Às vezes gasto-te e tu não te gastas. Pareces eterna e infinita. Sabemos bem, os dois, que não és qualquer delas. Tiveste um principio. E acabarás, quando se cale o último de nós. Está claro que te desperdiço frequentemente, nos momentos em que bastaria estar calado - quieto das mãos no papel ou nas minhas teclas cibernéticas - para te poupar. Não o sei fazer. A culpa é também tua, por não deixares de me sobrevir em enxurradas, descontroladas amiúde, em cascatas de associações de ideias - as mais das vezes parvas. Vem sempre, pela minha eternidade. Continua a adormecer-me nos nossos contextos, a revoltar-me nas nossas gramáticas imaginárias, a construir-me.
Quando te arredondas, em curvas suaves, de mulher, eu deslizo pela pele das letras. Corrompo as sintaxes, oculto sujeitos e atiro-me, sôfrego, ao verbo. Conjugo-os em catadupa enquanto os cabelos do meu pescoço se eriçam. E tu deixas-te moldar: Ora crua, à beira da pornografia; ora doce, como um beijo inesperado, roubado num telheiro da adolescência naquela noite em que te sumiste e eu fiquei sem com o que dizer um sentimento desconhecido. Entras na brincadeira, rodopias nos significados, em saltos mortais de Desejo e Paixão e Amor e Raiva.
São breves, mas significativos, os teus momentos ascetas. Como que te espreguiças, sem um sorriso, sobre os sintagmas, prolongando-os em nome de uma contemplação tranquila. Mas obstinada. A clareza que me advém quando te possuo nesse estado é arrebatadora. Assustadora, digo. As duas, talvez. Porque possuir-te é uma mera ilusão que me imponho - ou me permites - para me ser possível a Vida. Esta a essência da tua multiplicidade una: A Vida concreta é definida por ti que és toda possibilidade. Completamente.
És tão imprevista nos teus ângulos mais agudos. Fazem-me sorrir, porque sei que todas essas arestas podem ser açúcar. Depende do tom e do ritmo e do inefável meio por onde viajas. E do mensageiro e do recetor e do ruído e, agora, das alegres poeiras cósmicas e nauseabundos lixos espaciais. A todos contornas no teu ser absoluto, irrepreensível e imaculado. Dás-te assim a quem te diga, a um tempo ríspida e poema. Navalha e abraço. Ferida e bálsamo. Gelo e colo numa noite de medo, sem motivo para os que não são pequeninos. Devo parar? Deixas que pare ou continuarás a sugerir opostos, cada vez mais rebuscados, mais fundo na minha mente, na minha memória que se liquefaz? Seja. Solidão e Mãe. Vento. Não conheço antónimo de vento que me sirva. Inventas?
Por vezes tenho esta necessidade nevrótica de te exercitar sem objetivo. Por puro prazer. E tu não te gastas. Renasces nas nossas brincadeiras inúteis. Multiplicas-te e desmultiplicas-te, enquanto te acaricio as sílabas ou erijo acentuações erradas no teu corpo. Fazes cabriolas de cachopos em bicicletas velhas, a cair, numa rua que só descia e tinha reizinhos, em torno da minha pontuação incomum. Deliberada, vaidosa e estupidamente - em quantas ocasiões - incomum. Derrubas as barreiras dos parágrafos e desandas pelas janelas que não permites que feche na minha alma. Voas. Livre. Inteira e sorridente. Palavra ao oposto de vento.
Que força tens tu com as palavras........................... impressionante!
ResponderEliminarAbraço
Grato pela simpatia, Carrela. Até é mais ao contrário, porque me perco nelas uma série de vezes...
EliminarAbraço.
Tão bonito. Tão honesto. Parabéns!
ResponderEliminarAbraçom
Obrigado pá! Ospois pago-te a bic...o cimbalino, o cimbalino!! :)Abração.
EliminarA dialética da beleza também é uma beleza de dialética... o yin e o yang, os lopeteguis e os não lopeteguis...
ResponderEliminarSempre gostei de poemas em prosa...
Também eu. Mais do que de prosas em forma de poema. Oh well, words...
EliminarInspiração. Não, a imaginação. Não, a poesia. Não sei e não me deveria atrever. Agradecido. Só agradecido. Assim está bem.
ResponderEliminarAgradecido sou eu. E inchado também...
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