terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Herr Heimer, Alz (Revisitado)





"Mas quem raio será este tipo que quase se espuma? Deus me livre se vou pôr à boca esta espécie de bolo, ou de pão, ou o que seja, que me estende. Já disse que não quero e não como. 

Se calhar não disse, mas acho que tenho uma maneira de deixar claro. Ás vezes parecem entender. 

Vou pegar antes na chávena, pode ser que se distraia. Chávena é uma palavra bonita, tenho pena de lhe perder o significado. Soa bem, a quente, como o liquido que me escorre agora pela mão que segura a... coisa. 

Não parece ter ajudado. Agora é que a pessoa está mesmo zangada. Diria mesmo que à beira da apoplexia. Pegar nisto não parece boa ideia. Larguemos portanto. E não, não sei o que faça com esse pedaço de... coisa que insiste em estender-me.

Podia ao menos ser rodeada de pessoas que me conhecessem, que eu reconhecesse. Aquela amiguinha dos meus 10 anos, a minha mãe ou a avó. A avó ás vezes aparece-me. Quase sempre é este sujeito irritado, de olhos fundos. Ou uma cachopa qualquer. Se ao menos me dissessem o que querem de mim, o que esperam. Podiam limitar-se a ser claros, como eu sou: N-Ã-O C-O-M-O I-S-S-O!

Não é teimosia, é só que não sei o que seja e, igualmente, não sei quem seja. É a mais profunda solidão, creia. Era eu que devia estar zangada. Mas não sei bem como se faz isso. Por vezes escorre-me água dos olhos quando me apercebo de quanto fui abandonada. Pouco mais. Poucas vezes, muito poucas já.

Ops, intermitência... Vai falhar a luz de novo... Melhor assim, que não tenho que o ver."

- Mas porque é que não comes o queque? Tu gostas do queque! Comes sempre um queque. Por favor? Come lá isto que me quero ir embora! - Levanta a voz, ao mesmo tempo que a chávena escorre a meia de leite na mão trémula dela.

Na mesa do costume, enquanto ele suspira depois de ter gritado, ela ausenta-se. 

2 comentários:



  1. @ Silva

    tenho um 'pikachu' que, no alto dos seus três anitos, já me exaspera a esse ponto (de levantar a voz, mesmo em sítios públicos) :D

    abr@ço
    Miguel | Tomo II


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    1. Aproveite-o bem Miguel! São os anos em que ainda são nossos :)
      O ciclo da vida não deixa de ser curioso. A inevitabilidade do nosso regresso à infância e o sangue que ferve na veia de qualquer cuidador, seja de criança ou de velhote. Fantástico como a leitura pode ser a mesma nos dois extremos da vida.

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