não merece o ar que respira".

É por isso que quando o miúdo berra um "Já está derretida, já podem lEmber! Anda Katy, lEmbe, lEmbe. LEmbe-mapiça!", ainda acredita que está a ser bestialmente fixe. A besta!

E só no milionésimo de micronésimo de cagalhímetro de segundo que vai entre a sensação do cano frio na têmpora e o crânio a despedaçar-se com os chumbos, é que tem, enfim, a lucidez de perceber que há coisas sobre as quais lhe falta informação. Oh well, too late...

Têm aqui um lindo serviço, as senhoras da limpeza. Ai têm, têm.


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- Senhor, dá-me licença? - Humilde.

- Diz lá Pedro. - Sem tirar ojolhos do ecrã.

- Acho que é capaz de ter alguma razão em embirrar com o fulano. - De olhos ainda no chão.

- Aaaaaaaaah, vês? Eu bem te digo.

- Pois, Senhor, há limites. Há coisas que, sinceramente... - hesita.

- Quê? Por causa daquilo dos putos? - Olha-o por um momento. 

- Naturalmente, Senhor.

- Oh, bem, quer dizer, nesse caso até acho que... - É interrompido, num assomo de insolência do outro.

- Senhor! Valha-Lhe Você mesmo! Há coisas que, mesmo que se pensem, não se dizem. Muito menos se escrevem. Pelo amor de Si! 

- Ora, deixa-te de merdas Pedro.

- Merdas? A sério? É isso que tem para dizer? Vai-me desculpar, mas eu retiro-me. - E vira-se para sair.

- Oh Pedro! - O outro estaca. Ainda de costas:

- Diga, Senhor.

- LEmbe-mos! - E ri-se.  


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Soundtrack to bloodbath: Schools out...for lunch!