sábado, 15 de abril de 2017

O xôtor não é polícia



Pela janela sobre o campus, ele aprecia o movimento corriqueiro dos adolescentes de mochila. As roupas a escassearem, comprovam o aumento súbito da temperatura. O que o seu enésimo fato escuro, demasiado largo para a carcaça que envelhece, negaria à primeira vista. Abençoado ar condicionado.

As mãos atrás das costas, no entanto, vincam-lhe a posse. É o seu pesado e meticulosamente organizado gabinete: A sala do senhor Diretor, a casa da ordem e disciplina, vista pelas lentes da eterna armação de massa preta, o Reino. Em contraste com o apartamento frugal, as refeições congeladas com etiquetas do respetivo dia da semana e a absoluta ausência de qualquer contacto não mediato.

A propósito do que, lembra-se, deve estar na altura de ligar à Valdineide e aliviar uma ânsia cada ano mais espaçada. A própria profissional um porto seguro, de hábitos conhecidos e cheiro familiar. Já há uns anos que, por caridade ou à vontade, lhe trata também dos botões das camisas e de um ou outro buraco nas meias. Alguma noite, cansada do frio lá de fora, deixou-se ficar e acordou para ele, sentado na cadeira, pronto para sair, à espera que o corpo estranho lhe desaparecesse do covil. O mais próximo de um amigo que ambos conhecem.

A voz metalizada quebra-lhe o olhar perdido:

- Senhor diretor, está aqui o senhor doutor.

Ele suspira. Preferiria evitar uma conversa que sabe inútil, mas o convicto sentido do dever impede-o. Os ombros descaem-lhe ao responder no seu tom grave:

- Mande-o entrar por favor, Maria Clara.- Senta-se na cadeira de couro castanho, apoiando as mãos nos braços coçados.

...

- Viva, senhor diretor. Espero que não seja nada muito demorado, tenho um dia deveras preenchido. - Anuncia, sentando-se, com o à vontade da alta patente que está em casa em todo o lado.

- Muito obrigado por ter vindo, senhor doutor. Tenho pena que nos encontremos quase sempre em infelizes circunstâncias e por motivos tão recorrentes.

- Homem, não me vem com mais queixinhas, pois não?

O diretor sente as bochechas aquecerem, perante a despreocupada arrogância do outro. Diz:

- Bom, a verdade é que continuamos... - O senhor doutor interrompe:

- Escute lá, você nem imagina a quantidade de insultos que eu tenho para multar, homem. Por isso, vá direto ao assunto, se me fizer o favor. - Agita-se na cadeira, impaciente.

- Pois seja. Os seus cachopos voltaram a arranjar chatices. Estou certo que o senhor doutor lhes dá uma esmerada educação em casa, o que só aumenta a minha preocupação com os petizes. Talvez o facto de não merecerem castigo lhes passe a mensagem errada, digo eu.

- Ora, ora, não sejamos pieguinhas. De que se queixam agora os seus alunos florzinhas? Alguém lhes chamou lampiões ou assim? Cálculo que não, pelo que não vejo o que possa ser assiiiim tão grave.

- Não, senhor doutor. Mas o seu Luisinho atacou selvaticamente o tendão de Aquiles de um coleguinha. Capaz de o deixar manco pra o resto da vida.

- E é isso? - De olhos muito abertos.

- Na verdade, não. O outro, o que fala de uma maneira esquisita, enfiou uma murraça noutro menino. Um pretinho.

- Aaaah, agora a escola discrimina positivamente pela raça, é? Se for branco e falar estranho, é mau. Se for preto, ai coitadinho que não se lhe pode tocar?

- Nada disso, senhor doutor, isso é um argumento um bocado parvo, desculpe a frontalidade.

- É como quiser. Detesto queixinhas e não tenho tempo nenhum para estes disparates. Diga lá o que quer, a ver se me deixa ir trabalhar. Sabe por acaso da importância da minha posição?

- Claro que sim, senhor doutor. Mas... - O doutor levanta-se, exasperado. Interrompe, com os nós dos dedos no tampo da secretária de mogno:

- Oiça, diga lá o que espera de mim e deixe-se de tretas.

- Quero apenas saber o que pretende fazer quanto a estas agressões, senhor doutor.

- Eu?! Nada, pois claro. Eu cá não sou polícia!

...

E nem videoárbitro, senhor doutor Meirim. Já cá se sabia.




9 comentários:

  1. Desta vez vai ser obrigado a fazer. Há-de o Samaris estar em Santorini a gozar merecidas férias.

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    1. Será? E precisava da queixinha? Nop. E o Luis? Talochas há muitos, pendem é sempre para o mesmo lado. Porra pá.

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    2. O ET levou amarelo, logo já não poderá ser castigado...

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  2. Problema com VPN, fiquei sem saber se um comentário antes deste chegou ao destino... chegou ? :)

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  3. Parece que não.

    Sem ironia nenhuma, se samaris não foi castigado quando agrediu Telles, porque haveria de ser agora?

    O foco deve ser a não expulsão do capitão do clube do regime!
    Mas está mais que visto, eles têm vacina para tudo!
    Para os ferir, só um Porto campeão!
    Depois, entre outros, ter Marega e Hernâni como vencedores da taça!

    Abraço

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    1. Sim Carrela, decisivas, ou não, seriam expulsões em tempo útil de jogo. De qq forma, quem repudia, e eu repudio!, veementemente agressões a árbitros, não acha indiferente que se puna um cobarde que anda aos murros pela surra a colegas de profissão. É isto,
      Abraço

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  4. Xistra, Martins, Capela, Almeida, etc., repudiar?!
    Era é partir-lhes os dentes todos e passavam a arbitrar como sargentos.

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    1. Epá, partir os dentejáspessoas é coisa de lampião, certo senhor presidente da Liga?
      No entanto, é engraçado como algumas cartilhas só conseguem falar de um Ferreira, quando nós colecionamos tantos apelidos...

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